D. Elza

D. Elza

Elza, quando pequena, morou na Usina Nossa Senhora de Lourdes.

Lá, ela entrelaçava com os dedos os fios do saco de açúcar.  

Quando foi morar no centro de Macaparana, aprendeu com uma vizinha a fazer crochê.

 Ela diz que seu forte é o “ponto-cruz”. Tem na frente da sua casa uma lojinha onde vende seus trabalhos e de outras artesãs da cidade.

Conhecemos D. Elza nas ruas de Macaparana. A cidade estava em festa, pois acontecia a celebração da padroeira. Sentada na banca de feira, ela vendia suas peças ao lado da amiga Socorro. A noite estava movimentada, uma oportunidade para vender seus pontos-de-cruz e bordado, em paninho de bandeja, panos de prato e toalhas. Perguntamos: “e a senhora faz crochê?”, e ela “ já fiz muito, agora faço mais ponto-cruz”. Pedimos seu contato, marcamos nossa volta e depois voltamos.

Fomos recebidas em sua casa, que também é o seu ponto de comércio. Aos poucos, surgiram amostras de crochê, lençóis e muitas histórias, e vimos que o crochê está em sua vida de longa data. D. Elza conversou conosco em 12/12/2019.

Narrativa

AQUI EM MACAPARANA

[Nasceu] Aqui mesmo [em Macaparana]. Eu morei na Usina Nossa Senhora de Lourdes, nasci lá. É aqui em Macaparana. Eu vim em 1976, eu ia fazer seis anos. [Infância] Brincava, ficava todo mundo pelas calçadas e foi uma infância normal. Brincava de queimado, elástico, que eu nem sei mais nem como é, que hoje o povo num brinca mais.

Estudava aqui. Quando eu vim pra cá, comecei lá na Usina, o comecinho lá. Porque, assim, a escola e todo mundo era alfabetizado lá. Aí depois eu vim estudar aqui. Ela [a escola] chamava Alfredo Marrom, mas hoje ela é conhecida como Brigadeiro.

[Moro] Só. Eu, Deus e o meu cachorro, Booby. Ele tá andando, porque senão ele não deixa a gente fazer nada aqui, fica chorando. É o menino que leva ele todo dia.

[Sou] Solteira. Não tenho filhos. Já cheguei a casar, me juntei, mas me separei logo. Tenho um irmão. Na realidade, eu sou adotada. Sou adotada, então eu tenho uma irmã de pai, mas que não mora aqui, mora em Recife, e tenho um irmão adotivo, que mora aqui, é o que eu tenho, os três sobrinhos, são os filhos dele. E já tenho sobrinhos-netos, todos eles já têm filhos. Aí aqui, eu só tenho um irmão, que é adotado. Tenho contato com ela [a irmã] pouco, mas tenho. Ela também foi adotada junto comigo, só que com outra família. [na Usina] Eu morava com os pais biológicos, aí quando eu nasci, pouco tempo depois minha mãe biológica morreu e ficou só o pai, com seis crianças. Aí, como eu sou a mais nova e essa minha irmã vem antes de mim. Como a gente duas era mais nova, aí adotaram nós duas, e as outras ninguém sabe por onde andam. Aí meu pai logo depois morreu, meu pai biológico. Aí eu fui criada com pai e mãe adotivos. Cândida Ferreira de Lima e José Luís de Lima.

PUXAVA O FIO DO SACO DE AÇÚCAR E COM OS DEDOS EU JÁ COMEÇAVA ENTRELAÇAR

Bom, quando eu morava na usina, por conta do açúcar, dos sacos de açúcar, minha mãe já dizia que eu já pegava, puxava o fio do saco de açúcar e com os dedos eu já começava entrelaçar. E quando a gente veio morar aqui, a gente tinha uma vizinha que fazia crochê, aí eu me interessei. Aí minha mãe pegou e comprou uma agulha de crochê, e eu com sete anos de idade já comecei a fazer umas peças.

BOTO MEUS ARTESANATOS AÍ NA CALÇADA

Pronto, eu acordo, vou aguar minhas plantas, vou fazer o serviço de casa, quando muito, quando não, é uma pessoa só, né? Aí pronto, boto meus artesanatos aí na calçada, fico fazendo meu crochezinho até onze horas, onze e meia. Aí depois eu vou trabalhar, doze e meia eu vou pra escola. Eu trabalho na secretaria da escola, na Escola Governador Moura Cavalcanti.

FUI MANICURE POR VINTE E SEIS ANOS

[Usa a frente da casa como comércio de seus artesanatos] Desde que eu vim morar aqui, aí quando foi com tempo que eu comecei a fazer crochê, eu já usava. Essa casa era duas janelinhas e uma porta. Essa casa era toda assim na antiga. Aí pronto, eu já fazia unha, fui manicure por vinte e seis anos. Aí enquanto eu fazia unha, vendia um crochê, um bordado, sempre fui assim de meter a cara em tudo, não ficar descansada. Meu primeiro, esse emprego que eu tô hoje, eu consegui com trinta e oito anos, concurso público. Foi quando eu consegui passar nas vagas pra entrar, porque antigamente eu fazia, mas nunca passava nas vagas de entrar. Fazia, passava, mas nunca entrava, aí em 2007 eu fiz aí consegui passar, e até hoje eu tô lá.

SÉTIMO PERÍODO DE HISTÓRIA

Eu não terminei o universitário. Mas eu fiquei até o sétimo período de História. A faculdade eu comecei em Nazaré da Mata, e depois saí e vim pra Goiana. Fiz três vestibulares e sobre os três passava, mas a preguiça era grande, e eu não terminei. Mas aqui a gente tem acesso, porque aqui a gente tem ônibus, isso aí não faltava não. Foi preguiça mesmo, porque eu fiz o curso, eu passei pra uma coisa, aí passei pra História, fui ficando, mas não era aquilo que eu queria, aí eu desisti. Fiz pra História, mas eu sou professora do magistério. Eu queria pra Direito, fiquei só na História, aí não terminei. Já fiz três vezes, passo e não continuo.

O MEU FORTE É PONTO-DE-CRUZ

Faço muito pronto-de-cruz. O meu forte é ponto-de-cruz. Eu faço conjunto de criança, de recém-nascido. Peças pra casamento, tudo o que você mandar fazer eu faço em ponto-de-cruz. E o final, eu finalizo com o bico de crochê. Como é de jogo-americano, pano de liquidificador, conjunto de cozinha.

MEU FORTE TAMBÉM SEMPRE FOI MUITO O CROCHÊ

Meu forte também sempre foi muito o crochê, né? Pra onde eu vou eu levo o meu crochê. Por menor que seja, eu levo o meu crochê. Isso aqui é uma terapia, que eu acho que todo mundo deveria ter, porque isso aqui desopila muito a mente da gente. Eu faço por amor, não faço por dinheiro, não. Faço por amor. Tanto é que eu tenho essas peças e nem procuro vender, porque eu acho isso, quando eu olho assim “será que fui eu mesma que fiz?”, porque eu acho tão lindo, tão perfeito, que a gente tem até pena de vender e achar que a outra pessoa não vai cuidar como a gente cuida. Pronto, aí até hoje, enquanto eu ainda tiver vida e visão eu quero continuar fazendo meus crochê, ou melhor minhas artes, né?

EU ACHO QUE EU JÁ NASCI COM ESSE DOM

Como eu disse, né? Com seis anos de idade lá na Usina, puxando aqueles fios do saco que vinha o açúcar. Eu puxando aquele fiozinho ali, eu com os próprios dedos, eu acho que eu já nasci com esse dom. E quando eu cheguei aqui em Macaparana, com uma vizinha. Quem sabia eu sempre procurava, quando eu não sei eu sempre procuro. Alguém que saiba.

Aí ela [a mãe biológica] dizia que eu desde pequena já tinha esse manejo na mão, sem agulha. Aí quando a gente veio morar aqui foi que essa outra vizinha, que já fazia, já era de idade, aí foi quando ela disse, compra uma agulha de crochê pra ela que eu ensino. Aí ela foi dizendo como era e assim foi.

EU GOSTO MUITO DE AJUDAR AO PESSOAL QUE SABE

Eu gosto muito de ajudar ao pessoal que sabe, porque o meu sonho é uma casa de artesanato aqui em Macaparana, mas infelizmente, os senhores.

Eu compro de outras pessoas, mas junta pra fazer não. Aqui é, como se diz, “cada um por si e Deus por todos”.

Essa questão aí é muito, assim, muito desvalorizado. Só quem paga é quem realmente sabe, e muitas vezes, quem sabe, não compra, porque já sabe e não vai comprar. Mas não valorizam muito não.

Eu acho que é mais interior, né? Capital o pessoal é mais… tanto é que eu mando minhas coisas pra Recife e ninguém ignora o preço, nem pede pra baixar. Aqui não, aqui tudo que a gente sempre tem que tirar o desconto. Sempre tem que ter o desconto.

A HISTÓRIA DO CROCHÊ

Não, até hoje eu nunca descobri. Quem foi a primeira pessoa, assim, a história do crochê aqui eu não sei. Pode ser que as outras saibam, mas eu não. Eu só sei que eu faço por amor, agora as outras aí eu não sei.