Dedé, 59 anos

Dedé

Dedé é uma das mais antigas crocheteiras da cidade.

Suas histórias estão atreladas a de muitas outras mulheres com as quais cultivou a prática do crochê, que é viva na cidade de Macaparana. 

Ao lado de sua filha, Germana, na sala de sua casa, nos mostrou o quanto de dedicação e empenho foram empregados para que o crochê fizesse parte da história de Macaparana.

Quando fomos a Macaparana para realizar a pré-produção do projeto, caminhando pelas ruas, conversamos com algumas pessoas a fim de saber sobre a história do crochê na cidade. Entre uma fala e outra, o nome de uma mulher sempre aparecia. Assim, D. Dedé surgia em nossa pesquisa como uma dessas pontas de linha.

Dedé viaja muito a trabalho, e foi com seu marido que falamos e pegamos o contato de sua filha Germana. Marcamos com Germana e Dedé para conversamos, e assim foi. Estavam lado a lado e nos receberam na sala de sua casa. Entre risadas, emoções e histórias, D. Dedé nos contou da saga que foi e que é sustentar sua família e sua cultura com o crochê. Durante a entrevista, conhecemos a sua neta, e no fim, com a presença, calma de seu marido, finalizamos o encontro com abraços e sorrisos.

Narrativa

MINHA INFÂNCIA ERA NO SÍTIO

[nasci] Em São Vicente Ferrér. Minha infância era no sítio, trabalhando, criando gado com meu pai. Depois que eu vim pra rua, ainda continuamos trabalhando no Engenho, mesmo sendo de outra pessoa, mas a gente continuou.

[de] São Vicente a gente veio pra outro sítio, que era Canabrava, depois de Canabrava meu pai veio morar aqui em Macaparana.

Só tenho dois filhos, Germana e Gilmar. Sou casada com José Maria. Duas netas: a Letícia e a Jaqueline.

Eu estudei. Cheguei a fazer o primário, aqui no Brigadeiro Gomes.

FIQUEI MUITO CURIOSA E FUI APRENDENDO

Aí depois eu vi as colegas fazendo croché e fui… curiosa, né? Fiquei muito curiosa e fui aprendendo. E aprendi assim, eu tinha dezesseis anos. Já aprendi em Macaparana. Com as minhas cunhadas e outras moças. Não. Só aquele monte de moça, aquele monte de moça fazendo croché na rua, mocinha.

Em Macaparana, aí eu ficava brincando de noite e as meninas sempre fazendo croché, né? E eu apanhava capim novo, desde moça, pro gado, mas à noite eu ficava brincando. Aí à noite eu comecei a fazer croché. Fiz um xale, meu primeiro trabalho foi um xale. Nem tinha energia, fazia no candeeiro, não tinha energia minha casa.

AS VARANDAS PRA GENTE FAZER PRA BOTAR NA REDE

Aí depois desse xale, eu…veio essa moça Laura Queiroz, era do Recife, é muito conhecida ela, era usineira. Aí ela veio aqui pra Macaparana trazendo as varandas pra gente fazer pra botar na rede. Aí então minha sogra pegou as varandas pra nós fazer e nós num instante fazemos. Aí depois tinha muito estoque de varanda, ela deu uma parada. Aí eu comecei à noite e o dia mesmo, já tava casada já, aí eu comecei a fazer umas colchas, pelas varandas eu fiz as colchas, tirava, e decorava e ia fazendo as colchas, fazia as colchas à noite. Vendia em Macaparana.

EU FUI VENDER EM TIMBAÚBA

Aí depois eu convidei uma colega minha. Eu fui vender em Timbaúba. Convidei uma colega minha, aí ela foi comigo pra Timbaúba. Aí chegou lá, eu gostei do trabalho dela, né? Ela é muito esperta, mais esperta do que eu, aí eu convidei ela, “vamos trabalhar juntas”, aí ela falou, “vamos”. Aí comecemos a trabalhar juntas, eu e ela.

COMEÇAMOS A IR PRA RECIFE

Então nesse tempo teve um projeto aqui pra esse colégio, colégio que tem aqui. Veio um projeto, aí ela disse: “Dedé, vamos levar os trabalhos pra lá, pra mostrar”. Eu toda tímida assim, abracei, mas vamos, vamos, chegamos lá, as meninas do colégio pediram pra… viu, gostou, e ela são do Recife, era do Recife. Aí a gente… elas queriam comprar, então você compra, você leva e depois a gente vai buscar o dinheiro, depois a gente leva pra você ver, e aí começamos. E começamos a ir pra Recife, né?

Então essa menina tinha a família muito grande, depois ela encaixou toda a família no croché e hoje tem muita gente fazendo. Muita gente fazendo mesmo. Maria do Carmo Pedrosa, hoje ela está em São Paulo, mas tem a irmã dela aqui, as irmãs dela, que trabalha, tem duas irmãs dela, que trabalha com croché aqui em Macaparana. É a filha de D. Ivonete, Ivanise. Eu comecei por Maria do Carmo, era Maria do Carmo Pedrosa, começou comigo, aí depois ela foi passando para as meninas, e todo mundo, aí a gente começou a trabalhar no “gordier”, aquelas primeiras feiras, dormindo naquelas cocheiras. Na Exposição de animais, era muito boa, feira muito boa pra gente.

AÍ LEVAMOS UNS CROCHÉ PRA LÁ

Então Começou eu e ela naquela feira, trabalhando, aí depois surgiu a Central do Artesanato, aí levamos uns croché pra lá, lá as meninas vendiam pra gente e a gente não pagava nada. Isso faz uns vinte anos, não sei se era Miguel Arraes, não sei, sei que era um Governo lá. Então depois veio o convite pra Feneart, primeira Feneart a gente fez.

Pessoas dessa central do artesanato convidou pra Feneart. A gente foi na primeira Feneart, que não pagava. Pagava por comissões, a gente não pagava por stand não, Se a gente vendesse mil reais, a gente deixava cem. Se não vendesse, não deixava nada, mas vendia, Graças a Deus. Era bom!

EU COMECEI NA AMAM

Eu comecei na AMAM, aí depois dessa a gente formou uma Associação. Era Associação Artesanal e Cultural de Macaparana, néra, Germana [sua filha que estava ao seu lado]? Essa tinha umas trinta pessoas com a gente, isso faz uns oito anos, por aí, mas faz uns dois anos que eu dei uma farrapada, aí não tá pagando direitinho, aí não pode utilizar, comprar. Aí agora nós estamos comprando, stand individual, às vezes, depende do prefeito que ele dá, mas esse prefeito esse ano ela não pôde dar, o ano passado, né?

PASSEI VÁRIAS NOITES MARCANDO OS PONTINHOS COM PALITINHOS DE FÓSFORO

Passei várias noites marcando os pontinhos com palitinhos de fósforo, onde era que botava os desenhos, pra ficar tudo certinho, eu gosto de tudo certinho. Ficava noite acordada, quase toda inteira ali marcando.

Menina, eu ficava meia noite criando os bicos e o pessoal não fazia bico e pregava depois nas colchas. Ficava criando de madrugada, meia noite, o marido trabalhava na usina [Usina Nº Senhora de Lourdes], chegava de onze e meia e eu tava lá pegada lá de noite fazendo. Ele trabalhou muitos anos lá, morreu a dona da Usina hoje. Ela comprava muito, passadeira.

A MINHA ROTINA É SEMPRE CROCHÉ

Ah, minha filha! A minha rotina é sempre croché, eu deixei de ser dona de casa, deixei só croché. Faço croché, eu começo e termino. Eu dei uma fracadazinha agora pouco, né? Dei uma fracadazinha, mas vou me recuperar, se Deus quiser.

Eu acordo e já vou pro croché, as vezes durmo no meio do croché, eu dormia com a agulha na mão, ainda durmo. Meu cantinho? Sempre é no chão. Sento ali, eu passo cinco horas no chão sentada se for possível, não tenho uma dor de coluna, não tenho nada. Me levanto de uma vez só, já é o costume.

PORQUE HOJE EU TÔ JÁ ME APOSENTANDO DE CROCHÉ

Porque hoje eu tô já me aposentando de croché. Pra falar do pessoal, antigamente tinha muita gente, hoje diminuiu mais um pouco, mas antigamente pagava aluguel de croché, fazia feirinha de croché.

Aqui em Macaparana, muita gente no nosso pé, que a gente não dava conta. Só uma Feneart é muito pouco. A gente tem que ter feira grande, feira boa, né? Feira pequenininha não adianta pra gente. O croché é grande, essas grande só compra quem gosta, realmente quem tem o dinheiro, quem gosta do artesanato, e feira boa seria assim Brasília, Rio de Janeiro, Recife.

AGORA O QUE SERIA MELHOR ERA SER MAIS INCENTIVADO

Acho bom, muito bom, agora o que seria melhor era ser mais incentivado. Porque aqui mesmo na entrada era pra ter uma placa mostrando. Colocaram um nome ali na entrada como quem vem de São Vicente, agora já apagaram, passaram a tinta, na Cruzeta onde vocês foram. Apagaram o nome, então, isso não está incentivando as pessoas de virem na cidade, ver o trabalho, e ainda devia ter um local aqui na cidade, entendeu?

Andei muito no Recife, naqueles ônibus, eu e ela. Colocava as bolsas pela frente, corria por trás, a gente ajudou muito o pessoal de Macaparana, eles nos ajudaram fazendo e a gente ajudou muito eles, muito, muito mesmo.

DIMINUIU MUITO O CROCHÉ, ERA MUITO CROCHÉ EM MACAPARANA

Diminuiu muito o croché, era muito croché em Macaparana. Nossas vendas caíram um pouco, a despesa de carro, que a gente paga pra sair daqui pra fora pra vender, e essas fábricas de roupa, que elas ganham melhor, as meninas ganham melhor. É porque é um dinheirinho mais certo, e mesmo assim a gente não ia aguentar não essas meninas, não.

NUNCA GANHAMOS NADA, NEM UMA AGULHA, NEM O MATERIAL

Nunca ganhamos nada, nem uma agulha, nem o material. o que a gente ganhava sempre era esse stand, por que a gente lutou muito. No início a gente dividia um stand, agora, hoje em dia, tem cinco a seis stands pra Macaparana. Em Macaparana é só o croché.
O retorno é pouco, muito pouco. A gente trabalha porque a gente precisa realmente, mas às vezes é só pra conhecer pessoas, ter mais contatos com as pessoas, e a gente não sabe deixar as pessoas que trabalham com a gente. Eu já dei tanta coisa para as meninas fazerem sem eu precisar.

A menina diz que era pra eu ser a mais rica da Alvorada Dedé, minha colega fala. Sofri muito, já sofri muito viu? Choro, rio, a vida é assim. E após esses dois anos pra cá piorou, viu?

OLHE, DENTRO DE QUARENTA ANOS, QUASE QUARENTA, UNS TRINTA E CINCO, EU NUNCA PAREI MEU POVO UM MÊS. E ESSE ANO EU PAREI

Olhe, dentro de quarenta anos, quase quarenta, uns trinta e cinco, eu nunca parei meu povo um mês. E esse ano eu parei. Parei um monte de gente. As meninas que me ajudam. Quer fazer, faça, tem coisas aqui que elas vieram me trazer ontem, vamos supor, essa peça aqui ela me passou por cem reais, ela vai ter que esperar, porque eu não pude dar o material.

QUE A GENTE NÃO TEM UM DIPLOMA DE CROCHÉ

Já demos aula em casa, de graça. Mas em Recife o pessoal pede que só, pede muito. Só que a gente não tem um diploma de croché, a gente tem que ter um diploma pra poder dar aula.

TRABALHAR NÉ? LUTAR, TRABALHAR

Gosto, gosto [de croché]. Já gostei mais, sabe. Agora eu tô desgostando, mas tenho que lutar.

O que é ser mulher? Ai meu Deus! Trabalhar, né? Lutar, trabalhar.

[ser mulher artesã] É ótimo, trabalhar e ensinar para as pessoas, ajudar. Para mim é ótimo. Agora, nós também precisamos de ajuda.