Marielia, 38 anos

Marielia

“O que é ser mulher?! é uma vitoriosa, visse? e sofredora…”

Marielia mora juntinho à Associação, e foi lá mesmo que nós conversamos. Mari é alegre, espontânea e cheia de vida!

Na sua rotina, ela sobe a escada, vai em casa, pega um café, olha os meninos, ajeita qualquer coisa… Desce, corta, borda, tira foto e vende. 

Filha e neta de bordadeira, já cresceu sabendo bordar, tem esse “dom”.

Ela nos contou que faz tudo pelos filhos e um dos filhos até “fez seu casamento”.

Narrativa

MINHA INFÂNCIA FOI MUITO BOA

Nasci em Limoeiro. [Em Passira] Minha infância foi muito boa, brincava bastante, né? Comecei a bordar com 13 anos. Tenho uma irmã e um irmão. Só minha irmã [borda]. São mais velhos.

QUEM FEZ MEU CASAMENTO FOI MEU FILHO

Eu sou viúva do meu primeiro marido, eu casei na igreja, com 17 anos. A gente passou um tempo morando aqui. Ele também trabalhava na área de bordado, que ele gostava de vender. Ele ia pra São Paulo, Curitiba, quando tinha eventos fora ele ia. Aí depois ele ficou um pouco fraco, conseguiu um emprego em Caruaru e foi trabalhar lá. Só que nesse emprego ele começou a beber mais e terminou sendo alcoólatra, aí, nisso aí a gente se separou e eu vim pra cá, e ele ficou lá. Aí com pouco tempo depois ele faleceu. Estávamos separados fazia três meses.

Aí eu tive meu segundo casamento lá em Caruaru mesmo, que eu comecei a trabalhar lá e conheci o pai dos meus filhos [Iago, 8 anos; Elias, 3 anos].

Aí, eu passei 3 anos sozinha. Esse rapaz que eu tô com ele tem uma casa aqui perto da minha. Aí meu menino gosta muito de trabalhar com esse negócio de construção, aí ficava lá. Um dia eu fui chamar ele pra almoçar aí o rapaz disse “quem é essa?”, aí meu filho disse assim “é minha mãe”, ele disse “Apoi diga a ela que eu vou casar com ela e vou ser o seu pai ” Aí pronto. Foi o suficiente. Aí até hoje, quem fez meu casamento foi meu filho. Vai fazer dois anos

COMECEI A FAZER ENFERMAGEM, MAS DESISTI

Estudei. Terminei o segundo grau, e comecei a fazer enfermagem, mas desisti. Não dava pra mim não, eu sou muito nervosa, tem que ter o dom, né?
Meus meninos se machucam eu corro pra minha mãe pra mãe socorrer, imagina, oxe!

"AQUI A VIDA É UMA ROTINA"

Trabalho aqui [na Associação de Mulheres Artesãs de Passira], chego de 7h30, fico aqui até 11h, aí subo, faço almoço, dou banho nos meus meninos, faço o serviço de casa e volto de novo praqui. Aí, cinco horas [17h] a gente larga, aí subo pra fazer janta, dar banho nos meninos, fazer tarefa, minha vida é essa. Aí dia de sábado lavar roupa, fazer faxina, é assim.

Eu bordo, corto, às vezes costuro quando dá tempo, fico na parte de embalar, vendas também eu que vendo bastante. Quem vende mais sou eu… pronto. Fico tirando foto, mostrando aos clientes.

É pouco, porque aqui, feito eu digo a minha mãe “Aqui a vida é uma rotina”. Eu mesmo trabalho de sábado a sábado, aí no domingo eu vou pra feira. No domingo eu vou pra Toritama. Aí eu trabalho de domingo a domingo.

EU ENCHIA UMA CAIXA DE FOGÃO SÓ DE SAPATINHO!

Eu comecei com 13 anos, eu fazia sapatinho de bebê. Minha avó, a mãe da minha mãe, ela gostava muito de bordado. Aí na casa da minha mãe tinha uma máquina caseira, aí ela dizia “vamo fazer isso”, aí eu comecei eu tinha 13 anos a fazer sapatinho de bebê e essas luvinhas. Eu enchia uma caixa de fogão só de sapatinho! Aí eu comecei fazendo isso. O bordado e a costura, eu e minha avó. Aí, quando tava tudo pronto, ela saía olhando de um por um que ela gostava.

ATÉ HOJE MINHA MÃE ENSINA A TODO MUNDO

Como eu aprendi a bordar? Eu pegava um risco, riscava e ficava fazendo. Pegava a linha e ficava fazendo. Às vezes ficava errado e eu ia e fazia de novo. Até hoje minha mãe ensina a todo mundo. Ela tá ensinando ali, ó. Essa duas meninas [mostrando duas moças que estavam na Associação] vieram de Limoeiro aprender a fazer. Ela tá ali ensinando a fazer casa de abelha.

No começo era porque eu gostava. A renda [da casa] é meu trabalho, né? É o que sustenta eu e meus filhos, né?

Toda vida, desde eu novinha que eu trabalhava. Meu marido é quem ia vender nas feiras.

HISTÓRIA DE BORDADO À MÁQUINA

Desvalorizou muito, porque essa história de bordado à máquina, né? Tem gente que não entende o que é bordado à máquina e que não, têm pessoas que, quando vê, já conhece. Aí o bordado à máquina é bem mais barato.

O bordado à mão, atrás, se você virar assim é quase a mesma coisa. Na máquina é só pontilhado, é diferente, né? O bordado na mão você passa uma semana pra fazer uma passadeira, na máquina faz dentro de meia hora, né? Aqui [na Associação] é à mão. Aqui não tem nada à máquina.

Porque aqui os povos, assim, não tá agora no momento por conta do calor, mas à tarde, quando tu descer essa rua, tu vai ver um monte de gente bordando nas calçadas. Aí a gente já nasce vendo aquilo, não é? Quando sol tá frio, à tarde. Agora hoje tem menas gente bordando, né? Já mais por conta que desvalorizou muito o bordado por contas dessa história de bordado à máquina, né? Porque muitos lojistas aqui tá vendendo o bordado à máquina, aí é muita gente que bordava deixou de bordar.

NÓS SOFRE MUITO, NÉ NÃO?

O que é ser mulher?! é uma vitoriosa, visse? e sofredora, nós sofre muito, né não? é, é.
Só em ter filho, menstruação todo mês, que não é nada bom. É muita coisa. Às vezes eu digo à minha mãe que eu queria ser homem. Homem sofre menos, a gente sofre muito mais. Principalmente eu criando os meninos. Ave Maria, eu fico doidinha. Eu dou graças a Deus, minha fia, porque eu tenho dois filhos macho pra não passar por nada disso. A mulher sofre muito, né? oxe.

MEUS FILHOS É TUDO NA MINHA VIDA

Ave Maria, meus filhos é tudo na minha vida, vixe Maria! Eu abro mão de tudo por eles, Deus me livre! É minha vida. Eu já abri mão de tanta viagem, de tantas coisas. Porque, como eu crio eles só, tudo é eu, aí eu nunca saio pra deixar eles. Pra onde eu vou eles vai comigo. Eles não têm costume de ficar só nem eu sem eles.

CADA UM TEM UM DOM. EU FAÇO BORDADO

Trabalho é muito importante, né? Sem o trabalho como é que a gente sobrevive?

É um dom que Deus dá a gente. Eu acho que é um dom, né? Cada um tem um dom. Eu faço bordado, têm outras pessoas que faz escultura, né? Cada pessoa é um dom que Deus dá, né? Porque não é você chegar e fazer, é gostar e saber aquilo. Acho que é um dom.