Risolange, 33 anos

Risolange

Risolange é a presidenta da Associação das Tapeceiras de Lagoa do Carro, a ASTALC. Faz tapete desde menina. Trabalha na Prefeitura da cidade, é graduada em Turismo e tem pós graduação em Gestão Pública e em Produção e Gestão Cultural. Escolheu conversar conosco na Associação.

Por Luiza Maretto

Essa mulher abre os nossos caminhos antes mesmo de chegarmos de corpo inteiro na cidade de Lagoa do Carro e na Associação. Ela nos dá carta de anuência, marca encontros, articula datas…Na cidade, então, para nós ela já é Riso. E entre muitas risadas e conversas, ela nos leva para a prefeitura, nos apresenta às pessoas na rua e vai dizendo o que pensa. E o que sente também.

Caminhando com ela, cumprimentamos um, falamos um tanto com outro. Conhece os cantos para visitar, pra comer e também os locais que antigamente se conseguia pular a cerca e ir roubar fruta no pé da árvore.

Assim, marcamos nossa conversa da narrativa gravada no local escolhido por ela: entre os tapetes, na Associação. Nossa curiosidade é muita e são diferentes perguntas que fazemos: sobre o grande, o pequeno, o aqui, o antes, o agora… E Riso vai entrelaçando as histórias: sobre a cultura, sobre a luta do artesanato, sobre a cidade, sobre seu percurso, sobre sua paixão, sobre sua infância, sobre sua vila…

Escutando, caminhando, lugares e valor do trabalho mostrado, apresentado, dito. Com sentimento. Oferece espaço, ocupa posição, dentro, fora. Tem voz.

Ao final desse nosso encontro, ela nos leva para mais um canto especial. De onde ainda hoje vem prato de canjica em todo São João, as borboletas nos recebem na rua da sua vila, sua antiga casa.

Narrativa

Nem me considero Carpinense, sou Lagoense do Carro

Nasci em Carpina, nasci na unidade mista de Carpina, na maternidade no caso.  É… que aqui não tinha maternidade, só tinha maternidade em Carpina. Aí, quem era de Lagoa do Carro, Carpina, Tracunhaém, Nazaré, aquela redondeza sempre ia pra Carpina, tanto pra parto quanto pra qualquer doença, enfermidade, você ia pra Carpina que Lagoa do Carro não tinha… Minha mãe só se ela fosse me ter em casa porque outra… não tinha PSF não tinha nada. Eu nasci e no outro dia vim pra Lagoa do Carro. Aí eu nem me considero Carpinense, sou Lagoense do Carro.

Eu gosto de tudo, eu gosto das pessoas, eu gosto do ar que Lagoa do Carro tem, às vezes frio às vezes quente, é um ar cultural. Lagoa do Carro é uma cidade que ela tem um encanto próprio, coisa que eu não vejo lá outras cidades como eu vejo aqui. Primeiro porque eu me sinto pertencente a Lagoa do Carro e eu sinto que Lagoa do Carro me pertence.

A rua

Na rua que eu morava as pessoas são muito amorosas, assim, até hoje o contato que eu tenho com elas é de família mesmo, assim, é você ter amor pelas pessoas. Deus ele foi muito bondoso comigo assim, quando colocou a gente naquela rua. São pessoas que assim jamais eu vou conseguir agradecer, nem pagar o que eles fizeram pela gente. É um amor que não é só meu, papai também ama muito essa rua, ele não mora mais nessa rua, ele já mora bem pertinho da praça. Nos momentos nostálgicos da gente a gente fica, “ah, aquela rua” parece até que a gente foi morar na Nova Zelândia, sabe?

Eu gosto muito dessa coisa da rua, porque a rua não é só a rua pelas pedras, as ruas são as pessoas, são as pessoas que vão que vem, é o seu amor impresso que fica ali, então assim a rua é bem mais que o paralelepípedo, ela traz consigo as lembranças. Quando você coloca o pé na rua que você gosta muito você lembra de muita coisa.

Uma infância de compromissos

Minha infância foi uma infância legal. Foi uma infância boa, mas uma infância de compromissos assim… porque eu sou orfã de mãe, minha mãe faleceu eu tinha dois anos e meio e aí minha vó que ficou cuidando de mim. É… meu pai com minha mãe teve dois filhos, eu e o irmão, e aí com a doença dela, cada vó ficou com um filho, pra que facilitasse o cuidado, porque depois que minha mãe teve o meu irmão ela já ficou muito doente, e então era um bebê e uma criança muito pequena, porque eu só tinha um ano quando mue irmão nasceu. E aí a minha vó paterna ficou comigo e  minha vó materna ficou com meu irmão, e aí, a gente assim cresceu, cada um com uma vó, e aí depois que meu pai casou com a minha madrasta. Mas assim, eu quando digo que é compromisso é porque pela falta da minha mãe, minha madrasta acabou me dando compromissos que não eram meus. Não eram meus porque assim… eu tinha que cuidar da casa, eu tinha que cuidar dos meus irmãos quando eles foram nascendo, mesmo que assim financeiramente a gente não precisasse disso.

Então assim eu aprendi a gostar de cuidar de casa, eu aprendi a gostar de cozinhar, eu aprendi a saber cuidar de criança. Não era a época de eu ter aprendido, mas isso fez com o que eu aprendesse a dar valor as coisas, a dar valor as pessoas, aprendesse a dar valor ao compromisso, que compromisso não é de todo ruim, ele também é bom porque ensina você a ser regrado, você não precisa viver solto como um boi o tempo todo. Você pode viver às vezes no cercadinho, mas viver feliz.

Eu tenho uma frase comigo que desde pequena eu levo comigo, não é bem uma frase, é um… eu não sei nem explicar o que é, mas assim: “Tudo que você for fazer, se você tem que fazer, faça gostando, aprenda a amar o que você tá fazendo porque fazer o que você não gosta e você repetir pra você o tempo todo que você não gosta, não vai tirar aquele compromisso que você vai fazer… Você vai ter que fazer, mas você vai fazer chateado, aborrecido e aquilo nunca vai ser bom, então tudo que você faça, não só bem feito, faça gostando, porque você vai conseguir fazer em menos tempo, vai conseguir fazer bem”.

A primeira vez que eu fiz feijão na minha vida eu tinha onze anos, e aí eu disse a minha madrasta: “como é que eu vou fazer se eu nunca fiz?” Ela disse: ” Você sabe fazer, faça!” E eu olhei pro feijão e: “ eu não sei nem como é que eu vou fazer isso, mas eu vou fazer”. Ele ficou delicioso! Meu pai nem sabia que era eu que cozinhava, minha madrasta dizia que era ela…

Vamos fazer aposta, tantos novelos

A minha história começou quando eu fiz sete anos, eu me mudei… eu morava numa rua e fui morar em outra rua, muito perto da que eu morava. Aí, quando eu fui morar nessa outra rua todo quarteirão produzia tapete. Vila Luiz Otávio Guerra e todo mundo chamava de Vila. A Vila dos Crentes na verdade, porque muitas pessoas, a maioria na verdade, são evangélicos da assembléia de Deus e as pessoas chamavam: a vila.

E, aí na Vila eu conheci o artesanato. Lá eu tive a oportunidade de ver o tempo todo as pessoas produzindo. Porque eram as mães ensinando pras filhas pelo fato de Lagoa do Carro ser muito pobre, Lagoa do Carro ainda é uma cidade pobre, mas na época era bem paupérrima. Dificilmente você conseguia ver uma criança comendo uma bolacha cream cracker por exemplo, né? Elas não tinham. Geralmente elas tinham uma bolacha pra comer. Elas produziam realmente pra ajudar em casa, os pais realmente não porque os pais eram maioria eram cortadores de cana, aí passavam o dia fora aí quando eles voltavam à noite eles faziam outro tipo de trabalho. Desfiar meia por exemplo, fazer bolsa. Não sei se vocês já viram… não tem umas bolsas de pão que vende na padaria? aquelas bolsas de pão não eram produzidas pelas grandes fábricas, elas eram produzidas pelas pessoas do interior principalmente. Não era fabricada, era produzidas pelas pessoas.

E aí quando eu comecei a conhecer os vizinhos, então,  as meninas ficavam lá produzindo e eu olhava assim: “meu Deus, as meninas não podem”, às vezes quanto eu tinha tempo, né? aí eu queria brincar e elas não podiam, então pra não ficar só já que eu não tinha irmã, eu vou aprender  a fazer tapete e as pessoas relutavam porque assim, financeiramente o meu pai, a gente nunca teve dificuldades financeiras pra gente, nunca foi abastado, mas a gente nunca teve dificuldade desde que eu nasci, meu pai teve antes, a infância do meu pai foi bem difícil, mas na época que eu nasci a gente nunca teve dificuldade pra comer, tinha uma casa  e essas pessoas tinham muita dificuldade e por causa disso elas tinham que produzir o tempo todo pra literalmente comer.

Aí eu disse: “vou aprender”, que aí eu fico lá, eu brinco, converso, pelo menos passa o tempo, aí eu comecei a aprender e depois eu continuei a fazer pra.. porque eu também pensava que eu ia ajudar que os tapetess eram feitos por encomenda, você pegava o tapete e você tinha aquele prazo pra entregar, se você não entregasse você não tinha como receber.

Então a gente fazia aposta, eu e as meninas, da minha idade, “vamos fazer aposta, tantos novelos, vamo ver quem termina primeiro e quem terminar um novelo vai ganhar alguma coisa e Riso vai buscar laranja na casa dela pra gente chupar” aí as apostas eram essa, ninguém tinha o que ganhar não que ninguém tinha nada pra dar a ninguém. Eu sempre perdia, eu nunca ganhava porque eu tava começando a fazer a carreira lisa que era a parte mais fácil e você nunca vai errar porque é uma reta, num é? Então assim, carreira lisa ele é uma reta então demora mais pra você fazer. O enchimento ele é mais rápido, você vê o resultado mais rápido aí elas sempre ganhavam, mas aí eu não ligava muito não porque meu negócio era só brincadeira.

A primeira coisa que eu aprendi foi a carreira lisa, porque assim eu aprendi outras técnicas artesanais com o passar do tempo. Porque é a parte de você aprender. Porque assim, o desenho, você acaba tendo que saber a questão das cores, o tom sobre tom, e eu não ia saber fazer isso ainda. O que era mais fácil era a carreira lisa, que era só um ponto em cima do outro e ia até o fim da vida e depois a trança porque o ponto é igual, a diferença é que a trança é um tipo de ponto que era feito antigamente na tapeçaria que é o arraiolo.

O tapete português é feito assim com o ponto arraiolo, aqui já foi feito mas há muitos anos atrás porque ele é muito trabalhoso, o tempo que você passa pra produzir é praticamente  o dobro do tempo de produzir o tapete com esse ponto que é o ponto florzinha. Depois eu fui pro enchimento, o desenho foi o último. Na verdade o encher é mais difícil do que o próprio desenhar, é mais trabalhoso, porque o desenho você desenha e ele tá ali, mas se você encher o tom errado, ah, minha filha, pra desmanchar dá trabalho. Olhe a tapeçaria, das outras tipologias que aprendi é a mais fácil, mas é muito trabalhosa.

Era sempre uma mais velha fazendo, a mãe das meninas que faziam “peraí que eu vou lhe ensinar” aí, ela ia: “Bote aqui, bote ali”. Porque no começo você tende a colocar um por cima do outro, o ponto florzinha é um por cima do outro, e aí, você tende a pegar e fazer só um ponto em vez de colocar o segundo você coloca no outro, aí não fica, um ponto florzinha, às vezes fica do ponto do pesinho de porta pra dar o arremate dele.

O desenho que eu mais gosto é o geométrico, é o que eu mais me identifico. Ele é até mais fácil de fazer, mas o que é mais vendido é o floral, até hoje.

O artesanato, ele é arte

Eu estudei aqui. Fiz o ensino fundamental, alfabetização, já não sei o nome, né? O ensino fundamental 1 e 2 eu fiz aqui, o médio foi que eu fui pra Limoeiro, porque na verdade eu nunca gostei de Carpina, por incrível que pareça, eu moro lá mas nunca gostei e continuo não gostando muito, eu gostava mais de Limoeiro, e aí eu optei por estudar em Limoeiro.

Depois que eu terminei o ensino médio aí eu fui estudar em Vitória de Santo Antão, foi onde eu fiz minha graduação em Turismo, Bacharelado em Turismo, e em 2007 eu conclui o Bacharelado. Em 2008, eu iniciei minha pós-graduação em gestão pública, terminei em 2009 e em 2012 eu fiz uma pós em produção e gestão cultural.

Gostei, gostei muito. Porque na verdade eu sempre quis fazer alguma coisa voltada pra questão cultural, mas nunca tinha. Aí quando abriu a turma eu corri pra fazer. Foi muito bom, porque eu tive a oportunidade de lá mostrar a questão da tapeçaria, não só da tapeçaria mas do artesanato de uma forma geral, e mostrar que a gente tinha algumas  cadeiras que falavam da questão da arte moderna, arte contemporânea e o artesanato nunca entrava, e foi uma oportunidade pra mim de mostrar que artesanato ele é uma arte milenar. Uma das primeiras profissões do mundo é o artesão, é o artesanato.

Então, eu tive um professor que era de arte moderna, que aí ele falava de vasos chineses, de quadros, né? De grandes nomes como Van Gogh e aí eu comecei a falar: “e os tapetes?” ele: “não, mas o têxtil sim, mas não são tapetes persas não”, “mas os tapetes de Lagoa do Carro não é não arte?” num é? “não, mas aí é diferente”. Aí quando ele deu a oportunidade da gente fazer uma, como se fosse, era parecido com um estudo de caso e aí, eu fiz justamente um comparativo entre o trabalho que Van Gogh fez e o trabalho que a tapeçaria faz, e aí ele relutava.

Durante todo o tempo que ele passou com a gente ele relutava, aí depois desse trabalho aí ele quando me entregou ele disse pra classe que foi uma classe bem legal, tinha gente de todo tipo e ele disse: “hoje eu dou a mão à palmatória, artesanato é arte, tapeçaria é arte e não é menos importante do que os grandes pintores e os grandes escultores”, então assim eu fiquei muito feliz, aí ele disse: “você ficou feliz pelo seu dez” aí eu disse: “não, eu tô mais feliz pelo fato do senhor ter entendido que o artesanato ele é arte e uma arte extremamente importante, principalmente pela questão do que as pessoas vivem do artesanato” então a minha felicidade foi mais essa. Porque mais uma pessoa conseguiu entender que o artesanato não como uma coisa de mulheres que estão ali, ou estão doentes, ou não tem o que fazer, pelo fato de tá ociosa ou tá doente que produz, o artesanato não é bem isso. Ele também faz parte, ele é uma terapia também. Muitas pessoas se tratam fazendo artesanato e isso também é muito legal, mas artesanato não é só isso.

A associação realmente existe e acontece

O artesanato depois se tornou uma coisa séria quando eu tava adulta porque eu vi que eu realmente amo a tapeçaria e comecei a produzir. Eu fazia mais tapete por encomenda, então se uma pessoa pedisse é que eu fazia, a não ser eu não fazia.

Em 2009, eu vim pra associação das tapeceiras e acabei sendo eleita presidenta da associação e relutando muito porque eu achava que eu não tinha condições de estar à frente de uma associação ainda mais com porte que a associação tem, pelo tempo de existência, pela força que a associação tem. Não é uma associação de mulheres que tá ali esquecida, não. A associação realmente existe e acontece, então eu tinha muito medo de tá à frente de uma associação dessa e acabou fortalecendo ainda mais esse meu amor pelo artesanato.

E, foi isso que me fez fazer segunda pós, foi querer ajudar a questão do artesanato, mostrar que a associação das tapeceiras existe, que outras tipologias de artesanato existem e que são muito importantes.

Eu na verdade, até uns dias, tava pensando que eu queria tanto que minha renda fosse a renda da tapeçaria, mas assim é complicado, porque pra isso eu tenho que viajar muito pras feiras, e feira é uma coisa que assim… tanto você pode ter um lucro legal, como você pode não ter nada e ter um prejuízo grande, é um risco. Então eu acabei nunca tendo coragem de transformar a tapeçaria na minha renda principal. E, foi por uns dois anos entre 2014 até 2016 a tapeçaria era minha renda principal, mas aí eu acabei que não consegui sustentar isso, foi por pouco tempo. As contas chegaram e eu não consegui mais pagar com a renda do tapete.

Hoje eu trabalho na Prefeitura Municipal de Lagoa do Carro, no Departamento de Turismo, também dou consultoria nessa área de turismo em outras prefeituras também e meu trabalho é mais esse, um trabalho técnico voltado para as questões turísticas da cidade, agregando pela questão cultural ao artesanato. Faço parte da comissão deliberativa do Funcultura, e a associação das tapeceiras faz parte da federação dos artesãos de pernambuco , faz parte da confederação nacional. Eu faço parte da diretoria da federação, e nessa diretoria também tem as reuniões, tem as coisas que a agente precisa fazer, principalmente em ano de congresso.

Na associação meu trabalho é mais burocrático também. Porque é um trabalho que assim é de resolver os pepinos, né? De fazer reunião, de dirigir os problemas que acontecem aqui dentro, tanto entre a gente mesmo quanto os que vem de fora. Questão documental, tanto do pequeno “olha, eu preciso comprar material de limpeza” “A água acabou”, como inscrever associação em alguns projetos. Não é remunerado não, é por amor mesmo. Aqui não tem cinquenta centavos pra dar a ninguém, inclusive é um dos incisos do nosso estatuto, que nenhum cargo da associação é remuneradao, nenhum, desde a presidência até o conselho fiscal.

É feita uma eleição, no nosso estatuto reza que a cada três anos essa eleição precise existir, esse ano tem eleição. Não estarei mais pra presidente, porque eu nunca fui, eu estava. A gente faz a urna, faz a chapa tudo bonitinho. É eleita toda a diretoria da associação: presidente, vice-presidente, secretária, tesoureira, conselho fiscal.

Porque assim, somos diferentes, mulheres diferentes com pensamentos diferentes, e com hormônios diferentes e às vezes uma besteira causa uma ebulição, mas assim tudo se resolve no final.No final todo mundo termina bem. Eu costumo dizer que “reunião é lugar de lavar roupa” é aqui que a gente tem que vim pra realmente lavar a alma.

As pessoas quando tem o interesse, vem aqui pra associação, e elas já ficam. “Quer ficar?” “quero”, “pronto, pode ficar, viu?”, “Ah, mas eu não tenho tapete”, “Tem nada não, pode ir ficando”, e aí elas vão ficando. É pago uma mensalidade, vinte reais mensal, porque como a associação nós mesmas é que mantemos, pra manuntenção mesmo diária de contas, de limpeza de tudo, então é pago pela gente mesmo.

Hoje somos em 16 mulheres. Na verdade já teve uma presidente homem. Na associação por um bom tempo escolhia o presidente se a pessoa tivesse trabalhando na gestão, porque na cabeça delas é mais fácil consegui as coisas. Foi quebrado isso quando eu entrei, quando eu entrei eu tava na gestão,mas aí depois eu não tava trabalhando e fui eleita de novo.

Eu dizia sempre a elas: “minha gente, seja quem for, não elejam as pessoas pelo fato delas estarem trabalhando na gestão, vocês tem que se empoderar e vocês tem que saber o valor que vocês tem. É um grupo. Eu que to levando o nome da associação mas a associação não existe com Riso, ela existe porque todas nós estamos aqui.”

A gente tem um problema muito grande com a questão do artesanato, de continuar as pessoas produzindo, então a maioria das que aqui estão já são pessoas que já não são tão mais jovens. Pode ser que amanhã elas decidam parar, por problemas de saúde mesmo, o tapete por ser uma peça pesada ele traz também problemas de saúde, problemas na coluna, problemas de visão, problema alérgico, então você acaba desenvolvendo algumas patologias, então a gente tem esse projeto. não só eu. Tem muitas outras mulheres que produzem mas não são da associação. A gente quer trazer pra fortalecer a associação.

Se não fosse a associação essa mulheres não estavam produzindo. Em que lugares elas iriam vender? Algumas fazem isso que vendem pra Casa Caiada mas o valor é muito pequeno. São tapetes enormes que você pega tapetes de 10, 15, 20 metros pra passar meses produzindo e ganhar uma bagatela.

Eu corro muito atrás das coisas pra fazer as coisas acontecerem

Eu acordo, a primeira coisa que eu faço é agradecer a Deus, pelo fôlego da vida. Porque se eu tô aqui ainda é porque eu preciso melhorar, ajudar alguém.Agradeço pela vida do meu pai, porque pelo fato de eu não ter mãe me fez assim me agarrar muito, eu já não tenho vó, ele é assim… depois de Deus a coisa mais importante que eu tenho na vida. O nome dele é Raimundo, mas todo mundo conhece ele por rei. Eu cuido da casa, eu limpo, eu organizo, tem dias que eu venho pra associação, se for dia de vim, eu fico aqui com as outras meninas, se não for o dia de vim pra cá eu vou trabalhar na secretaria de cultura e turismo. Eu corro muito atrás das coisas pra fazer as coisas acontecerem, eu converso com as meninas mais novas que eu, eu acabo dando muito conselho pra elas. À noite é que eu volto pra casa, à noite eu acabo arrumando mais trabalho, eu vou fazer janta, eu continuo trabalhando.

Ser mulher também é se impor e se empoderar

Mulher, ser mulher é muita coisa. Olhe, ser mulher… ah, é árduo. Ser mulher, meu Deus, é ser psicóloga, é ser amélia às vezes, é ser compreensiva, é meter o esporro também às vezes, que tem hora que ninguém aguenta. É amar principalmente o ato de ser mulher. Eu agradeço a Deus pelo fato de ser mulher porque se eu fosse homem eu não seria muito bonzinho, eu não ia nem casar, porque eu ia ser tão exigente e normalmente uma pessoa exigente demais ele não consegue conviver bem  com tudo. O fato de ser mulher eu nasci assim com esse jogo de cintura, com esse jeito mais amável de ser, apesar de papai e meu marido dizer que eu tenho uma cabeça muito durinha, mas que sou explosiva, eu já fui muito explosiva. Hoje eu não sou vinte por cento do que eu era. Ser mulher é ser guerreira, é enfrentar as dificuldades de cabeça erguida, por mais que as dificuldades, as batalhas venham a gente tá ali de pé, de cabeça erguida, passando por uma batalha esperando que a outra venha porque a vida é isso, a vida é uma batalha seguida da outra. Ser mulher é estar sempre disposta a tudo, às vezes a morte, tristeza, mas também às alegrias.

Ser mulher e morar no interior é um preconceito ainda maior porque hoje em dia.

Acho que o homem não aguentaria tudo que a gente aguenta. Tanto da questão do que a sociedade impõe a gente, porque a sociedade ela impõe. Eu costumo dizer que pode passar cem anos, mas a gente ainda vai ser cobrada, muito cobrada, pra ser amorosa, pra ser dona de casa, pra ter filho, mas assim… ser mulher também é se impor e se empoderar. Não querer passar por cima do homem, porque eu acho que cada um tem o seu lugar, e nenhum precisa passar por cima do outro. A masculinidade e a feminilidade ela tem o seu lugar.

O sonho de Riso é esse

Ser mulher-artesã você tem que ter peito, quando as pessoas perguntam: “Riso, mas tu não é formada?” Sou, mas eu sou primeiro artesã. Foi a primeira coisa que eu aprendi, infelizmente ainda não é uma profissão regulamentada, não é? Ainda é muito marginalizada. Você produz porque é artesão, mesmo que não seja sua renda principal você sente a necessidade de produzir.

Esse ano mesmo, eu não conseguir começar a fazer meu tapete, mas eu tô agoniada, porque assim… quando você tem amor pelo que você faz você acaba ficando assim… já faz mais  de seis meses que eu não produzi nada, então assim, tá faltando alguma coisa. É um pedacinho de você que tá ali e que assim eu olho pra minha agulha, eu olho pras minhas lãs, que já tem um monte de lã lá que eu já tô guardando e já estou pensando que cores eu vou usar, e , eu olho e digo: “cadê aquela minha parte que tá ali guardada e precisa voltar. Porque é um pedaço de mim.

Ser mulher-artesã é amar o que você faz, é você ter coragem de dizer que é artesã. Principalmente as mulheres, fazem pra sobreviver. Você vê as federações dos artesãos, você vê que 80% são mulheres, então as mulheres que levam à frente, não só a produção artesanal, mas a luta pelo artesanato. Ser mulher artesã é abdicar de muita coisa. Abdicar do tempo com a família, abdicar de fazer outras atividades porque toma muito seu tempo. Renúncia também. Só a renuncia se tiver amor, paixão, é algo que corre no sangue da gente e não consegue sair. é parte da gente, é intrínseco, é de dentro pra fora.

Meu sonho é que a nossa legislação ela mude e a gente possa ser reconhecido como profissional tão bom quanto outras profissões. Como um profissional do saber fazer, porque o artesanato ele perpassa a mão-de-obra. Ele é uma coisa da cabeça, mãos, pernas, e principalmente coração. E não quando você tá produzindo, tem uma gota de suor sua ali, tem um furãozinho da agulha dali do seu dedo, tem uma dor na coluna ali também, e tem muita emoção quando você tá ali pensando quais as cores que eu vou colocar pra que as pessoas gostem desse tapete e se não der certo aquela cor que você colocou você ter a delicadeza e a humildade de voltar e dizer: “não, isso não tá bom, eu vou cortar, eu vou desmanchar, eu vou de novo”. Que o artesão fique firme na luta, por essa categoria milenar e principalmente, localmente, que as tapeceiras de Lagoa do Carro elas continuem crescendo. Continuem tendo certeza que a tapeçaria ela não só leve o nome de Lagoa do Carro, ela leva a vida de cada uma delas. Meu sonho é que os jovens, as pessoas de Lagoa do Carro enxerguem a tapeçaria como algo que mudou  a vida das pessoas de verdade.

Lagoa do Carro tem uma beleza incomensurável, não só por suas peças, mas pelas pessoas que as produzem. Porque as peças não existem sem o artesão e as peças elas são importantes, mas os artesãos é quem são os imprescindíveis, sem eles não há artesanato. Sonho que haja políticas públicas voltadas para os artesãos e não só para o artesanato.

Meu sonho é ter alguns filhos, e ter uma creche ou um asilo pra cuidar. É o meu sonho é esse, de poder cuidar de outras pessoas também, de crianças que tão ali órfãs, abandonadas, e de idosos também que infelizmente as famílias abandonam, acham que eles são uma roupa velha que se troca ou se deixa num canto, e, eu sou apaixonada pelos velhinhos também. O sonho de Riso é esse.