Teresinha Lira, 67 anos

Teresinha Lira

Teresinha Lira levou a tapeçaria à Lagoa do Carro. Trabalhava na época para a Fábrica de Tapetes Casa Caiada e ensinou muitas mulheres a fazer tapetes. Fez história e cidade. Hoje em dia trabalha com vendas e não faz mais tapete. Conversou conosco em sua casa, no município de Carpina.

Por Luíza Maretto

O nome dessa mulher já vinha da história de Lagoa do Carro e da tapeçaria pernambucana. Mesmo assim, não sabíamos o que esperar. Conversamos com um e com outro, chegamos ao seu irmão, que nos passou o telefone de sua irmã: “tt”, estava anotado. Ligamos e marcamos, assim, simples de fazer, desmanchando o que parecia ser de grande dificuldade!

E num sábado, em nossa volta à Lagoa do Carro, paramos em Carpina, encontramos a casa e a dona da casa. Teresinha Lira. Conversamos sobre flores, catamos romã no pé e comemos, escutando, aprendendo, cada semente de uma vez. Ela prefere, no entanto, nos receber com mais calma na segunda a noite.

Sem medida para o que está por vir e, como aqueles presentes que ganhamos de surpresa, a grandeza da vida de mais essa mulher se apresenta: “Força na língua, força nas pernas”, ela mesma diz. A professora Teresinha Lira abre sorridente e falante as portas da sua casa e, rapidamente, vai cuidar da sopa do jantar. Sentamos na mesa do terraço, e as histórias e os silêncios nos levam para dentro, perto de seu quintal-jardim. Enfim diante da personagem que inicia a história que iríamos percorrer mais e mais. Professora da tapeçaria e da fome de viver, nos oferece goiabada pra comer.

Teresinha mostra fotografias antigas – as mulheres fazendo tapetes juntas há anos atrás-, mostra moldes de tapetes já feitos, bordados, toalhas…a história de uma vai se confundindo com a história de muitas da tapeçaria. História de tapetes, história de mulher, história de cidade. História de Vida: nasce, morre, renasce, cuida, protege, transforma. Silenciamos pra escutar sobre o que sentimos e mal sabemos o que dizer. Silêncio e respeito de não saber, de ter a oportunidade de aprender com essa mulher, com as mulheres.

No final da noite, fotografias no terraço e sorrisos, mais alimento: saímos da casa de Teresinha com promessas de sopa para quando voltarmos!

Narrativa

Não tinha tempo de brincar de boneca

Eu nasci em Limoeiro. Sou filha natural de Limoeiro. Porém, registrada em São Lourenço, porque, na época, Camaragibe pertencia a São Lourenço.Fui morar lá (Camaragibe) com três anos de idade.

Minha infância não foi muito boa, não, porque meus pais eram muito pobres. Minha infância era cuidando dos meus irmãos. Não tinha tempo de brincar de boneca.

Minha irmã era costureira e bordadeira. Aí eu ajudava minha irmã a bordar e a costurar. Desde os sete anos de idade. Quando eu aprendi fazer ponto cruz, fazia todos os pontos. Todos os pontos, sei fazer. Ainda sei. Aprendi com a minha mãe.

Minha mãe costurava pra fora, bordava pra fora, muito. Minha mãe bordava na máquina. A gente bordava na máquina. Todo ponto a gente fazia. De crivo a ponto de cruz a gente fazia na máquina. E minha mãe aprendeu sem ninguém ensinar, só vendo outra pessoa fazer. Minha mãe era analfabeta, não sabia assinar o nome. Meu pai sabia. Minha mãe, não.

Ela fazia, e eu também fazia a mesma coisa. “Aí, minha filha, você faz assim. E você faz melhor do que eu”.

Quando eu me casei, aí eu fui viver por conta própria, né? Aí deixei de ser pobre, foi. Aí meu marido era bem de vida. Aí me deu um conto de réis e eu fui negociar, vender roupas e costurar. Eu mesmo costurava e vendia pronta, e vendia tecido, essas coisas.

Tava começando Sociedade Tapetes Casa Caiada

Quando eu tive meu terceiro filho, foi quando minha mãe inventou de fazer tapete, e aí meu filho mais velho tava com três anos. Eu fiz a trança do tapete sentindo dores pra ir pra maternidade. Aí daí pra frente a minha mãe continuou com o tal do tapete, e no segundo tapete ela não sabia fazer e errava todo dia. Eu digo: “tenho que ajudar ela”.

Aí Isabel que tomava conta da Casa Caiada (fábrica de tapete). Aí quando eu cheguei eu digo “me explique, que eu vou fazer com a minha mãe”. Aí: “por que você não pega um tapete pra você?”. “Eu tenho tempo não, meu caso é outra coisa”, que eu costurava, vendia, eu negociava. Mas eu tava de bebê novo. De noite ajudei minha mãe a desmanchar um tapete grande: cinco metros, dois por dois e meio, né? metros quadrado. Aí cheguei em casa ajudei, terminei de fazer o tapete.

Era pouco tapete, tá entendendo? Esperava, porque tava começando Sociedade Tapetes Casa Caiada, que não tinha nem nome ainda. Aí a gente, aí acertou. Aí, quando minha mãe chegou com o tapete pronto, aí Adalgisa era a mãe de Isabel. Aí ela disse: “traga sua filha pra pegar tapete com a gente”. Aí minha disse: “ela não quer não. Ela não tem tempo não, porque ela tem três bebê novinho”. Aí mãe disse: “minha filha, olhe, o pessoal tá ganhando tanto dinheiro lá”. Meu menino já tava com quatro meses. Aí eu disse: “apois, diga que eu vou de noite. É quanto o novelo?”. Por exemplo, o novelo era dez tons. Eles tavam pagando quatro reais, de noite. Eu digo: “vou”. “E ela só quer gente que trabalhe ligeiro, que faça dois, três novelos por noite”. Eu digo: “três eu não faço, não, mas dois eu faço porque eu vou sair daqui de casa de sete horas, depois que eu botar meus bebê pra dormir, né?”. Aí eu fui. Aí não me soltaram nunca mais. Só quando eu quis sair mesmo. Aí pronto.

Porque, quando Maria, digo, Edite, viu aquela confusão lá na rua Alagoana. Era uma casa pequena, quando a gente saiu lá da cidade da cocheira. Aí alugou a casa, noventa e quatro, o número. Me lembro até hoje. Nunca esqueci. Atrás da igreja da Iputinga. Não cabia aquela danação de gente, sabe? Aí ela foi falou com Zé Carlos, que era o dono da fábrica de Camaragibe de tecidos, que era amigo deles lá, parentes deles lá, do pessoal lá. Aí cedeu aquela… aonde é hoje a gente chama a fábrica de tapetes, porque fica no centro mesmo da Camaragibe Fábricas, né? E era a loja de vender tecidos e, tipo assim, barracão. Tecido e comida, essas coisa. Aí quando a fábrica faliu, né? Aí ficou funcionando só a parte, acabou esse negócio de barracão de vender tecido aos funcionário, de tudo. Aí ficou lá fechado, e eles cederam pra nós pra dona Maria, digo, dona Edite. Aí o pessoal que era de Camaragibe não ia pra Iputinga, sabe? Só que o povo não queria me soltar da Iputinga. Quando eu chegava em Camaragibe, ela botou duas mulher pra tomar conta, porque eu mesmo não tinha condições de ficar na casa de ninguém porque eu tinha que tomar conta dos meus bebê. Aí elas: “olhe , Teresinha, você vai ficar lá em Camaragibe, porque você tem muita gente que trabalha com você. Aí você fica lá”. Aí eu digo: “mas não tem condições, porque o povo lá trabalha com tapete pequeno. Os meus tapete são grande e quando chega lá eles não sabem nem corrigir. Eu tenho que vim pra cá mesmo. Aí Isabel disse: “deixe Teresa com a gente. Teresa não traz pessoa bordadeira pra cá. Ela fica aqui mesmo”.

Eu vou ensinar o pessoal a encher tapete

Quando eu peguei o primeiro tapete por minha conta, como quer se dizer assim, aí eu já cheguei em casa, comecei a desenhar. Aí eu disse: “pra encher isso tudinho? Eu vou encher isso sozinha?”. Eu disse: “Não, eu vou ensinar o pessoal a encher tapete”. Aí cheguei… eu num já tinha aprendido a ganhar por novelo? Né, fazer uma peça e ganhar aquele dinheiro? Eu digo: “eu vou passar isso tudinho, porque oito dias que eu passei lá eu ganhei um dinheiro de um salário mínimo fazendo tapete. “Vou ensinar as menina também. Eu ganho e elas ganha”. Aí isso tinha umas oito. A minha sala grande, assim, sentaram logo um móvel meio quebrado, uns vidro, que era uns (…) meio grande”.

De entrada, passei muito mal, minha filha, porque esse primeiro tapete eu já tava grávida desse menino meu, que é o caçula. Aí botei as mulher pra encher. E as mulher sem saber direito ainda. Fazia de manhã, desmanchava de noite. Fazia de noite, desmanchava de dia. Mas ensinei. Ensinei tudo a fazer.

Aí fui terminar de fazer esse tapete na Vila da Fábrica. Eu digo (ao marido): “olhe, você vai procurar gente por aí que eu não conheço ninguém aqui nessa vila, que eu morei minha vida toda na Tabatinga”. Eu disse ao meu marido: “naquela casa eu não piso mais”. Fiquei na casa da minha mãe. Aí meu marido fez a mudança sozinho pra casa na Vila da Fábrica. Aí ele saiu: “olhe, vá lá pra minha casa, que minha mulher ensina vocês a fazer tapete pra vocês ganhar dinheiro”. Eu sei que encheu assim de mulher na Vila da Fábrica.

Aí foi quando botaram essa tapeçaria lá no Camaragibe, né? Aí fui ensinando, ensinando. Aí eu tive esse menino mais novo quase que em cima do tapete também. Haja tapete. Era tapete. Eu não entreguei esse tapete, a mulher enlouqueceu, porque dentro de dois mês eu fiz esse tapete. As mulher passava seis meses pra fazer um tapete de doze metros, que era tudo muito no início, né? “Essa mulher é uma máquina”.

Aí, quando eu cheguei, dona Maria Digna mandou me chamar. Aí disse “olhe, eu tenho um tapete aqui pra você de doze metro e outro de oito. Você tem como fazer?”. Eu disse: “tenho. Tem prazo?”. Ela disse: “tem. Um é quatro meses e outro é dois meses”. Eu disse: “tá certo. Cheguei em casa lotada. Aí as mulher ficaram doida. Era a noite inteira que eu trabalhava, mulher. E eu disse: “eu ganho minha independência. Ganho minha independência”.

Eu não tinha uma independência pra cuidar dos meus três filho

Meu caso era deixar meu marido, porque ele era péssimo pra mim. Ele arengava de manhã à noite. E eu não tinha uma independência pra cuidar dos meus três filho. Eu tinha que ter uma coisa que eu soubesse que eu ganhava pelo menos um salário mínimo por semana. Porque um salário mínimo por mês não dava. Eu não tinha que pagar uma pessoa pra cuidar dos meus filhos? E eu não podia dar dez cinco mirréis, que ninguém ia cuidar direito, né? Eu sabia que eu tinha que pagar um salário pra cuidar dos meus filho. E “eu consigo, eu consigo”. Quê? Quando meu filho, Alexandre, tava com oito meses de nascido… sete? Oito meses, eu disse: “é agora, Deus. No dia que este homem não, não arengar comigo eu deixo ele”.

Eu fazia tapete. A gente vai bordando e o pelinho vai correndo. Eu fazia tapete do lado de fora. Não fazia dentro de casa. Porque um pelo daquele entrasse dentro de casa, mas as menina vinha, né? usava o banheiro, só tinha um banheiro em casa. Soltava pelo dentro de casa. Mas, nossa… era uma briga, mulher. Tudo era motivo de briga. Eu não aguentava.

E eu não sei arengar. Deixo esse homem. Eu digo: “quando eu conseguir ganhar um salário por semana, que ele não arengar comigo”, ainda tem mais essa, “eu deixo ele”. Dia trinta de agosto de mil novecentos e setenta e quatro eu disse: “tchau pra tu”.

Aí foi muita confusão, e agente foi morar na granja (em Penedo- São Lourenço) por conta disso. Ai na granja eu ensinei essas vinte mulher, tudo crente lá. Aí tinha essa que era de Lagoa do Carro.

Todos os dias esse homem dava parte de mim ao delegado, que era esse marido que eu casei. Ele arrumou ele pra mim. Aí o homem se apaixonou por mim. Quando foi um dia, eu tava muito… mas era todos os dias. Meu marido dava parte ao delegado. Corta. Que queria o delegado dar consente pra eu voltar pra casa.

O delegado se apaixonou

Isso durante oito meses, minha filha. Aí quando foi um dia, eu liguei pro meu tio. Eu disse: “ô, tio Tibúrcio”. Aí ele disse: “o que foi?”. Eu disse: “olhe, se daqui a uma hora eu não ligar pra você, vá lá na delegacia que eu vou tá presa”. “Por quê?”. Eu disse: “vou dar um bali naquele delegado cabra safado, porque eu tenho que trabalhar pra dar de comer a meus filho, aquele fela da mãe todos os dia dá parte de mim e ele manda uma intimação pra mim”. Disse: “é não, Teresa, ele tá bem olhando pra tu”.

Aí fui deixei, eu cheguei lá, aí o delegado chegou assim e disse: “pode entrar dona Teresinha e seu Pedro”. Aí eu já tava de cara lisa de tanto entrar lá. Aí lá vem ele, disse: “olhe, dona Teresinha, mais uma vez eu mandei lhe chamar aqui pra sra. voltar pra casa pra tomar conta, que seu marido disse…”. “Meu marido, não: ex”. Aí ele disse: “não, pode falar. Ele já tá com febre, só pede a sra. e a sra. não desfaça seu casamento desse jeito. Seu marido gosta muito da sra.”. Aí eu olhei assim, e não dei resposta, não. Eu disse: “olhe, eu vou lhe dizer uma coisa, já faz oito meses que esse homem dá parte de mim e o sr. escutando aresia deste homem. Ele tem que me deixar trabalhar e o sr. também”.

Eu não deixei pra arrumar homem, não. Eu deixei ele pra viver em paz, cuidar dos meus filho, trabalhar sozinha. Eu trabalho de dia e de noite. De dia eu tomo conta dos tapete da rua e de noite eu faço tapete em casa pra arrumar a feira do meus filho e pagar uma pessoa pra tomar conta do meus menino, que ele não dá uma lata de leite pra essa criatura, pros três.

Ele (o delegado) foi pedir a meu pai e a minha mãe pra morar comigo. Foi. Esse delegado foi. Que eu não podia casar, que não tinha divórcio aqui ainda, né? Mas a primeira pessoa que divorciou-se dentro de Limoeiro fui eu. Pra casar com o outro.

Eu vim morar em Lagoa do Carro, meu amor

Quando eu me juntei com ele, a primeira casa foi em Lagoa do Carro. A gente ficou namorando. Foi, aí montou casa em Lagoa do Carro, e vim morar aqui, entendeu? Aí já tinha ensinado ao pessoal, um bocado de gente, a fazer tapete, que eu aluguei aquela casa lá, né? Eu fiquei na casa de Chocho. Quem me deu apoio muito foi dona Madalena, mulher de Chocho. E buscar os pessoal, que ela via a pobreza era muito grande em Lagoa do Carro.

Aí meu marido chegava, assim, disse: “rapaz, parece um bocado de esmoléu, essas menina”. Suja, sem tomar banho, piolho descendo, assim. Era… Hoje, graças a Deus, eu olho assim: tudo rica, sabe? Maravilha, meu Deus.

Não foi por conta disso aí, Lagoa do Carro? Porque eu, eu podia ter ido pra Tracunhaém, Feira Nova, né? E ficar e me radicar, que eu ensinei todos esses lugar. Só que em Lagoa do Carro eu, praticamente, morava lá. Aí então todo mundo tinha um incentivo de mim. Tinha: dando material, ensinando, incessadamente. De dia e de noite, a fazer a tapete, a corrigir, a fazer tudo que eu fazia, eu passava pra elas. Desenhar os tapete, que quem desenha ganha mais. Se fizer tudo, ganha tudo. Aquelas coisa.

Ensinei a elas fazer, assim, a mesma coisa que eu passei pra elas, eu ensinava elas passar pras outras, pra elas ganharem mais. Então eu falava assim: “olhe, esse tapete se você fizer sozinha você só vai ganhar isso aqui. Agora, você desenha um tapete e a maior parte é sua. Quem preenche ganha menos. Então você desenha esse tapete, já dá pra suas duas vizinha encher. Nessas altura, você já tá desenhando outro tapete. Então, você já vai ganhar mais”. Tá entendendo? E elas… fui ensinando do jeito que eu… eu quis trabalhar e ensinei pra elas. Aí foi aí que formou “a cidade do tapete”.

Eu tava em Casa Caiada, lá em Camaragibe, que o nome é Sociedade do Tapete Casa Caiada. Eu digo “Casa Caiada”, parece que é Olinda, mas não é, não, sabe? Aí ele chegou aqui, tinha um janelão, era um modelo de casa, assim, feita assim.

Lagoa do Carro era muita gente pobre

A mulher (Dona Berenice) disse que lá em Lagoa do Carro era muita gente pobre, muita menina na calçada. Aí eu disse: “me leva lá, que eu tô precisando de muita gente pra fazer tapete”, que a mulher (da fábrica) queria que fizesse dez, doze tapete num mês só, e eu não tinha condições. Lá (no sítio em São Lourenço) eu tinha vinte moça que fazia tapete pra mim, mas a maioria… vinte crente, e as crente sai na quadra pra oração, sai no sábado não sei pra onde e… olhe, é um frevo. Crente anda demais, sabe? Aí eu precisava do trabalho delas, mas não tinham suficiente. Tinha que ter gente mesmo pra trabalhar, e eu precisava ter dinheiro também, entendeu?

Dona… esqueci o nome dela, meu Deus. Dona Berenice. É um nome assim. Berenice. Era, de Lagoa do Carro, ela. Conheci através, que ela aprendeu a fazer tapete comigo. Ela ganhava dinheirinho, mas ela tava no Mato Grosso, e ela tava passando muita necessidade. Aí eu ensinei ela a fazer tapete lá, enchia tapete, ela e a filhinha dela com nove anos. Aí ela: “mas se isso fosse em Lagoa do Carro…”. Eu já tava na granja (São Lourenço), foi. Eu já tava na granja. E só tinha crente. A única que não era crente era ela.

Aí ela foi e falou: “mas, Teresinha, tu devia ir pra Lagoa do Carro, mulher. Tu tem uma paciência pra ensinar, que eu nunca aprendi nada na minha vida, aprendi a fazer tapete. Eu me sinto uma mulher rica. Olhe, Lagoa do Carro é tanta mulher que não sabe fazer nada. Não chega nada naquela terra que fique. Dá uma pena, mulher”. Chocho (de Lagoa do Carro) me acolheu. “Dona Madalena é pessoa ótima. Todo mundo lá é bom demais”. Aí eu disse: “me leve lá. Qual o dia?”, eu digo: “Vou dizer qual é o dia”. E ela me trouxe, veio comigo. Aí vim com ela. Ela me apresentou a dona Madalena. Na mesma hora, dona Madalena saiu por ali nas vizinha, veio umas trinta mulheres. Nossa senhora, meu Deus. Que é que eu faço? Aí ela disse: “você vai vim mesmo, Teresa?”. Eu disse: “venho. De hoje a oito eu venho. Vou trazer tela, vou trazer lã e vou trazer agulha pra ensinar às pessoas”.

Quando eu cheguei, tinha mais de sessenta mulher

Quando eu cheguei, tinha mais de sessenta mulher. Foi um caderno que ela comprou, um caderno de cem página pra botar o nome das mulher. Tinha duzentas e vinte mulher. Eu disse: “misericórdia, não posso ensinar esse pessoal todo, não. Eu quero, assim, as que já tem, assim, noção do ponto de cruz”. Mas é pior, porque elas só queria fazer o ponto de cruz, e o ponto da gente é ponto lira, porque ele só cruza em cima. Embaixo, não. Aí comecei a ensinar. Aí veio Maria José, e veio Cinha. As duas mais velha, que sabia o ponto cruz, né? Elas pegaram logo, sabe? Ensina pra lá: “olhe, não cruze em cima, embaixo, só em cima”. Tinha uma menina Soledade. Duas já morreu: Fátima, Eltavira e Soledade. Morreu Cristina e Maria José.

Aí eu ia toda semana, toda semana. Passava final de semana lá. Sábado e domingo. Na segunda de tarde era que eu voltava pra Camaragibe. Aí depois Chocho disse assim: “eu tenho uma casa desocupada ali. Tu num queres alugar não, dona Teresinha?”. Eu disse: “rapaz, se não for muito caro”. Ele me cobrou um salário mínimo. Mas eu não tinha noção que em Recife casa era caro mesmo, né? Eu nunca tinha pago aluguel. Foi a primeira vez. Aí eu aluguei. Falei: “pronto”. Aí eu já tava namorando com meu marido. “Mas morar em Lagoa do Carro?”. Eu disse: “eu vou ter que ir pra lá, que eu tô pagando aluguel lá, e eu vou pagar em outro lugar?” Eu paguei aluguel… maio aluguei a casa. Maio, junho, julho, agosto, em setembro foi que eu me mudei.

Chegava a casa tava lotada, pra aprender. E haja tela e haja linha e meu marido me ajudou muito, sabe? Aí ele vinha trazia aquela caixa de agulha e eu dava tudinho. E pedaço de tela também. “Maria digna me ajude, pelo amor de Deus”, que no começo ela brigou. Aí dona Edite me dava. Dona Edite era a sócia. Aí me dava aqueles pedaço de tela. A sobra, né?, dos corte. E, assim, aqueles pedaço de lã, que sobra, né?, assim, cores variadas, que não vai ter mais, aquelas cor, ela me dava. Aí eu chegava com dois, três quilo de lã, e começava a ensinar.

Digo: “vá ensinar a menina ali”. Eu disse: ”se não ensinar, não brinca”

É, pegava na mão, eu digo: “Olhe, aqui, assim, olhe, pra cima e pra baixo. Olhe pra baixo, se tá certo”, e ela olhava. “Se tiver atravessado, não tá”, e na maior paciência do mundo. E aquela que já sabia, por exemplo, “tu sabia mais ou menos, vai ensinar a ela agora”, que levou pra ela que começou agora”, tá entendendo? Era assim. Aí depois eu vim morar… minha, quando eu vim morar, uma vez eu trouxe minha mãe e meus três irmãos e meus filho. Aí meu filhinho mais novo tinha dois anos e pouco. O mais velho já ensinava. Digo: “vá ensinar a menina ali”. Eu disse: ”se não ensinar, não brinca”. Aí Roberto ensinava. Meu irmão mais velho, que já morreu, também ensinava. Era três irmão ensinando. Cada um ensinava: “você vai ensinar essas duas, essas duas, essas duas”, e as menina gostaram, visse? Aprendia. Não aprendia, o quê? Meus menino tudinho fazia tapete, meus irmão tudo fazia tapete. Roberto faz um tapete triste!

No dia que eu me mudei, levei minha mãe e meus irmão. Levei tudinho. Ficou tudinho lá. Passaram um mês e pouco lá em casa, e depois voltaram pra Camaragibe, que meu pai não se adaptava muito. Aí carregou os filho todinho pra lá, foi pra lá. Aí minha mãe continuou fazendo tapete lá, né? com tudinho, meus filho, meus irmão, minhas irmãs. Todo mundo fazia tapete lá em casa. Todo mundo! Não ficou um bichinho de cabelo que não fizesse. Meu pai fazia um tapete triste! Só fazia encher. Desenhar, não. Ele era aposentado já, né? Tinha se aposentado. Fazia um tapete triste! Agora, arrochava. Mãe dizia: “não é pra arrochar, não”. “Moléstia dos cachorro”.

Foi aí meu desencanto

Eu comprei essa casa (Carpina) com dinheiro de tapete. Não comprei mais porque não quis. Minha família não comprou casa com tapete. Minha família sustentava assim, né? Mas casa não compraram com tapete, não. Agora, eu comprei esta casa com dinheiro de tapete, que eu não trabalhava em outra coisa. E ninguém me deu nada. Ninguém. Ninguém me deu nada. Só tirou. Entendeu? E as outras casa que eu comprei, eu tive que vender pra pagar roubo das bordadeira. E foi aí meu desencanto, entendeu? Foi aí meu desencanto. Que quem gosta de bordar sou eu. Eu gosto de criar, eu gosto de fazer as coisa. Eu gosto.

Só morei um ano certinho lá (em Lagoa do Carro). Morando mesmo. E mudei pra lá no dia dezoito de setembro de mil novecentos e setenta e cinco, e no dia dezoito de setenta e seis, setembro de setenta e seis, ele me carregou pra cá.

Eu ia embora pra Lagoa do Carro na segunda de manhã. No domingo eu ia emendar tela, e corrigir tapete. Eu só não ia pra Lagoa do Carro… eu não sei qual era o dia que eu não ia. Era no dia, na terça feira de manhã eu ia buscar tapete lá. Passava direto pra Recife. Tá entendendo. Na quarta eu já ia levar de novo pra elas, que eu levava pra loja corrigir, pra ver se tava bom o colorido, tava certo, e depois… aí depois, quando fui ficando mais madura, mais sabida das coisa… “faça uns desenho aí, que tá faltando desenho. Olhe, tome essas revista, vá fazer desenho”. Aí então a gente pegava um, pegava um pedaço de revista, assim, gente pra criar desenho. Aí: “pronto, Teresa, esse tá bonito! Aí eu vou fazer um tapete. Bota o nome aí dele!”. Aí, tu tá entendendo como é que a gente criava tapete? “Serra Negra”, é… “Floresta Encantada”, “Flor de Lis”. É muito apego que a gente tem. A gente… muita coisa, muita coisa bonita mesmo.

A gente criava

A gente criava. Aí ela ia riscando, e a gente ia fazendo. Outra coisa, a gente riscava. Ela dava um pedacinho de revista, assim. A gente já ia fazendo, sabe? Agora, os meus mesmo, tanto nome que eu nem me lembro mais. Os meus mesmo, tanto nome.

Rapaz, eu gostava de bordar muito sabe o que é? Desenho geométrico era rápido. Desenho geométrico, rápido demais. Agora, tem que ter ponto, né? Tem que ter ponto, sabe? Ponto bem feito, né? Assim, ponto tudo numa altura só. Porque, quem trabalha o ponto arrochado, não pode fazer um tapete geométrico: aparece muito, né? E o tapete bem desenhado, bem colorido, ele disfarça. Agora, vá fazer um tapete branco. Um tapete desenho geométrico, assim, quadrados grandes, assim, pra você ver… Nossa! Tem que ser ponto bem feito mesmo. Só quem sabe bordar mesmo. Muita prática.

E as daqui de Carpina ensinei muita mulher aqui

Aqui, ensinei muito. Muito mesmo. Eu ensinei umas cinquenta mulher. Tinha muita gente que fazia tapete meu por aqui também.

Eu mesmo bordava meu tapete. Meus tapete, mesmo, eu bordava, sim. Dava dois tapete a você. Aquele tapete que era bem comprido, complicado, muito contorno, vinte e cinco cores de lãs, as bordadeiras não queriam fazer. Então, eu que tinha que desenhar. Só botava pra elas encher.

Eu bordava pra ela (pra Casa Caiada), e me pagava pelo meu trabalho autônomo. Nunca pagou um dia de INSS, não. Nunca! Tá entendendo? Não, tinha salário, não. Meu salário tanto fazia eu ganhar dois salários numa semana como na outra, não ganhar nenhum. Tá entendendo? Porque é a produção, né? Produção. O metro do tapete… eu entregava cem metro de tapete, então eu ia ganhar um dinheiro daquele cem metros de tapete. Só que eu ia pagar as bordadeira, que eu não bordava sozinha, né? Pronto. Vinte metros era meu: fiz sozinha. Então o dinheiro é meu. Aí eu tinha mais a comissão daqueles tapete que eu entregava a você. Por exemplo, dez metros de tapete eu ganhava cinquenta centavo de cada metro. Dez metros dava o quê? Cinco real, né? Ganhava os seus cinco, os seus cinco, o dela. Tá entendendo? Aí juntava. Quer dizer, eu gastava passagem do meu bolso, que ela não pagava. Eu pagava bagagem, que ninguém dava um centavo. Tudo por minha conta. Entendeu? Mas eu ganhava bem, não fosse o roubo… Quando começaram a fazer tapete, encontrar venda, que o povo procurava tapete. Faziam tapete desordenadamente com a minha lã. Com a minha lã. Era eu entregando a lã pra elas fazerem os tapete de Casa Caiada, na mesma hora ela vendia a Zé, vendia a Gilvan, vendia a Zé do Tapete. Aí começou o desmantelo. Começou o desmantelo, aí eu disse: “pronto, agora é hora de eu parar. Eu vou enlouquecer. Vou terminar vendendo a casa…”. Eu vendi as duas casa lá, pra sobreviver. Chegou o tempo de eu vender… eu sempre dois carrinho aqui. Eu não gosto de dirigir, não, por isso eu não tenho carro. Detesto. Vou tá pagando motorista pra quê? Aí vendi o carro pra comprar de lã, pra comprar de lã. Pra botar no lugar do que foi desviado. É brinquedo, isso, é? Eu ia terminar o quê? De esmola, néra? Eu digo: “eu paro ou então eu vou terminar na rua”. Trabalhei vinte ano na minha vida e acabar com tudo por causa de roubo dos outro? Mas só quem me roubou é mais pobre do que eu, que dinheiro de roubo não enrica ninguém, não.

Por último, eu abri firma

Por último, eu abri firma, fabriquei pra mim mesmo, o tempo todinho, entendeu? “ Teresinha Lira”. Aí essa menina, essa, esta danada a Suzana é de Maceió, ela. Me encontrou enlouqueceu. Ela brigava aqui por tapete. Levava tapete pra Recife, pra ela ganhar o dinheiro dela. Só que ela não me pagava tapete. Então ela queria levar de trinta, quarenta, cinquenta metro, deixar lá à disposição dela. Depois não vendia e ela trazia pra cá. Eu digo: “eu não tenho condições de tratar com a sra. A sra. ou deixa o cheque ou deixa o dinheiro, porque aqui, essa daqui, me paga no dinheiro. Quando ela não paga no dia, no outro dia ela deposita no Bradesco ou no Banco do Brasil. Eu não posso… eu tenho que comprar lã, tenho que comprar tela e pagar às bordadeiras, entendeu?”. Aí ela ficou enjoada comigo.

Gente que telefonava, que eu nunca vi. Gente que chegava aqui com pedaço de jornal, assim: “eu quero um tapete com essa barra. A sra. faz pra mim?”. “Faço. Agora, eu vou fazer, depois o sr. vem olhar pra ver se o sr. gosta”. “Eu quero nessas cores e quero com essa barra. Eu quero todo liso”. Sabe? Era bom demais pra fazer. Agora, pense num ponto. Aí eu tinha que fazer. Eu mesma quem fazia. Que a bordadeira ia fazer? Ia saber?

Aqui era a garagem, né? Que eu botava meus carro aí. E quando não tava os carro, tinha bordadeira sentada aí bordando, e lá atrás. Principalmente lá atrás, né? Mas a minha casa limpa do mesmo jeito, assim. Quem chegasse tinha que deixar o chinelo aqui, pra não sujar, senão a menina matava, botava o chinelo de todo mundo. E ai de quem entrasse com chinelo!

Meus filho tudo rapazinho, nunca me deram trabalho, meus filho, de jeito nenhum. Meus filho dava trabalho não. Ajudava. Meus filho era meu motorista, meu menino caçula. Quem não tem paciência não se salva.

Com (o delegado) ele eu tive dois, mas morreram, graças a Deus… É que quem morre tá melhor do que nós, né?

Rapaz, eu não deixava meu marido gastar nada. Sabe por quê? Eu tinha meus filho do primeiro marido e eu nunca quis que ele chegasse, assim, xingar um pedaço de queijo, um pão que meus filho comesse. Então eu arcava com tudo.

Eu fiz uma cidade e ela não me fez

Nunca tive. Nunca. Por parte nem das pessoas que a gente fornecia e por parte de ninguém, de ninguém. Eu, pelo menos, pra o meu lado não teve reconhecimento nenhum.

Assim, ajuda de ninguém, não é? Ajuda de nada. A única coisa que o tapete…eu me sinto assim, é… grande, por dentro, porque eu fiz duma cidade, dei nome a ela, que ela não tinha, não é? Ela era uma vila que pertencia a Carpina. O deputado Carlos Lapa mesmo já tinha botado três vezes, como é que se diz? para ser cidade, não município de Carpina, e não tinha sido aprovado, porque ela não tinha renda per capita nenhuma. Ela não tinha nenhuma fábrica, nenhuma cerâmica, ela não tinha nada que dissesse assim: “aqui tem uma coisa que renda pra esse município passar a cidade”, tá entendendo? Só veio isso em mil novecentos e noventa e cinco, no dia um de outubro, que ela foi emancipada, por conta do tapete. Por isso ficou “a cidade do tapete”. E quem fez isso? Foi Teresa Lira. Não é isso? Aí eu me sinto, assim, confortável. Pra mim foi muito bom, sabe? Aí quando eu tô muito revoltada, eu falo assim: “eu fiz uma cidade e ela não me fez”, que isso aí eu sei que eu fiz.

É, pronto, pra mim foi isso aí, foi bom. Mas eu mesmo me reconheço, que ninguém mais faz isso não. Se alguém falou, não sei. Às vezes eu encontro uma meia-dúzia assim. Eu sou muito de feira, sabe? Aí: “Teresa, volta pra dar tapete pra gente”, eu digo: “como? Como? Quem vai comprar o tapete?”. Porque precisa alguém comprar o tapete, né? A pessoa vai fazer o tapete pra ficar exposto lá? A lã é cara, matéria-prima é cara, mão-de-obra é caro, tudo é caro. Rapaz, eu dizer que eu não tenho vontade eu tô mentindo. Eu tenho. Mas como? Não tem condições.

Que eu parei com tapete? Exatamente quinze anos. Eu quase entrei em depressão

Que eu parei com tapete? Exatamente quinze anos.

Eu tava morando no prédio ali na frente, aí eu disse pro meu marido: “eu vou deixar”, porque eu fiquei fazendo tapete da minha mãe, minha mãe pegava, eu digo: “ fiquei com saudade”. Entreguei Casa Caiada, entreguei “Teresa”, entreguei Isabel, entreguei todo mundo, sabe? Cabei. Mas eu fiquei morta. Eu quase entrei em depressão. Quase que eu fico doida, que depressão pra mim é doidice mesmo. Aí eu disse: “mãe, tem tapete lá pra encher?”. Ela disse: “Mas, minha filha, tem”. Aí depois ainda fiz um tapete de quarenta e seis metros, que foi o último tapete que eu fiz aqui. Desenhei sozinha. Aí depois, pra encher, aí mãe disse assim: “Olhe, minha filha”. Aí faltou lã, aquelas coisas. A cor da lã, né? pra terminar, tal. Aí eu disse: “mãe, como é que eu vou terminar esse tapete?”. Aí eu mando pedir as menina de Lagoa do Carro, e elas vieram. Pra vir praqui pra casa, dez, pra ajudar eu a encher pra terminar, que eu tava enchendo tudo sozinha, fazendo sozinha. Aí veio minha irmã, veio minha mãe, veio todo mundo. Tapete era o nome da minha mãe. Aí as menina, o pessoal de Lagoa do Carro, aí disse: “eu vou pegar esse tapete pra Teresinha”. “E por que Teresinha não vem pegar com ela aqui? Dona Maria Digna gosta muito dela”. “Porque ela não quer. É pra ela fazer em casa, só. Ah, Teresa faz mesmo”. Aí minha mãe ficou com um de vinte metros, era uma encomenda de uma pessoa só. É pra exportação, esse tapete. Minha mãe ficou com o menor e trouxe o grande pra mim.

Aí foi o último tapete que eu fiz. Não quis mais. Aí depois ainda fiz, assim, uns pequenininho, assim, somente pra ajudar minha mãe e pra tirar meu estresse. Aí eu entrei nesse negócio de venda, pra vender, sabe? Pronto, não tem tempo, né?, que você passa o dia na rua e chega em casa tem que fazer as coisas. Não quis mais. Sim, minto, ainda teve outro tapete. Eu tenho até a foto dele. Eu tô mentindo. Eu sei que tava morando, eu fui morar no sítio um tempo, aí foi aí quando eu desmantelei, sabe? Porque eu inventei de ir pro sítio tomar conta do meu marido, Benigno, que ele já tava aposentado, aí eu perdi meus contato de tapete, assim, particular, né? Aí eu fiz esse tapete, eu terminei lá no sítio. Aí foi a última encomenda que eu peguei. O pessoal vinha aqui direto, quando chegava aqui, o pessoal dizia assim: “mas, olhe é tanto (?)”. Aí a cabeça foi, assim, aí tive muito desgosto. Eu fiquei dois anos (no sítio). Aí quando eu voltei, pronto, aí eu já fui simbora pra venda.

Eu gosto de fazer as coisa que eu ganho dinheiro, entendeu? E que, assim, que teja com gente. Eu não gosto de fazer uma coisa que eu ficar, assim, olhando só pra uma parede, não, que eu crio tédio, tá entendendo? Eu gosto de conhecer pessoas, gosto de conviver com pessoas, e venda não tem outra coisa, tem? Não é pessoa o tempo todo? E pessoas diferentes, lugar diferentes, nossa, tem coisa melhor não. É bom demais. Eu quase entrei em depressão É, cada semana, cada dia numa cidade, cada semana numa cidade, e assim vai. Eu gosto muito.

Eu não tenho trabalho como fardo

Me sustento. Eu tenho intenção de marido não. Meu marido morreu. (Moro com) minha neta e eu, e meu neto, bisneto.

Trabalho pra mim? Rapaz, você que acredita que eu não tenho trabalho como fardo, coisa pesada? Eu tenho trabalho como a diversão. Porque eu só trabalho naquilo que eu gosto, que pra fazer um negócio que eu não gosto pra mim é um martírio, não é, não? Não adianta você fazer uma coisa que você não gosta. Eu, eu hoje não tô aposentada minha mesmo por conta disso, que Maria Digna queria muito que eu trabalhasse lá dentro, tá entendendo? Corrigindo tapete, botando amostra, passando amostra com o povo, aí eu digo: “eu vou entediar essa mulher. Eu vou entediar, eu vou entediar esta casa”. Não dá pra mim, ficar trancada um dia tudo bem.

(Eu vou trabalhar) Até quando eu tiver força na língua e nas perna.

Porque eu acho que hoje a mulher trabalha mais do que homem, né? E também o campo pra mulher também é mais fácil, né? Em muitas coisas. Eu acho que é. Eu acho que mulher só fica em casa mesmo quando ela é muito doente, preguiçosa. Mas a gente nasce assim com esse negócio de trabalhar, trabalhar, ter profissão, fica muito mais fácil, porque quando a gente não vai pra um trabalho a gente vai, faz outro e termina gostando, né?, e não fica parado nunca, não. Não tem idade pra você ficar parada, não. Só fica parada se for preguiçosa mesmo, se acomodar. Eu acho que eu me acomodo nunca não, sou impulsiva.

Eu não quero morrer muito nova

Eu vou te dizer, meu sonho realizar, eu não quero morrer muito nova, não. Eu quero morrer, assim, com uns oitenta e cinco anos, pra passear bem muito, viajar. Ter dinheiro suficiente… agora, também não quero ficar sem fazer nada, não, porque a pessoa se vê um inútil, né? Só pra lá e pra cá, sem fazer nada, eu não quero, não. Eu quero ter alguma coisa, tá entendendo?, pra fazer, o tempo todo. Tem que ter alguma coisa pra fazer. Trabalhar muito, não. Dois, três dias por semana tá bom. E o resto passear. Não é bom, não?

Não é que eu goste de trabalhar, não. Eu sou viciada. Não tem o viciado, né? Eu não gosto de fumar, não, mas sou viciada, que eu não gosto nem do cheiro, tá entendendo? É o vício. “Tu gosta de trabalhar?”, eu digo: “mentira. Eu não gosto de trabalhar, não. Sou falsa. Eu sou viciada”. Sou viciada. É outra coisa. Viciado em droga, ele quer deixar? Ele quer, mas não consegue. Eu quero ficar assim no cantinho, assim, mas não consigo. Pode olhar que eu não consigo.

A gente sente saudade

Assim, eu lido naturalmente (com a morte). A gente sente saudade, porque a gente só sente saudade quando ama muito, né? Quando não ama não tem. Eu lido naturalmente porque eu sei que eu vou também. Ainda bem que a gente não sabe o dia, né? Lido naturalmente. Sofrer, a gente sofre demais, que perdi o primeiro filho eu endoidei. Quando eu perdi minha filha, também, eu fiquei doida lá, eu acordei amarrada. Aí eu disse: “Pode me desamarrar que eu tô boa. Fiquei doida, não foi?”. Aí a enfermeira olhou pra mim e disse: “não, você não tava bem, não”. Eu digo: “eu sei, eu endoido. Quando eu me aperreio assim de perder um filho”.

A minha mãe eu desmaiei, aí eu não me lembro do velório da minha mãe. Agora, meu pai não, que meu pai tava sofrendo muito, sabe? Eu sofri, senti muito, meu pai. Meu pai morreu faz vinte e sete anos já. Agora, minha mãe eu passei mal, eu passei mal, mas não endoidei, não. Endoidei não. Meu irmão também, tava sofrendo muito, coitadinho. E meu filho, eu sinto uma saudade enorme, mas toda hora eu agradeço a Deus por ter levado ele. Tanto, porque ele morreu no hospital de Vitória, que iam cortar as pernas dele. Ele me pedia: “mãe, não deixa, mãe. Não deixe”. Eu digo: “deixo, não, meu filho. Eu não deixo, Jesus não vai deixar”. Dias antes, eu dormia quase que debaixo da cama dele no hospital. Vinte oito dias, passei. Eu trabalhava o dia todinho, de noite eu ia dormir com ele. Aí eu tinha pedido: “meu Deus, que tu vê, Senhor, que não serve pra curar pra mim, cura pra ti, porque meu menino tá sofrendo muito”.

Tem que lidar (com a morte) agradecendo a vida. Tem que ser naturalmente, porque… tem que ter vida pra ter morte, né? Como é que você sabe que morre se não tiver vida? Por isso que eu cuido das minhas plantinha, minhas lindinha.