Por Clarissa Machado
A mão e o gesto de dar nós. Um nó que gera um entrelaçamento, uma trama que não se solta e que cria possibilidades infinitas de ser e permanecer no constante fazer manual. O macramê é uma produção têxtil que necessita apenas das mãos e da linha para existir. Sendo assim, este texto não tem por intenção trazer um relato sobre a história ou o surgimento do macramê enquanto técnica têxtil, mas se propõe a construir uma narrativa, junto aos depoimentos apresentados no decorrer da pesquisa, sobre este fazer manual.
O macramê, assim como muitas técnicas têxteis, está entrelaçado na rotina diária de muitas mulheres. Nesta edição do Mulheres que Tecem Pernambuco, conversamos com a artista têxtil, mãe e empreendedora Maria Helena Brito (@vibrandoemlinhas), que nos apresentou seu envolvimento com o macramê.
O contexto de aproximação com cada fazer manual tem sempre um tom singular, e Maria Helena nos contou que seu envolvimento com a técnica se deu por meio de uma necessidade de estar perto de seu filho e por ter aprendido, ainda na adolescência, com uma amiga, os pontos básicos (nó duplo) do macramê, e, por meio de perfis de redes sociais, viu que era uma possibilidade de atuar com a técnica.
Sobre essa ideia das redes sociais, podemos dizer que as técnicas têxteis têm passado por uma profunda transformação com a expansão das redes sociais e a diversidade de perfis disponíveis na internet. Longe de romantizar o fazer manual e sua propagação, percebemos uma abertura maior entre as técnicas têxteis e as histórias de vida que se cruzam com o fazer manual. Assim, trazer os depoimentos de Maria Helena para costurar este texto, faz com que ele ganhe força e estabeleça um ponto de relacionamento com o macramê vivo e atuante nas narrativas de vida de cada uma.
Maria Helena, junto com uma amiga, à procura de uma fonte de renda, começaram a buscar um caminho para se sustentar e viram no macramê o caminho para se firmar profissional e financeiramente. Criou o @vibrandoemlinhas em dezembro de 2016 e, desde então, tem se debruçado sobre os nós da vida, da técnica e das narrativas têxteis que envolvem o fazer manual na rotina de uma mulher-mãe, artesã e artista. Maria Helena diz que “foi bem complicado no início, porque o macramê só existia para acessórios, as pessoas não conheciam como decoração, conhecia só em acessório, colar, pulseira, era mais popular. Então eu tinha que ir para vários eventos, para várias feiras, levando para que as pessoas conheçam o macramê nessa proposta”.
A proposta tem como foco objetos decorativos, painéis e peças únicas e exclusivas. A @vibrandoemlinhas ganha novas proporções e se junta com um grupo de mulheres artesãs, algo idealizado por Priscila (toca atelier), e essas mulheres se juntaram e começaram a “organizar feiras só com mulheres, também artesãs, que estavam começando, e que tinham vergonha de ocupar espaços públicos que eram nossos por direito. O nome do grupo é Grumai (grupo de mulheres artesãs independentes). Eram mulheres jovens, passando pelas mesmas situações, de relacionamentos abusivos ou de violência doméstica, ou por ter passado por situações financeiras complicadas”. O grupo atualmente não existe, mas foi um pontapé inicial de força para a realização de novas possibilidades de atuação e criação para essas mulheres.
Essas articulações são caminhos de fortalecimento e visibilidade para artesãs independentes, que em muitos casos não estão diretamente ligadas a uma associação ou a um grupo específico e que se articulam de maneira a trazer possibilidades de expor e manter uma renda e uma profissão.
A feitura do macramê pode acontecer de maneira colaborativa, podendo haver uma assistente que auxilia na execução e na realização do fazer, cortando ou tingindo as linhas. Mas também pode ser feito sozinha, de maneira a criar uma linha de produção em que cada artesã realiza a seu modo a confecção de uma peça. Maria Helena nos contou que trabalha na maioria das vezes sozinha, e que cria dentro da sua rotina uma sistema de trabalho autodidata, que busca no seu fazer uma relação intimista e leve.
Pensar as etapas da construção para uma peça de macramê, percebemos, pode variar de acordo com cada pessoa que se propõe a usar essa técnica, mas, em sua maioria, a primeira parte está relacionada com a escolha do material e sua organização.
Após essa primeira parte, dá-se início à escolha do suporte ou base à qual será fixada a trama, e em seguida iniciam-se os nós, que consistem em basicamente dois tipos de nós e suas variações: o ponto Macramê e o ponto Festonê, e a partir deles tem-se uma grande variedade de combinações para se criar uma peça.
A finalização se dá com os acabamentos específicos de ajustes de pontas e cortes de sobras de linhas. De uma maneira sucinta e rápida, podemos pensar nessa sistematização de produção, mas sabemos que a feitura de uma peça sempre implica uma logística e organização para a realização de um trabalho artesanal, e sobre isso Maria Helena nos coloca uma questão importante: sobre a feitura do macramê e sua relação com a arte e o artesanato. Ela comenta: “trabalhar com arte e com artesanato é meio que resistir e ter que continuar”. Diante da resistência e da continuidade, a feitura do macramê se apresenta mais autoral, mas intuitiva, e encontra possibilidades criativas de vida e de se fazer viver.
Com o macramê e com a narrativa de vida de Maria Helena, percebe-se a articulação entre a ocupação dos espaços físicos e simbólicos da cidade, assim como ficam evidentes as narrativas de vidas imbricadas no fazer manual e em sua realização.
O macramê historicamente está ligado aos processos migratórios e de ocupação e invasão de territórios, por meio dos quais as técnicas têxteis foram sendo expandidas. Aqui no Brasil, o macramê chegou com os invasores, sendo uma atividade voltada para o feminino e que se popularizou rapidamente entre sinhás e pessoas escravizadas. A feitura da trama esteve associada a ornamentos, objetos de decoração, adereços, acessórios e vestimentas.