Por Clara Nogueira
A palavra em inglês “Patchwork” (em que “patch” significa remendo e “work” trabalho) já garante o entendimento sobre essa técnica artesanal que consiste na união de pedaços de tecidos diferentes, formando um mosaico de cores, formas e texturas. Essa técnica era utilizada para o reaproveitamento de tecidos e a criação de peças como mantas, toalhas, roupas, etc. Como criação do cotidiano, essa união entre tecidos passou a ser cada vez mais elaborada, mais complexa, sendo incorporada por diversas culturas e lugares.
Evidências arqueológicas sugerem que a técnica era utilizada por povos do Egito Antigo e da Ásia para confeccionar vestimentas e objetos decorativos. Durante a Idade Média, na Europa, o patchwork era popular em comunidades religiosas e entre camponeses, sendo uma forma de criar colchas quentes para o inverno. Nos Estados Unidos, especialmente no século XIX, o patchwork ganhou notoriedade através das “quilts” – colchas feitas à mão por mulheres negras, muitas vezes com padrões simbólicos que contavam histórias de família ou eventos comunitários. Há, inclusive, teorias de que os quilts eram utilizados como comunicação, indicando rotas de fugas para pessoas negras escravizadas, entre outras; eram os chamados de Freedom Quilts, ou Underground Railroad Quilt Codes.
Segundo a pesquisadora Cristiane A. Fernandes da Silva, em seu artigo “Sentidos sociais da arte têxtil em patchwork: as mulheres, a natureza e a casa” (2022):
Os têxteis compõem o material primordial do patchwork na sociedade moderna e contemporânea, todavia essa técnica, essencialmente manual, que une pedaços de tecido, antecede o aparecimento dessa matéria-prima, remontando aos primórdios da humanidade, quando os indivíduos emendavam peles de animais para confeccionarem suas vestimentas; inclusive há registros dessa técnica reproduzida em inscrições rupestres. Entretanto, foi só a partir das Cruzadas que os europeus conheceram o patchwork, usado como proteção nos acolchoados sob as armaduras dos árabes.
Embora as colchas de patchwork ou quilts fossem confeccionadas em outros lugares, como na Escandinávia, a partir do século XVI, foi na Inglaterra e sobretudo nos Estados Unidos que sua fabricação se tornou de uso tradicional, especialmente depois da Revolução Industrial. Nos Estados Unidos, somente após 1794 o algodão passou a ser acessível às camadas populares, que se dedicaram mais intensamente à produção do quilt.
No Brasil, o patchwork foi introduzido, provavelmente, em meados do século XIX, na cidade de Americana, interior de São Paulo, por imigrantes estadunidenses produtores de algodão, que foram derrotados na Guerra Civil Americana.
A colcha de retalhos é muito comum no Nordeste brasileiro. No livro “Tempos de grossura: o design no impasse”, de Lina Bo Bardi, a arquiteta reproduz criações de uma colcha de retalhos, localizando-a como oriunda de Brejo da Madre de Deus, Pernambuco. A esse respeito, Lina escreve “Objetos de uso, utensílios da vida cotidiana. Os ex-votos são apresentados como objetos necessários e não ‘esculturas’, as colchas são colchas, os panos com aplicações são ‘panos com aplicações’, a roupa colorida, roupa colorida, feita com sobras de tecido, ainda com as marcas das grandes fábricas do Sul, que as mandam de caminhão para o Sertão do Nordeste” (p. 33). Lina expôs colchas de retalhos, dentre muitas tipologias artesanais, na Exposição Bahia, na V Bienal, em setembro de 1959, demonstrando o “poder criativo do Povo Nordestino”, como descreve a legenda das imagens da exposição. O uso dessas colchas ou de panos com aplicações, como vimos, tinha função cotidiana, e nessa apresentação de Lina foi a primeira vez, segundo seu livro, que essas criações foram compartilhadas de forma expositiva, como maneira de apresentá-las como expressões criativas do Nordeste.
O patchwork começa a ser feito com a escolha do tecido, que são cortados com formas geométricas, de modo que quando se encontram vão formando padrões antes da costura. Essa costura pode ser manual ou ser feita com uso de máquinas de costura. Existem muitas técnicas para produção desses padrões. Pela condição do uso de retalhos de tecidos, torna-se sobretudo uma técnica extremamente sustentável. Além disso, os padrões usados no patchwork podem carregar significados culturais e emocionais.
Há, no Brasil, o Festival Internacional de Quilt e Patchwork, em Gramado, no Rio Grande do Sul, chamado QuiltBrasil. Segundo o site do evento, é um dos eventos mais importantes da América Latina para os amantes e praticantes dessas técnicas têxteis. Realizado anualmente, o festival reúne artistas, artesãos, expositores e visitantes de diversas partes do Brasil e do mundo.
Arteiras Bordadeiras
Conversamos, em Recife, com um grupo de mulheres que se intitulam Arteiras Bordadeiras, nome escolhido quando tiveram que expor seus trabalhos, inclusive na Feira de Gramado. “Em Gramado, é onde tem as peças mais bonitas”, contam. Elas se reúnem semanalmente e, enquanto criam as suas peças, trocam sobre suas tramas pessoais. Ana e Cândida, que podemos chamar de fundadoras desse grupo de amigas, se conheceram no condomínio onde moram. Durante os dias que passavam olhando seus filhos brincarem no parquinho, foram encontrando semelhanças: além de sua condição enquanto mulheres-mães, o gosto pelo trabalho artesanal do bordado. “Enquanto a gente ficava lá de olho nas crianças, levávamos um bordadinho e a gente viu que tínhamos afinidades, aí começamos a trocar figurinha também”, diz Cândida. “Antes de 2008, a gente já se encontrava toda quarta-feira. Não propriamente para o bordado, a gente começou no Patchwork”, conta também Ana.
No ateliê de Cândida, um espaço dentro de sua casa, onde as Arteiras Bordadeiras se reúnem, compartilhamos uma manhã de muitas histórias. Desde meados de 2008, elas se encontram para fazer patchwork. Ana e Cândida adoram costurar e bordar e as outras mulheres do grupo foram se aproximando, cada uma em um momento da vida. Com o passar do tempo, os encontros para bordar se tornaram uma forma de compartilhar os problemas, anseios, felicidades, realizações; como disseram, “uma terapia”, em que uma ajuda a outra. Dessa união, foram aprofundando e trocando seus conhecimentos. Começaram a participar de Feiras e a trazer novidades, materiais diferentes, se inspirando umas nas outras.
As Arteiras não têm uma história única; umas começaram a fazer trabalho manual na infância, outras se interessaram quando aposentadas, outras produziam e deixaram de fazer durante boa parte da vida, e, assim, umas com mais experiências foram recepcionando as outras. Os materiais de costuras, tecidos, foram incorporados aos seus ateliês pessoais e essa técnica foi sendo experimentada pelas Arteiras. Elas não dependem financeiramente exclusivamente da venda de seus trabalhos, mas dizem que dependem desses encontros, dessas horas de inspiração mútua. As arteiras contrataram uma professora de bordado para ensinar a elas pontos para incrementar ainda mais os seus trabalhos.
Algumas delas fizeram curso de Patchwork com Patrícia Washington, na Ponto Ajour, loja que funcionava na Torre, e a partir daí nunca mais deixaram de fazer. Algumas colecionam revistas de Patchwork, trazem livros e revistas de viagens e, dessa maneira, vão trocando seus conhecimentos. Muitas ainda fazem cursos online para aprimorar sua técnica.
“Por encomenda, já trabalhamos juntas na mesma peça. Cada uma fazia uma parte”, nos disse Cândida, relatando ainda: “A doença do tecido: enquanto você não compra naquela loja e compra você não sossega”.
Modos de fazer
O patchwork começa a ser feito com a escolha do tecido, que são cortados com formas geométricas, de modo que quando se encontram vão formando padrões antes da costura. Essa costura pode ser manual ou ser feita com uso de máquinas de costura. Existem muitas técnicas para produção desses padrões. Pela condição do uso de retalhos de tecidos, torna-se sobretudo uma técnica extremamente sustentável. Além disso, os padrões usados no patchwork podem carregar significados culturais e emocionais. O Patchwork depende muito das cores, da combinação dos tecidos. “No Patchwork, sempre tem uma coisa nova, estamos sempre aprendendo”, as Arteiras nos disseram, quase em coro.
Cândida nos contou ainda: “Para começar a fazer, você faz um projeto para você saber a quantidade de tecido que vai utilizar. Faz o estudo e composição das cores, tecidos e texturas. O tecido tem que ser 100% algodão, tricoline, sem elastano. Como no patchwork o tecido é milimetricamente cortado, você não pode cortar e ele um milímetro esticar a mais. Ele vai dando diferença se não for de algodão, e vamos ter dificuldade de encaixar. E você usa muito o ferro de passar, se tiver elastano ele vai ceder. Com o tempo, com a lavagem, ele também cede, então tem que ser somente em tecido de algodão. Depois parte para o corte do tecido, seguindo modelo de inúmeras revistas e livros. Tem que ter uma manta (que vem de fora do Estado) consistente e fina. Tem que pedir de São Paulo e João Pessoa. O sanduíche é quando você coloca o forro, a manta e a peça. Você une primeiro os quadros, costura, dependendo da peça, o tecido no tecido, formando os quadrados ou o tecido direto na entretela. A ordem da costura também interfere na peça. [Usamos] Ponto de apliquê na máquina”.
1 Disponível em: https://folklife.si.edu/magazine/underground-railroad-quilt-codes
2 Disponível em: https://www.scielo.br/j/anaismp/a/3LxqhRyFtr3MnpJMz9pnC6H/#:~:text=cit.,derrotados%20na%20Guerra%20Civil%20Americana
3 Disponível em: https://quiltbrasil.com.br/