Renda Renascença

Renda Renascença

Por Clara Nogueira

Fotos: Laís Domingues

“É feito à mão?!” perguntam pessoas surpresas com a preciosidade e beleza das peças feitas em Renda Renascença. Um a um os pontos constroem um tecido que deslumbrariam e confudiriam até a mais aplicada das aranhas.  A peça pronta esconde, porém, os inúmeros nós que emaranham as rendeiras à ela e os caminhos que a fizeram existir.

Detalhe da Renda Renascença de J.

A Renda Renascença é de origem italiana, nome dado em referência ao momento histórico na qual estava localizado o seu surgimento, o Renascimento, período onde houve sua maior difusão. É uma variedade da renda de Veneza, mas de mais simples execução. Se difere de outros tipos de renda de agulha pelo uso do lacê, espécie de fita que serve de base para os pontos e norteiam contornos dos desenhos. Essa fita também é chamada de cadarço por quem escreve sobre Renda Renascença, mas “lacê” é como ficou conhecida em Poção. Foi trazida ao Brasil pelos portugueses e era ensinada em conventos, colégios internos e por damas da sociedade.

Na década de 1930 chegam a “Vila de Poção”, ainda pertencente a Pesqueira, dois pontos que iram tecer novos sentidos na vida de seus habitantes: A luz elétrica e a visita de Maria Pastora e com ela a chegada da Renda Renascença. Maria Pastora que alguns diziam ser interna do Convento de Santa Tereza em Olinda, outros que ela trabalhava lá, em 1934 levou consigo numa visita a mãe, um afazer aprendido no convento por terminar, uma peça em Renda Renascença.

Muito comum à época ensinar trabalhos manuais em conventos como forma de doutrinação, disciplina para fazerem das meninas mulheres mais habilidosas e prendadas. No Convento de Santa Tereza, onde também aprendi a bordar, fazer crochê em meados de 1993, não mais se ensinam as técnicas hoje em dia, nem há regime de internato nem semi-internato. As peças que fiz e a que se faziam como internas eram vendidas no Convento para financiar e manter a escola. Talvez a esse fato se deva a necessidade de sigilo pedido por Maria Pastora a Elza Medeiros conhecida como Lála, sob sua Renda Renascença. “A Renda Renascença feita por Maria Pastora era possivelmente, encomendada pelas damas da sociedade pernambucana às freiras vicentinas do Colégio de Santa Tereza. Com o lucro auferido elas cobriam as despesas das internas. Os relatórios da Santa Casa de Misericórdia trazem indicações de que as contas do Colégio das órfãs eram saudáveis, em virtude do lucro obtido com estas encomendas”

Contou-nos V. (sobrinha de Lála), que Maria Pastora não queria ensinar a Lála, e escondia-se quando ia fazer sua renda:

“Ela (Maria Pastora) não queria ensinar pra tia Lála porque ela vivia  trancada dentro de um quarto, que era uma garrafa no telhado pra ficar claro, na época não tinha aquelas telha, né? Tia Lála não teve dúvida, pegou uma escada e “ou você abre a porta ou eu vou subir”, e subiu, que era dessas paredes bem alta, subiu e olhou assim: “abre a porta ou não?”. Ela disse “desça”. Abriu a porta, botou a renascença assim, cobriu, e foi ensinar a Tia Lála.”

Maria Pastora, então, com a insistência de Lála a ensinou exigindo segredo. Lála quebrou o trato e tempos depois abriu uma escola onde se ensinava Renda Renascença para muitas mulheres da Vila de Poção. Contou-nos D. Odete, aluna da escola que:

“Ela (Maria Pastora) trabalhava lá nesse colégio (no Convento de Santa Tereza em Olinda) e veio passar uns dias em Poção, com a mãe, como umas férias, Maria Pastora com a mãe, morava até vizinho da casa da minha irmã. Aí, quando ela veio morar lá (em Poção) ensina a Lála a fazer essa renda, e Lála fez uma palinha de vestido e chegando lá Áurea Jatobá, daqui de Pesqueira, mas tinha família lá (em Poção), Dona Áurea chegando lá e Lála mostrou essa bendita palinha a ela, aí ela ficou entusiasmada com aquele trabalho, então disse pra Lála: “Lála, arranje umas moças, ensine, que eu forneço o material, os riscos, e você fica como responsável. Eu procuro movimentar essa vida” e assim fez… Ela arranjou a gente, eu só entrei porque era mais nova, pensava que eu não ia aprender, porque meu irmão era noivo da irmã dela. Aí, eu tive o privilégio de aprender, né? Aí trabalhei, né? Aprendi e fiquei trabalhando  muitos anos, muitos anos, com Lála.”

Como disse D. Odete acima, Lála teve apoio de Áurea Jatobá. “As rendas produzidas pelas meninas da escolinha de Elza Medeiros eram vendidas, através de encomenda, às damas mais abastadas da Vila de Poção e de Pesqueira, mas eram em quantidades irrisórias, só houve um incremento maior, segundo Odete Maciel, depois da entrada de Áurea Jatobá Cavalcanti e de Maria Amélia nesta atividade, quando passaram a fazer encomendas mais volumosas.” Disse-nos D. Odete:

“Maria Amélia apareceu com a linha mercê crochê, aí a gente mudou pra linha crochê aí foi muito bom. Esse lacê que a gente usava vinha do Rio, era da Hipur (?) o lacê não era daqui não, o lacê daqui não era da hipur e vinha do Rio. Foi muito complicada a renda da gente pra chegar o ponto, aí depois de muito tempo, aí já foi aparecendo os atravessadores, foi fazendo também, né?

Quem desenhava os nossos era Dona Áurea, ela desenhava e fornecia todo o material e as encomendas, quer dizer que quem botou a renda no comércio foi Dona Áurea, né? Porque por a gente mesmo não sabia, né?” 

D. Odete

Maria Amélia já conhecia a Renda Renascença em São Paulo e de lá além de encomendas trouxe linhas melhores, riscos diferentes e pontos novos.

“E a gente trabalhando, aí, quando foi… aí Dona Áurea começa mandando os trabalhos, a gente aprendeu os pontinhos que ela ensinou, e Dona Áurea começou arranjando freguesia, aí choveu trabalho, era muito trabalho, muito trabalho, a gente trabalhava que só uma doida de seis às seis da noite, nessa casinha todo dia ia cada qual tinha o seu trabalho e não tinha direito de levar pra casa, tinha que ser lá. E, trabalhei trabalhei muitos anos lá…”

Após a saída de Lála da direção, por conta de uma fuga com seu namorado, D. Odete, em meados de 1950, passou a ficar à frente da escola de renda e ser responsável por terminar e nortaer as rendeiras à cumprir com as encomendas que foram iniciadas por Lála.  Quando D. Odete se casou em 1955 e foi morar em Pesqueira Poção já era reconhecida como município. Em Pesqueira, ensinou Renda Renascença por muitos anos em escolas municipais. Se aposentou como professora e ainda hoje trabalha fazendo Renda Renascença.

Aos sábados existe a feira livre de Poção. Antes as rendeiras aproveitavam o movimento intenso da feira para vender suas peças. Hoje a comercialização de Renda Renascença quase não existe mais. A venda da Renda Renascença da cidade é feita em sua maioria pelas fábricas que ficam logo na entrada da cidade. Em Pesqueira, as quartas-feira acontece a feira de renda, mas poucas mulheres de Poção comercializam lá suas peças.

“Antigamente tinha mais. Antigamente tinha uma feira de Poção dia de sábado, a feira da renascença era lá em Poção, o povo todinho de fora comprar lá em Poção dia de sábado. Acabou-se não tem mais. Tem aqui na quarta-feira, aí, já o povo de Poção já vem pra feira daqui, que lá não tem mais o povo deixaro.” Explicou D. Odete.

A retirada da feira de renda da cidade marcou as rendeiras daqui. Muitas contaram o fato com pesar e a apontam como causadora da queda das vendas, e com isso o desinteresse das mais novas para dar continuidade. Retiraram o poder delas de comercializarem os seus trabalhos, dando vazão a precarização da mão-de-obra que agora depende das migalhas das fábricas. Contou-nos D. Ana Alice que antes fazia renascença com gosto porque saberia que voltaria com as mãos vazias de renda e cheias de alimento para sua família.

“Fazia pra vender na feira, vendia na feira, todo mundo. Era uma feira grande. Era tão bom de vender renda que a gente trabalhava a noite todinha no candeeiro, num candeeirinho de gás, aí quando era cedinho, a gente tomava banho e vinha pra rua, vendia as rendas, voltava pro sítio e vinha de novo  comprar material pra continuar a semana. Não levava nada, mulher, vendia tudo. Não sobrava nada assim, as rendas da gente.”  Disse-nos D. Ana Alice

Algumas lojas de Poção vendem Renda Renascença de maneira muito tímida. Poucas rendeiras resistem fazendo encomendas atualmente. Como é o caso de Maria de Odon que aprendeu ainda criança olhando as tias fazendo e hoje é uma das poucas rendeiras que recebem encomendas, nos disse ela expllicando a situação:

“Porque sempre eu mando fazer umas pecinhas, sabe? Quando aparece umas encomenda o povo vem aqui e como minha renda é boa, o povo sempre vem aqui faz uma encomenda e eu faço. Quando a renascença tá boa, aparece muita encomenda. Mas agora mesmo agora tá fraco. De primeiro vinha muita gente de fora, mas agora quando elas vem elas já ficam no caminho, né? Porque as fábricas, trabalha diretamente com a fábrica. Foi o que atrapalhou a renda da gente foi essas fábrica, porque a gente não tem mais povo pra vender mais não. Não chega mais na casa da gente.  Tinha a feira, mas agora não tem mais, né? Sempre no sábado fica quatro cinco pessoinhas mas não tem mais comprando, ninguém vem comprar mais não. De primeiro vinha.Eu acredito que aqui acabou né? e o povo se dirige pra Pesqueira. Eu mesmo sempre ia, mas depois que ficou ruim eu não fui mais não.” 

Etapas da Renda Renascença e divisões de trabalho

O desenho é também o risco. Feitos com linhas duplas e paralelas de onde se originam as peças tão cuidadosamente executadas. Ainda existem/ resistem desenhistas que riscam o papel de seda ou manteiga com lápis azul, fazendo os moldes para futuras passadeiras, blusas, vestidos, suporte de copo, pano de bandeja, toalhas de mesa, e uma infinidades de peças que a renascença faz render.  Contrastando com o desenho digital inserido aqui pelas fábricas, criados por designers, desenhistas fazem seus desenhos à mão, tirando de seu imaginário, inventam formas livres, às vezes simétricas com uma precisão ímpar. Por encomenda ou vendidos soltos, os desenhos, por vezes também são “tirados” de peças já prontas, esse processo consiste na cópia de uma peça em renda renascença já finalizada.

Risco em azul. Sendo tecido por Maria de Odon – Foto Luiza Maretto

Detalhe do risco em azul. Sendo tecido por Maria de Odon – Foto Luiza Maretto

“Tinha o risco pra elas aprender, eu ensinava elas a alinhavar, que aquele primeiro alinhavo. Primeiro tira o risco no papel de seda, depois alinhava o lacê naquele risco, e depois vai tecer. Aí, cada uma vai fazer num paninho, aprendendo a fazer. Quando já sabia fazer era que passava pra trabalhar nas encomenda, aí continuava.”  Nos ensina D. Odete

O desenho, na Renda Renascença, é uma etapa onde homens participam. Sabemos que existem homens que sabem fazer a renda por aqui, mas estes não chegam a preencher os dedos das mãos. São as mulheres a maioria responsável por manter, fazer e repassar os saberes do universo da renascença.

Ensinei a muita gente nesse mundo aí de meu Deus. Homem era muito pouco, era muito pouquinho homem, os homens tinham aquele preconceito e não queriam não, num sabe? Disse-nos D. Odete de quando ensinava Renda Renascença.

Depois de prontos, os desenhos, são fixados em papéis mais grossos ou em sacos (como os de ração de animal), essa prática é mais recente, pois alguns papéis resistem menos que os sacos ao processo de costura (à mão) do lacê, e por serem mais maleáveis, fazem o gosto de algumas rendeiras aqui.

Maria de Odon costurando o do lacê (fita branca)

Detalhe lacê – Mãos de Maria de Odon

Mãos de Carla. Renda em produção, feita em embalagem de ração de animal.

Mãos de Carla. Renda em produção, feita em embalagem de ração de animal

Depois de feita essa base para receber o lacê – uma espécie de fita branca em algodão com “casinhas” nas laterais, também chamadas de picôs. O lacê vai acompanhando o risco, contornado as formas principais do desenho, deixando espaços onde brotarão os pontos que são presos as casinhas do lacê. Esse processo chama-se alinhavo, pois o lacê é preso ao desenho com o ponto alinhavo. O lacê, como disse, é a peça chave que difere a renda renascença dos outros tipos de renda. Algumas rendeiras têm por hábito lavar as mãos antes de tecer. 

As almofadas servem para apoiar os desenhos, já com o lacê alinhavado (essa fixação é costurada à mão ou presa com alfinetes) auxiliando no processo de bordado dos pontos. Antes estas almofadas eram quadradas e apoiadas nas mesas, foram sendo substituídas pelas cilíndricas que podem ser levadas para qualquer lugar. Com as almofadas quadradas sobre as mesas/ carteiras, as mulheres aprenderam na escola. Só as mais antigas rendeiras têm uma mesa dessas em casa. O enchimento das almofadas cilíndricas portáveis era de penas e/ou pedaços de tecido, hoje são mais comuns as de espuma. As rendeiras são responsáveis por fazer suas almofadas. Algumas criam capas protetoras para elas, com compartimentos para guardar os potinhos de agulha, tesoura e demais instrumentos.

Almofada de V.

Almofada de Carla e Alessandra

Almofada de D. Odete

Rendeiras mais antigas, contratam rendeiras mais novas para bordar  os pontos, quando não fazem tudo sozinhas. Geralmente elas repassam o trabalho com esse alinhavo já pronto, ficando sob a responsabilidade delas bordar os pontos escolhidos por quem as contratam. Estes pontos são marcados no papel nos espaços vazios entre os lacês, através da escrita dos nomes dos pontos ou através de códigos/ desenhos que os fazem referência. Essas rendeiras recebem o valor de seu trabalho por novelo, ou seja, elas pegam com as rendeiras que as contratam os novelos (rolos de linha), e recebem quando acabam o novelo todo, ou devolvem o que sobrou. É comum ouvir os termos “vencer o novelo” “receber por novelo” “acabar o novelo”, por conta disso.

Os primeiros pontos ensinados por Maria Pastora foram, segundo D. Odete: xerém, dois dois, vassourinha, abacaxi pequenininho, cianinha dois e um dentro, já Maria Amélia trouxe de São Paulo muitos riscos diferentes e pontos como malha, dois amarrados e muitos outros. Hoje há uma infinidade de pontos feitos aqui, dois amarrado com pipoca, richelieu, matame, laço de amor, laço de corrente, caramujo, corrente, abacaxi de torre, traça, cianinha de laço, ponto cheio, entre muitos outros. Na época se fazia na luz do candeeiro. A luz elétrica se apagava às dez horas no Centro de Poção.

A luz se apagava de dez horas lá em Poção, aí, a gente tirava a noite todinha no candeeirinho desse, fazendo renascença pra entregar. Disse-nos D. Odete.

Era uma agonia pra trabalhar que não tinha luz nesse tempo. Trabalhava no candeeiro, trabalhava a noite todinha fazendo panin pra no sábado vim vender na feira, aqueles panin pequenininho, mas não tinha luz não. Era no candeeiro, minha fia, candeeiro. Disse-nos D. Maria de Odon.

Quando o bordado dos pontos está finalizado. Se desmancha/ desprende/ desalinhava o lacê dos papéis. A peça solta vai pra um processo de acabamento. Se for uma peça única, como um pano de bandeja por exemplo, ela vai pra um processo de lavagem e engomagem. Se for feita em partes como uma blusa (onde fazem a parte da frente e das costas separadas), elas vão ser costuradas a mão e quando acabadas vão ser lavadas e engomadas. Os serviços de lavagem e engomagem das peças pode ser feito pelas próprias rendeiras ou ser por elas terceirizado.

Renda Renascença de Elza, filha de Genelícia

Das fábricas, ou os desenhos digitais vão para as rendeiras que alinhavam e bordam toda a peça. Ou vão para as mãos de rendeiras alinhavam e chamam outras para dividir o trabalho. As fábricas escolhem exatamente a cor, pontos, que as rendeiras devem fazer. Ficando de lado as peças que não estejam no padrão exigido pelas mesmas. Fala-nos J.

(Na fábrica) É, eles diz assim pra fazer amarrado, todo amarrado, não sabe?, não pode mudar de ponto (na fábrica), não. Eu mudo de ponto quando é pra mim mesmo, mas sendo de… pode não.

(Na fábrica eles falam pra os pontos serem) Bem feitinho, assim, que tem o pontinho pequeno, tem o ponto grande. Aí o grande eles (da fábrica) não gostam muito. Tem que ser o ponto pequeno.

As rendeiras entram com a mão-de-obra e só, ganham pelo que fazem e não tem vinculo empregatício com a fábrica.

Algumas mulheres fazem esse alinhavo, o bordado e a escolha dos pontos, ou seja, todo o processo sozinhas, só dependem por vezes dos desenhistas, mas pra isso precisam ter dinheiro para custear a compra do novelo, do lacê, do desenho, além de ter a onde vender. Coisas que estão ficando cada vez mais difíceis e escassas por aqui. Ainda existem os atravessadores que compram as peças das rendeiras por valores muito baixos, e revendem por valores altíssimos. Maria de Odon nos fala sobre as dificuldades:

Só os atravessador quando chega pra comprar da gente, né? Que compra com um precinho lá embaixo  quando chega lá fora eles é quem ganha, a gente só fica bem dizer com o trabalho mermo. Aí, eles leva pra vender fora e ganha, muito. Mas a gente não que vende aqui. Nós era pra vender muito bem vendido, porque é trabalhoso e é muito caro o material. 

Agora mermo, por sinal o material aumentou agora e eu nem sabia.Aí eu não vou ganhar nada, vou ter só prejuízo.  Ó, se eu disser a vocês que eu não tenho meu material próprio pra eu trabalhar ainda. Eu, vamo supor, eu compro ao rapaz aí, eu compro: Uma caixa de Lacê e uma caixa de linha, aí passo quinze dias/ três semanas, aí vou lá e pago esse que eu peguei e pego maisi pago uma conta e pago outro, e agora essa semana eu fui e eu não peguei  nada, porque eu tô sem vender não peguei.

E eu comecei a trabalhar com seis anos, com seis anos, e não consegui ainda meu capitalzinho pra eu trabalhar.  Eu faço porque gosto e preciso, mas é o renascenço da gente era pra ter muito valor, muito valor, mas não tem não, minha fia.

Há poucas cooperativas na cidade e a grande maioria das rendeiras não estão organizadas em Associações ou em grupos. D. Odete nos explica a situação alarmante:

“Porque eu digo: “você vai querer ficar fazendo, isso é um negócio que não tem futuro”, menina, você trabalha pra morrer o dia todinho e não arruma cinco reais, você passa a semana todinha pra arrumar 25, 30, trabalhando, não é pra dizer é um pedacinho, não, é trabalhando de manhã à noite. Pra arranjar cinco reais por dia, aí, nem a ela eu nunca ensinei que eu não queria que ela continuasse fazendo, não. Que era muito sem futuro e é. É bom pra quem revende, mas pra quem faz… Faz porque gosta e não tem outro meio de vida se assujeita, né? Agora, pra quem revende é. Que vive melhor, né? Mas pra quem faz a mão-de-obra mesmo… não é nada”

Eu vendo minhas brusas a 500/ a 600 eu não chego ganhar 100,00 numa peça, issé ganho? não é. Pra viver desse jeito, do linhavar ao tecer pra ganhar 100,00? e não é toda peça que eu ganho esse dinheiro não. 

Agora que eu sou apaixonada pela renascença? sou. Se se acabar meu material eu procurar e num ter um novelo de linha pra eu trabalhar vocês já nota que eu fico nervosa. Tem que ter, minha fia, porque eu gosto demais. Acordo arrumo a casa, cuido na comida, e vou fazer renascença até onze horas da noite, onze horas meia-noite  depende, é é. Só isso aqui mesmo que nós temos. Disse-nos Maria de Odon

Mesmo a Renda Renascença não conseguindo dar as mulheres uma situação estável, por amor e costume elas continuam produzindo. Genelícia, que faz renda para descansar as pernas do roçado não vende como antes. As poucas peças que ainda faz ou é sob encomenda ou é vendida por sorte aos vizinhos, nos fala:

“O dia-a-dia é da roça pra renascença da renascença pra luta de casa. Planto milho, feijão. Isso é só pra dentro de casa mesmo, eu não tenho mais saúde pra trabalhar não, só pra entreter mermo.  

A minha irmã foi quem aprendeu a trabalhar, aí depois ela me ensinou. Era os mesmos de hoje mesmo que eu faço, só tem diferente mesmo essas aranha, essas cianinhas, dois amarrado… 

Ave Maria, ainda hoje eu gosto, se me tirar do serviço eu pegodestino. 

Genelícia

Conversamos com mulheres que têm histórias de vida atreladas a história da Renda Renascença em Poção. A aluna da Escola de Renda da  Vila de Poção, D. Odete virou professora de Renda Renascença nas escolas municipais de Pesqueira. Até hoje trabalha com Renascença. Sabe e conta todas as voltas que passou até chegar a ser. Conversamos com D. Ana Alice, que ergueu casa e ajudou aos filhos com o dinheiro de seu trabalho, mas que hoje faz mais pra se distrair e fala com nostalgia do tempo em que a Renda era o meio de vida e independência de muitas mulheres. D. Genelícia, é aposentada e faz renda desde criança. Hoje faz pra descansar do roçado, no Sítio. Na cidade conhecemos a jovem Carla que aprendeu vendo sua mãe fazer, e sonha ser professora. J. trabalha fazendo as encomendas da fábrica. Inventa pontos quando tece pra si, e gosta de usar linhas coloridas e criar pontos miúdos. Aprendeu com mais de vinte anos, quando veio morar em Poção, com a vizinha Maria de Odon, rendeira de mão cheia que ainda hoje é famosa por seu preciosismo e por isso ainda recebe algumas encomendas. E V. que esteve na escola de Renda e nos apresentou a maioria das mulheres com quem falamos.