Odete tem 90 anos. Aprendeu aos 12 a fazer renascença com Lala em Poção. Substituiu Lala e abriu as portas pra quem quisesse aprender. Ensinou durante anos a renda renascença em escolas em Pesqueira e assim se aposentou. Hoje faz, principalmente, o acabamento de suas renascenças coloridas. Trabalha o dia todo e nos contou sua história em sua casa, em Pesqueira. E que história!
Por Luiza Maretto
Sua linha de vida é comprida, sua história compõe cultura a tempos, e sua biografia é narrada, por ela mesma.
No segundo dia na região, a procura dessa mulher, logo a encontramos. Disponível, aberta, ela marca o encontro para a pesquisa. Está acostumada a receber. E, na calma de um domingo, abre sua casa. Fotografias na parede e na estante marcam netos, filhos, marido, fantasias de carnaval… e uma grande foto sua acompanhada de outra mestra artesã, cobre do teto ao chão uma das paredes da sala, logo ao lado da porta de entrada da casa.
Uma amiga dela acompanha escutando nossa conversa. Sentadas no sofá, nessa sala cheia de memória Dona Odete fala tranquila e leve. Assim, num momento estamos aprendendo a fazer renda, noutro estamos na roça plantando feijão. Gente que trabalha e conta. Ela conta história. Conta histórias com sua voz suave, baixinha, devagar… às vezes mais animada, outras ainda lança uma boa piada, que nos faz soltar um riso alto. Da renda branca ela inventa o colorir. Hoje em dia, estão deixando de vender as linhas coloridas. Mesmo assim, a história se refaz em diferentes cores de renda, e o presente se cria com o passado entrelaçando.
Professora e contadora da sua própria história. Artesã da vida, da cultura. Alinhava, alinhava, alinhava… os passos, o percurso, a caminhada. As linhas que fazem a vida, constroem valor! Porque faz, porque sabe como faz. Tanto a renda quanto a plantação. Fazer pra saber. Viver pra saber. Escutar pra saber de onde veio, como é. Além do que tem alguma necessidade, precisão de acontecer. Registrar, dar atenção a esse conhecimento vivido. Ficamos em silêncio, essencial para conseguirmos ouvir o som das vozes, algumas quase sumindo.
Dito, para não ser esquecido: serviço esse, de fazer a mão e de contar com as palavras, de criar, de (re)existir…
Assim, entrando mais na casa de Dona Odete, perto do quintal, a janela deixa o sol entrar e ela mostra seu trabalho, na mesa, disposto pra quem quiser ver, ponto a ponto, feito com as mãos. E o ilumina, cada parte, apresentando. Ela é história que conta, história que vive. Contar pra ser. Simplesmente ser e contar. Valor de narrar, valor de pesquisar, de construir história.
E parece que tem muita gente que conhece essa mulher e pede foto, beijos e abraços! Nós também: finalizamos aquele encontro assim, com despedidas e fotografias dignas de serem penduradas na parede! Com registros, podemos guardar na vista mais algumas marcas que nos atravessam de antes, de agora e…nessa caminhada, desenhos novos podem ser traçados.
Narrativa
Mãe botava a gente desde pequena nos lajero pra catar carocinho de feijão
Nasci em Poção. Minha infância toda vida era Poção, mas a gente morava afastado, né? Nesse tempo era sítio, mas se fosse hoje era fazenda. Era tão atrasado no meu tempo, visse? Ixe, como é diferente de hoje, ave maria.
A gente tinha roça, eu só não fiz limpar mato, eu nunca fiz enxada, mas colher? Mãe botava a gente desde pequena nos lajero pra catar carocinho de feijão quando batia, que naquele tempo não era na máquina, era no cacete. E ela bota a gente, que ela dizia que “se a pessoa com filho não botar pra fazer alguma coisa logo de criança se for deixar pra velho fica preguiçoso.” Então é que a gente pequena já tá fazendo alguma coisa que de fato criou-se tudinho, tudo trabalhador, que meu pai e minha mãe gostava de um roçado.
A vida né… que naquele tempo não era… o viver era esse mesmo, era roçado, essas coisas, não tinha o que tem hoje não. Foram 12 que minha mãe teve, mas criou-se oito, cinco mulheres e três homens. E foram quase tudo só tem 3 mulheres os outros já faleceram todo mundo. Depois foi casando foi separando, mas enquanto não casava era tudo junto.
Fui morar em Poção
Estudei… comecei no sítio, estudando o alfabeto, que era tão difícil o alfabeto naquele tempo, era complicado e depois fui morar em Poção, uma garota. Fui morar em Poção, aí fui morar na rua, nunca mais no sítio. Aí depois foi morar na rua, a gente começou estudando, eu só fiz até a segunda série, menina.
Até os 27 anos terminei lá na rua. Depois vim praqui (Pesqueira). Quando eu cheguei aqui eu fui e arrumei trabalho na prefeitura, trabalhei 25 anos aqui ensinando renascença numa escola pela prefeitura. Foi não sei quantas escolas. Ensinava todo tamanho, quem queria aprender eu ensinava.
Eu acho que eu tinha, assim, uns doze anos quando eu comecei
Na rua, eu já garota maior, eu acho que eu tinha assim uns doze anos quando eu comecei, que nesse tempo a gente não ligava pra idade, não ligava pra nada, sabe lá quando completava ano nem quando não completava… sabia não, minha filha, era um atraso tão grande que eu digo que o povo da minha época quando eu nasci era tudo meio burro, não é como hoje inteligente assim. É porque o povo inventa tanta coisa, né? Meu Deus quando vinheram inventar rádio, meu pai do céu eu já era grande, não tinha nada. E, hoje é muito diferente, visse? Hoje é muito bom, no meu tempo não era não.
Quando eu tinha eu tinha uns 12 anos mais ou menos, meu irmão era noivo de uma irmã dessa que ensinou a gente: Lala.
Ela trabalhava lá nesse colégio e veio passar uns dias em Poção, com a mãe, como umas férias, Maria Pastora com a mãe, morava até vizinho da casa da minha irmã. Aí quando ela veio morar lá ensina a Lála a fazer essa renda, e Lála fez uma palinha de vestido e chegando lá Áurea Jatobá, daqui de Pesqueira, mas tinha família lá, Dona Áurea chegando lá e Lála mostrou essa bendita palinha a ela, aí ela ficou entusiasmada com aquele trabalho, então disse pra Lála: “Lála, arranje umas moças, ensine, que eu forneço o material, os riscos, e você fica como responsável. Eu procuro movimentar essa vida” e assim fez… Ela arranjou a gente, eu só entrei porque era mais nova, pensava que eu não ia aprender, porque meu irmão era noivo da irmã dela. Aí, eu tive o privilégio de aprender, né? Aí trabalhei, né? Aprendi e fiquei trabalhando muitos anos, muitos anos, com Lála.
Ela tinha um noivo que a família dela não queria vê o cão do inferno não queria saber desse noivo dela, então quando foi um certo tempo, não sei quantos anos já que a gente trabalhava. Naquele tempo ela fugia com o noivo, ela fugiu com o bendito noivo, e deixou a renda uns começado, outros pra terminar, aquela bagaceira, porque ela era responsável, né? E, tinha muita encomenda, muito trabalho, a gente trabalhava direto, era numa casinha só tinha uma porta e uma janela, aí só abria a janela pra ninguém ficar vendo os trabalhos da gente que não era pra ensinar a todo mundo não.
Era muito trabalho, muito trabalho
E a gente trabalhando, aí, quando foi… aí Dona Áurea começa mandando os trabalhos, a gente aprendeu os pontinhos que ela ensinou, e Dona Áurea começou arranjando freguesia, aí choveu trabalho, era muito trabalho, muito trabalho, a gente trabalhava que só uma doida de seis às seis da noite, nessa casinha todo dia ia cada qual tinha o seu trabalho e não tinha direito de levar pra casa, tinha que ser lá. E, trabalhei trabalhei muitos anos lá… quando foi que eu tava dizendo que ela fugiu com o noivo, aí chegando… a noiva de meu irmão morava aqui (em Pesqueira) e ele em Poção, né? Aí, ela foi em Dona Áurea Jatobá, ela trabalhava na loja José Araújo, aqui tinha uma loja grande José Araújo, aí, dona Áurea falando a Mariazinha que era minha cunhada que tava doidinha que Lala tinha ido simbora com o noivo e tinha deixado os trabalho dela todo abandonado, né? E o que é que ela fazia? Aí, essa minha cunhada disse: “pronto, a minha cunhada trabalha com Lala, há muitos anos ela trabalha lá” aí ela disse: “mande convidar ela” Aí, ela mandou me convidar, eu fui, vi e aí assumi a responsabilidade de ficar no lugar de Lala.
Quando eu tomei conta da responsabilidade, aí eu abri as porta
Aí, eu fiquei no lugar de Lala… cada uma ficou responsável pelo seu trabalho e eu fui formar nova equipe né? Eu cheguei até a trabalhar com quarenta moça, no salão, eu ensinando, eu nova, mas toda vida tive juízo, visse? Aí, tomei conta desses trabalhos muitos anos, vim daqui pra Pesqueira trazer e levar material, os desenhos e as encomendas. Trabalhei muitos anos, muitos anos. Aí depois noivei com um rapaz aqui de Pesqueira e em 55 eu casei. Aí vimimbora morar em Pesqueira, aí quando eu tomei conta da responsabilidade aí eu abri as porta. Eu digo: “Quem quiser aprender pode vim que eu ensino”. A maioria daquele povo de Poção que tem aquelas rendas tem um pedacinho meu ali, porque os mais velhos aprendeu ensinando os mais novos, né?
De graça por espontânea vontade, ensinava a todo mundo. Agora quando eu vim pra Pesqueira foi que eu ensina que eu era professora pela prefeitura, aí era diferente, né? Mas em Poção eu ensinei toda vida de graça. Muita gente hoje é rico e tem um dedinho meu no meio, porque eu ensinei, não foi Lala não, fui eu, Porque eu abri minhas porta.
(Lala) Não quis mais, foi embora morar fora, passou muitos anos e quando chegou já tava muito velha, voltou pra Poção já muito velhinha, queria mais saber de renascença não.
Muito ponto diferente
Eu ainda me lembro assim que era… nesse meio chegou uma moça de São Paulo que já conhecia esse trabalho e trabalhava lá então tinha.. negociava a procura de uma pessoa pra se encarregar pra ficar trabalhando pra ela e ela mandar o material, mandar os riscos de São Paulo pra Poção, Maria Amélia. Aí, Maria Amélia levou muito ponto diferente, levou uns riscos diferentes os nossos, num sabe? os trabalho dela e a gente pelos dela copiou muito ponto. Porque os da gente mesmo que aprendeu com Maria Pastora era muito pouco. Era xerém, tinha o xerém, tinha o dois dois, tinha vassourinha, tinha abacaxi pequenininho não era torre, tinha uma cianinha que ninguém nunca fez mais que quando eu aprendi as outras essas ficou, que era esses pontinho bem besta, e dois e um dentro. Os pontinhos era esses bem pouquinho e com esses pontinhos mesmo a gente fazia colcha e toalhas tudo, que aparecia muita encomenda, muita encomenda, com esse pouquinho de ponto a gente foi…
Aí quando Maria Amélia levou, aí mudou pra gente fazer aquela malha que tem aquele pitoquinho, ensinou a gente a fazer o dois amarrado, e muitos outros pontos que ela ensinou e depois disso a gente mesmo foi inventando, e foi botando no comércio, hoje tem muita qualidade de ponto. Mas no começo não era não, era bem pouquinho e ela que fez isso esse pontinho.
Aí já foi aparecendo os atravessadores
E com linha 20, singer de carretel e Maria Amélia apareceu com a linha mercê crochê, aí a gente mudou pra linha crochê aí foi muito bom. Esse lacê que a gente usava vinha do Rio, era da Hipur (?) o lacê não era daqui não, o lacê daqui não era da hipur e vinha do Rio. Foi muito complicada a renda da gente pra chegar o ponto, aí depois de muito tempo, aí já foi aparecendo os atravessadores, foi fazendo também, né? Aí tinha Consuelo que também trabalhando, arranjando, mas tudo com as pessoas que eu já tinha ensinado, num sabe?
Aí elas já pegaram o bigu da gente que sabia.
Quem desenhava os nossos era Dona Áurea, ela desenhava e fornecia todo o material e as encomendas, quer dizer que quem botou a renda no comércio foi Dona Áurea, né? Porque por a gente mesmo não sabia, né? Mas ela que botou a renascença no comércio. Depois de velha ela foi simbora morar no Recife, eu fiquei continuando ensinando aqui.
Ensinei a muita gente nesse mundo aí de meu Deus
Ensinei a muita gente nesse mundo aí de meu Deus. Homem era muito pouco, era muito pouquinho homem, os homens tinham aquele preconceito e não queriam não, num sabe? Ma teve uns dois ainda que aprendeu, mas já com as que sabia fazer em casa, não foi na minha escola, na minha escola eu não ensinei a nenhum homem não. Naquele tempo tinha muito preconceito, né? Mas já uns dois ou três fazia escondido pra ninguém saber.
E assim passei minha vida todinha… hoje eu tô com noventa anos, eu devo ter começado com uns 12, tem setenta e tantos anos, né? que eu trabalho com essa renda.
(aposentou-se) como professora, do quadro daqui. E me aposentei com sessenta anos de idade, até hoje tô aposentada, mas continuo na mesma vidinha de sempre. Trabalhando pra mim, e se não… de trabalhar, fazia pra mim também. Ensinava e trabalhava pra mim também.
Eu vendia, já tinha minha freguesia era diferente, os dela eu fazia pra ela e os meus eu vendia pra mim. Porque era muito trabalho naquele tempo, era muita coisa. Eu trabalhava muito. Tinha noites que a gente com trabalho vexado, tinha que entregar, trabalhava a noite todinha com esses candeeirinho ali ó… A luz se apagava de dez horas lá em Poção, aí, a gente tirava a noite todinha no candeeirinho desse, fazendo renascença pra entregar.
Esse começo foi muito difícil
Quando começou era em cima da mesa, tudinho tinha uma mesinha desse tamanho e ali a gente trabalhava ali, aí com o certo tempo, mudou tudo, né? Aí fizemos esse rolo e foi melhor. Mas já depois de muitos anos, a gente trabalhava em mesa, pra alinhavar tudo, tudo na mesa.
Tinha o risco pra elas aprender, eu ensinava elas a alinhavar, que aquele primeiro alinhavo. Primeiro tira o risco no papel de seda, depois alinhava o lacê naquele risco, e depois vai tecer. Aí, cada uma vai fazer num paninho, aprendendo a fazer. Qundo já sabia fazer era que passava pra trabalhar nas encomenda, aí continuava. Quem tinha muita coragem fazia colcha de 3 metros, colcha eu nunca quis não. Eu nunca quis fazer trabalho grande demais não. Eu fazia muito assim… toalha redonda, lençol de vira, passadeira, essas coisa, mas mermo colcha e toalha eu nunca quis. Que é grande demais, menina. E o sacrifício? Pra você fazer aquele trabalho você fazer aquela partezinha que trabalhava, terminava aquela partezinha cobria com o papel, pra não se sujar, porque a gente lavava a renascença não, a gente fazia entregava ela bruta. Aí tinha que ser bem alvinha, na bacia ali com sabão e limão pra gente limpar ali de instante instante lavando as mãos pra não sujar. Quando terminava que a gente arrancava tava bem alvinha aí a gente rematava e vendia. Aí com muito tempo, muitos anos já, eu já morava aqui em Pesqueira foi que apareceu esse negócio, fazendo teste,lavado e engomado, aí deu certo e ninguém queria mais sem lavar e engomar não.
Aí começou, tinha uma mulher aqui que fazia direto, só fazia isso, lavar e engomar pra gente. Aí, todo mundo se acostumou com a linha engamada, mas antes não era não, antes era bruto.
É, minha filha, o negócio foi sério, esse começo foi muito difícil, hoje tá muito fácil.
Nessa época o povo não se interessava muito não, não ligava muito, não. Muita gente lá em Poção mesmo quando a gente começou o povo nem…não ligava muito não. Agora também não sei qual foi o ano, não sei nada. Agente era tão besta, abestalhada, sabia de nada não, visse?A gente completa ano sabe lá quando era que completava, nem nada, não tinha aniversário, não tinha nada.
Era muito difícil, e até hoje continuo trabalhando.
Meus filho homem não sabe nem o que é um pano de bandeja
Tive três filho homem, e meus filho homem não sabe nem o que é um pano de bandeja, eles não sabe, que eu nunca liguei pra ensinar. Eu criei uma filha, eu criei uma menina, nunca ensinei a ela.
Porque eu digo: “você vai querer ficar fazendo, isso é um negócio que não tem futuro”, menina, você trabalha pra morrer o dia todinho e não arruma cinco reais, você passa a semana todinha pra arrumar 25 30, trabalhando, não é pra dizer é um pedacinho, não, é trabalhando de manhã à noite. Pra arranjar cinco reais por dia, aí, nem a ela eu nunca ensinei que eu não queria que ela continuasse fazendo, não. Que era muito sem futuro e é. É bom pra quem revende, mas pra quem faz… Faz porque gosta e não tem outro meio de vida se assujeita, né? Agora, pra quem revende é. Que vive melhor, né? Mas pra quem faz a mão-de-obra mesmo… não é nada.
De uma época pra cá tá tão fraco
É porque a pessoa se vicia, né? e acha bom e não tem outra coisa. No começo o povo não dava muito valor não. E pensa que naquele tempo aparecia alguém pra fazer uma pesquisa, nem pra dar valor a gente? não.
Hoje em dia é outra coisa, todo mundo adora, todo mundo quer fazer pesquisa, é estudante pra colégio, pra essas coisas, é tudo… Faz essas pesquisas pros colégio, pra tudo.
Valoriza, né? Poque hoje tem muito valor, agora mesmo não, agora mesmo tá muito fraco, caiu muito, num sabe? Porque antigamente o povo trabalhava mais e a renscença tinha até um precinho melhor. Mas de uma época pra cá tá tão fraco, aí o povo vai perdendo muito, né? De fazer, porque não tá tão bom não. Aí o povo tão fazendo esses levantamento tudo pra ver se melhora a situação, né? Mas não tá como era antigamente não.
Tem pra quem vende. Pra quem faz não tem não
Antigamente tinha mais. Antigamente tinha uma feira de Poção dia de sábado, a feira da renascença era lá em Poção, o povo todinho de fora comprar lá em Poção dia de sábado. Acabou-se não tem mais. Tem aqui na quarta-feira, aí, já o povo de Poção já vem pra feira daqui, que lá não tem mais o povo deixaro.
Lá eu quase que não vendia, nera? Porque meus trabalhos eram tudo de encomenda, aí eu não fazia pra feira não. Porque meus trabalho era de encomenda,mas muita gente fazia. Muita gente já sabia fazer, já fazia por conta própria, aí vendia na feira, mas eu não vendi muito na feira, não, porque toda vida eu trabalhei por conta própria.
O pessoal sabia vinham o pessoal de todo canto encomendar, fazer encomenda.
Eu mesmo fazendo, era que a gente não fazia coisa grande. Mas eu recebia as ecomendas de grande, de todo tamanho. Recebia todo tipo, agora eu mesmo fazer trabalho muito grande eu nunca gostei não. Mas eu recebia todas as encomendas. Tudo que mandavam fazer a gente fazia. Aí, vinha aparecendo aquele pessoal que tinha comércio pelo mundo, vinha, fazia as encomenda e a gente desenhava, fazia e entregava da data certa.
Dar valor porque não tem outra coisa pra fazer. Porque quem tenha futuro pra quem faz tem não. Tem pra quem vende. Pra quem faz não tem não.
Porque se a pessoa fizer, hoje você manda uma menina ali fazer um mandadozinho, né? É três, quatro, cinco reais porque paga, né? A gente passar de seis da manhã a dez da noite trabalhando e não arrumar cinco reais… é vantagi? Né?
Passar a semana todinha pra arrumar vinte e cinco reais, trinta? trabalhando? não é. Agora quem vai vender vende todo tipo, né?
Vendiam bem, vendiam lá fora porque era de tão conhecido, que hoje já tá muito conhecido renascença, né? Mas nessas época não era muito conhecido, aí, vendia trabalho bem vendido. Que a renascença, o material subiu demais e a renascença em vez de subir, baixou. Tá mais baixa do que antigamente, porque o povo não acha… quer vender aí se assujeita. Porque tem coitada, meu deus, que vende uma pecinha, eu acho que só dá pra tirar o dinheiro do material, mas precisa, né? Tá precisando faz.
Eu só me sustentava porque toda vida eu sempre negociei, tinha minhas freguesas, né? Aí eu pegava um preço melhor. Pagava por menos e aumentava o meu lucro, que também meu marido trabalhava não era só, eu viver só dela, né? Mas eu mandava fazer pra mim e vendia no comércio. Tinha muita freguesia por todo canto. Minha peças vendia.
Poção e Pesqueira
(Tive) Meus (três) filhos, esses três e essa menina que eu criei, que mora em Petrolina. Me casei com ele (marido) com 27 em Poção. Eu ainda vivi 46 anos com ele, ele faleceu.
Casei em Poção e vim mimbora, praqui em 55. Quer dizer que eu sou Poção e Pesqueira, né? e meus filhos é tudo aqui, que nasceram. Porque Poção era distrito de Pesqueira, quer dizer que é a mesma Pesqueira, né? Aí, meu documento ainda é de lá de Poção.
Quando eu cheguei quase ninguém sabia renda
Quando eu cheguei quase ninguém sabia renda. E eu passei muitos anos ensinando aqui e o povo não era tãão interessado não. Eu ensinava ensinava, mas o povo não tinha aquele entusiasmo pra aprender não. Aí, depois com a continuação do tempo foi tendo muita encomenda, muita coisa, o povo foram chegando-se mais pra renascença, mas logo nos começo não tinha muita gente, não. Não era demais, não.
Porque foi fracando lá em Poção e por aqui foi tendo, muita gente aprendendo, muita gente tava com mais volume, sabe? Eu sei que terminou tendo a feira de Poção passou praqui. Hoje é aqui.
Organizo pras minhas trabalhadeira que eu tenho um bocado de trabalhadeira que faz pra mim. Eu que organizo, todo dia eu faço, trabalho direto. Chega não dá vontade nem de ir na rua, não é só fazendo rensacença,porque tem que organizar, né? Tem que organizar a renda pra elas fazerem tem que tirar risco, tem que fazer fazer acabamento, tem que arrancar, tudo, muita coisa. E o dia se passa que eu não dou fé.Que eu não gosto de tá em rua nem casa de ninguém, só dentro de casa, se eu parar eu endoideço, né? Aí eu tenho trabalho direto.
Vem muita gente, minha freguesia, minhas trabalhadoras também, né? Vem trazer trabalho, vem levar, vem pegar outros. É… trabalho o dia todo.
Eu tinha muita agora tô diminuindo, porque a renda tá mais fraca como eu também não tô querendo fazer tanta coisa, não né? Porque pra minha idade também, né? Muitas vem me encomendar e eu dou as minhas amigas, passo a encomenda pra elas. Que é muito complicado encomenda, né?
Gosto de fazer as peças pra mim, porque se vendeu vendeu, é minha né? Eu não tenho aquele compromisso de entregar no dia essas coisa. Aí eu tenho minhas trabalhadora.
Eu dou risco, o material dou linhavado, linhavo, e elas só faz tecer. Já dou o trabalho pronto, linhavado, boto lacê tudo, e elas fazem quando termina elas traz no linhavo também, eu aqui é quem arrumo, quem remato, tudo. Arrancando tudo, aquela peça, aí, vai fazer o acabamento tudinho, onde passou o lacê, aí, faço pouca renda até… Porque eu faço mais essas coisa assim.
Eu tô fazendo com colorido
Sempre eu fiz, mas pouca, mas agora eu tive umas ideias aí… Aí pensei em fazer, só esse ano é que eu tô fazendo com colorido. Porque eu fazia assim vestia de cores, né? Toda cor de vestido, branco, bege, preto, blusa, essas coisas misturava muito, mas assim colorido com muitas cores eu inventei esse ano.
Sei lá.. Eu fiz a primeira peça e achei bonita, aí, fiz vestido longo, fiz vestido curto, fiz blusa,num instante eu vendi. Uma beleza. Se eu tivesse feito muito da renda colorida… Porque é uma novidade, né? Que a gente tem que ir criando também, não pode ser só, uma coisa só toda vida, não, tem que criar, tem que vim na mente também, pra não mudar, pra não ser uma coisa só. E assim, levo tempo.
Quem apareceu com essas coisa colorida fui eu, às vezes ela faz uma pecinha assim, duas cor, ou… mas colorido com muita coisa assim como eu fiz não. Só tinha eu mermo, d’agora por diante eu acho que vai aparecer, né? Porque viram as minhas, mas até agora não. Porque é muito ruim esse colorido, muito variedade de linha e linha cara do jeito que tá, né? a de cor. A branca não. A branca tá de seis reais, mas a de cor tá por doze. Nem todo mundo pode fazer, né? Porque não pode fazer, tá comprando tanta linha, porque a peça fica cara e quando vai vender o povo num dá valor, né?
Tem. Na manchete, né? tem uma fábrica de linha e tem a de lacê. Lacê em Poção tem uma, tem duas em Poção, duas fábricas que faz o lacê. Essas que era da HIPUR que vinha de São Paulo, aí essas é que não faz mais.
Banca de confeito
Às vezes eu começo depois deixo. Teve um época que eu tava meia deprimida assim, eu não botei uma banca de confeito aí do lado de fora? Oxe! Passei um bocado de tempo, achava tão bom, passava o dia todinho o povo conversando aí mais eu. Um passava, outro passava, oxe, eu num melhorei?! aí depois fiquei boa não quis mais não. Aí meu marido não queria nem ver, ele não chegava nem perto da banca com vergonha. Porque eu tava nessa banca, eu não tinha um tico, nem me incomodava, oxi era…
Eu achava era bom… porque eu passava o dia todinho conversando mais o povo e os meninos aqui da escola tudinho me aperriando, e comprando confeito e comprando isso… oxe, era uma distração,né não? Ainda tem menino que ainda hoje me deve.
"vai fazer que tu sabe!"
Ave maria, gosta demais. Muita gente gosta, muita gente que vem de fora, porque aquela feira (FENEART) vai muita gente de fora, né? Que não conhece muito, mas é pechinchado demais. Que dizem: “eu vou pra Poção, eu vou pra Poção que lá compra de graça”. Muita gente que faz isso. Acha que aqui é de graça renascença. Que se vinher pra feira de quarta-feira é barato, né? Agora é assim, você compra aquela peça, se você não conhece da renda, né? às vezes tá tronxa, às vezes tá grande de outra vez tá graúda.
Quando vem pechinchar, eu digo, ô minha filha, Não teve uma essa semana lá na feira… Eu tava com um vestido, não era longo, mas era longuete, né? que chama, quase, bem feita, tão bem feito, eu botei ele no manequim por mil reais, eu botei no manequim, né? ….. um vestido branco. Aí passou uma camarada olhou assim: “vixe, por mil reais, será que é algum fio de ouro?” eu disse: “vai fazer que tu sabe!” (risos) “Tu não fazia pelo triplo, não fazia!”
Porque não é brincadeira não, menina, você passar o dia todinho num pedacinho desse tamanhinho. “Vai fazer danada, pra tu vê!” Passar dois três mês pra fazer um vestido.
Não dá valor, muita gente não dá não, muita gente dá, mas muita não dá. Muita gente não dá valor a artesanato não.
Um bruto, a comida bruta: feijão, farinha, arroz, essas coisas. A pessoa chegar ao ponto dele tá no ponto de fazer, a pessoa já tem gasto tanto pra chegar aquele ponto, quando vai vender não tem esses valor. Se for mais caro o povo reclama, não é? Mas você faz uma plantação de feijão ou de milho, três meses esperando por aquilo, ali tem o feijão que plantou, tem duas limpa daquele feijão, num é? Depois tem arranca do feijão, depois tem o bater do feijão, sacudir aquele feijão pra depois ensacar, quando você vai vender o povo acha um absurdo, eu não acho. Porque eu já sei o que é agricultura não há, porque sei o trabalho que dá. Farinha? Farinha dá um trabalho tão grande de fazer farinha! Hoje não porque tem muita máquina hoje já mudou muito.
Eu digo, minha fia se você soubesse o trabalho que dá aqui você não pedia nem diferença. Pagava muito mais, porque a gente pra fazer uma peça dessa trabalha, trabalha, né brincadeira não, puxa linha, ninguém dá valor né? é assim mesmo., tá bom. Tá bom demais. O pouco com Deus é muito e o muito sem Deus é nada.
Eu sou assim
Fui demais demais, adoro que eu conheço muita coisa, muita gente dá valor a mim, ave maria, nessa feira da feneart eu sou tão querida. Só queria que tu visse!
O povo me admira tanto tanto, pela minha idade ainda tá enfrentando essas coisas. É tanta gente a me abraçar, me beijar, viu? É homem, é mulher, é rapaz, é toda qualidade. Mulher, é tanto beijo, meu deus. E foto foto foto, eu tenho foto até no inferno dos queijos, todo canto eu tenho retrato. “Deixe eu tirar um retrato com a senhora” “tire, minha filha”
Eu sou assim, né? eu gosto de brincar, eu gosto de dançar, eu gosto de festa. Tudo entendeu? Olhe, tá vendo, eu tenho retrato que só a gota por aí. Tudo de carnaval, de fantasia. Gosto de carnaval, São João…