Gabriela, 29 anos

Gabriela

Gabriela mora no pezinho da Cidade Alta, em Olinda, mas já viajou e viveu muitas histórias. É uma mulher que ama o que faz, mas que não deixa de ter os pés nos chão, encarando a realidade e buscando no bordado um caminho de construir sua história de vida.

Nos encontramos com Gabriela, em Olinda, na ruela que dá acesso à sua casa. Sob a atmosfera olindense, ela nos recebeu em sua casa-atelier, que também recebe alunas para as suas aulas de bordado. Ela nos relatou sua jovem trajetória com um sorriso cativante, nos recebendo de braços abertos para uma conversa regada a risadas, histórias de viagens que dão sentidos à sua caminhada com a costura, o bordado, a moda e as descobertas de ser mulher. Nos contou sobre sua relação com Bah (tia avó ― era costureira e bordadeira) e a sua admiração pelo irmão João que lhe deu uma “base mental-cultural”, como ela mesma relata. A gente se despediu de Gabriela ao som de uma orquestra de frevo, que ressoava pelas ladeiras de Olinda.

(Conversa realizada em maio de 2022)

Narrativa

COISAS DIFERENTES

Sou recifense, mas atualmente moro na cidade de Olinda, cidade vizinha. Moro no pezinho da cidade alta, uma delícia, eu amo morar aqui.

Minha infância lá em Recife, eu já me manifestava artista desde criança, sabe? de tipo, ah, sempre gostava de fazer as coisas diferentes, de vestir umas roupas diferentes, já pirralha queria comprar calça com franja na C&A. Eu sempre tinha esse chamado.

E, na minha adolescência, eu mantive minha arte na escrita. Pronto, da infância até o momento em que eu voltei pro têxtil, ou que eu comecei no têxtil né? eu só escrevia, eu escrevia música, eu escrevia poesia, minha maneira de manifestar era toda na escrita.

Minha mãe e meu pai tinham famílias bem diferentes, né? Meu pai é filho único, então minha vó e minha tia vó que é Bá. Ela criou meu pai e ela era costureira e bordadeira. E aí, meu pai tinha uma conexão muito forte com ela porque, né? foi ela que criou ele. Minha vó ia trabalhar como doméstica e Bá que era a costureira e a bordadeira criava meu pai em meio às costuras.

Quando eu fiquei criança, né? que comecei a ir demais pra lá [pra casa da avó], eu comecei a ficar muito sintonizada com Bá, porque, Bá criou papai e eu já era muito apegada a meu pai, então meio que rolou essa sintonia eu e Bá.

Ela fazia de tudo, gente, ela fazia de bordado: ponto pétala, nó francês, ela bordava de tudo, ela costurava de tudo. Ela fazia bordado em linha, bordado em fita, ela fazia uns canudinhos de papel e colava tudo e fazia umas caixas [mostra a caixa] aqui eu guardo minhas agulhas hoje em dia.

Bom, e aí quando eu era criança e ficava lá com Bá, eu dizia sempre pra Bá: ”Bá, tu vai me ensinar quando eu crescer!”, eu tinha sete, oito anos, eu não tava querendo costurar e bordar, tava querendo brincar bastante. E aí, aconteceu que Bá faleceu quando eu tinha 10 anos. Aí não deu tempo dela crescer e me ensinar, né? Não em vida, na matéria, porque eu assim, eu realmente chamo ela pra cá, todos os dias quando eu vou começar a trabalhar e eu sei que nos trabalhos difíceis ela me ajuda a pensar.

POR CAUSA DE JOÃO

Tenho uma mãe chamada Selma, que é uma técnica em enfermagem, uma mulher maravilhosa, que criou os dois filhos praticamente sozinha porque meu pai teve um problema com alcoolismo e então ele negligenciou bastante a família, e quem ficou responsável por cuidar de mim foi minha mãe e meu irmão que é sete anos mais velho que eu, que é meu irmão João Gabriel. Homem maravilhoso, formado, pós-graduado em geografia, professor. E, ele que foi o cara que me botou no caminho político, assim de enxergar as coisas, a realidade.

Eu posso dizer que a base de tudo que eu sou hoje foi muito por causa de João, foi ele que me ensinou as coisas. Cultura, mesmo. Minha infância foi minha mãe lutando ali, e meu irmão, que era quem cuidava de mim, quem ficava em casa cuidando de mim, e me dava uma base mental, cultural.

FASHIONISTA

Em 2013, eu fiz um curso de corte costura no Senac, um curso de três meses, todo santo dia das seis da tarde até às nove da noite. Só que ali eu era uma menina cheia de ideias, eu era mega fashionista, eu tinha feito esse curso pra fazer roupa pra mim e quiçá talvez uma marca. Nessa época eu tava esperando minha segunda entrada na Federal [UFPE] que eu tinha passado no curso de Letras, em licenciatura em literatura espanhola, que me serviu depois né? que não me formei, mas viajei e hablé mucho español (ri). Fiz até o quarto período.

Porque eu trabalhava, eu era social mídia, quando esse termo nem existia, eu era social mídia em um brechó. Se chamava Brechó Vintage Modas. Na época era Facebook. Nessa época eu só pensava em futilidades, eu só queria fazer as minhas roupas para ser a mais estilosa, não era uma coisa genuína mesmo, de ‘quero aprender isso’. Era superficial mesmo tanto que nem fluiu, eu passei todo dia e saí sem saber fazer nada.

DESPERTAR ESPIRITUAL

Aí chega o momento do meu despertar espiritual, quando eu tinha vinte e dois [anos], eu tive um despertar, e eu comecei uma busca muito intensa pela minha espiritualidade e onde tava Deus em mim. Entrei numa coisa bem intensa que me levou ao resgate da ancestralidade. Eu comecei a tomar medicina [ayahuasca]. Eu comecei a sacar várias coisas assim, né? que tava dentro de mim, que eu já carregava e que tavam querendo se manifestar fazia tempo e que eu tava sem entender e a costura é uma delas.

Aí eu pensei, eu já tinha começado a tomar medicina e eu já queria outra vida. Eu comecei a tomar medicina, no Xamanismo, e logo em seguida entrei no Santo Daime e sou do Santo Daime até hoje – E aí eu comecei a querer outras coisas. Então shopping não tinha mais a mínima conexão comigo.

Aí uma menina me falou “Gabi, olha tem um trabalho numa paleteria mexicana, vender picolé, fazer uma propagandinha e tal” eu já trabalhava na Chili Beans antes e ela falou vai lá nesse lugar que eu já te indiquei, tipo a vaga é tua e tu vai pra lá. Aí eu falei: “Rola de ficar quatro meses e depois sair?” Aí ela disse: “rola”. Aí com esse dinheiro eu vou comprar uma overlock e uma máquina reta porque era o chamado da costura primeiro. Tipo, eu dizia pra Bá que eu queria aprender a costurar , eu tinha essa ideia da costura como algo que eu podia fazer, porque eu sempre fui muito ligada em moda, então eu tinha muita criatividade, a galera sempre elogiava meus looks…

Então eu pensei, “mano, com uma máquina de costura eu vou arrasar, eu vou fazer várias coisas massas e com a minha história com a minha mensagem”, porque a partir daí eu já tava bem ayahuasqueira, e já tava na ideia de passar a mensagem mesmo. Tipo, mano, a galera tem que saber qual que é porque o bagulho é louco e tá todo mundo aqui… eu tava perdida, vendada e a espiritualidade abriu os meus olhos sobre muita coisa inclusive sobre a minha ancestralidade e sobre o que eu carrego comigo enquanto mulher.

Eu tive esse despertar e nesse despertar eu comecei a fazer os questionamentos básicos: ‘Por quê a gente mora pra sempre num lugar?’, ‘Por que a gente não pode sair?’ Por que a gente não pode tentar outra coisa? ‘ Por que tão dizendo pra todo mundo seguir o mesmo caminho?’ Dizer vai pra faculdade X, faz o curso X. Então eu comecei a questionar muito forte isso, sabe? E eu vim de uma família pobre, então o sucesso que mostram pra gente eu via muito longe de mim.

MOCHILANDO COM MINHA MÁQUINA

Sobre andar eu andei bastante, com a minha máquina de costura. Primeiro eu fui pro Estado de Goiás e morei na Chapada dos Veadeiros durante nove meses, e depois eu empreendi uma viagem assim, de autodescoberta mesmo, e de sentir que poderia viver de arte e foi quando eu decidi sair do país, mochilando e com minha máquina. Então, eu passei um tempo no Uruguai, depois eu passei um tempo na Argentina, depois eu passei uns dias na Bolívia e depois eu passei um tempo no Peru. E, depois, o tempo maior que passei foi nove meses no Deserto do Atacama, no Chile. Isso foi de 2017 até o final de 2019, foram quase três anos aí viajando.

Tudo começou na Chapada dos Veadeiros, né? e eu fui com minha primeira máquina de costura que era uma Singer pesadíssima, só que era a coisa que eu sabia fazer, né? “o que que eu sei fazer que eu posso me virar em qualquer lugar do mundo?” costurar!
Eu já bordava, mas o foco mesmo do meu trabalho era costura. Eu usava bordado como detalhe nas roupas nas peças que eu fazia.
Até que eu vi que simplesmente tinha gente que viajava o mundo com suas artes, aí, eu falei “cara, eu quero fazer isso também”, vou voltar pra Recife, vou tirar um passaporte porque eu pensava “o céu é o limite”, então é melhor eu sair logo de passaporte porque eu vou pra onde os caminhos se abrirem.

"HOLA, SOY GABRIELA DE BRASIL, QUIERO CANTAR UNA CANCIÓN"

E aí, eu investi, vendi a máquina antiga que era de ferro né, gente? e eu carregava minha mochila, meu ukulele, e uma máquina de ferro de sei lá, 10kg. E fui ganhando dinheiro no caminho, eu saí com mil reais e pensava “no caminho eu vou fazendo mais”.
Ukulele é um instrumento musical, né? que eu tenho uma ligação muito forte com a música também,é outra arte que pulsa no meu coração. Então eu ganhava dinheiro com os dois. Eu tocava e quando eu tava com coragem, e quando eu tava muito lisa.Eu sempre fui bem empreendedora de saber o que fazer pra ter a grana mesmo. Só que tinha horas que não vendia, véi, que não é toda hora que a gente consegue vender.

Aí, eu tinha que ir num restaurante e dizer “hola soy Gabriela de Brasil quiero cantar una cancion”. E, aí, eu conseguia algumas moedas e voltava pra o lugar onde eu tivesse alojada e comprava comida e comprava as coisas que precisava e seguia costurando e bordando como adorno da minha peça.

URUGUAI E ARGENTINA EU VIVI SÓ DE RETALHOS

Bom, quando cheguei no Uruguai, a mãe de um amigo era costureira, então ela já me deu um saco cheio de retalhos, aí eu “massa, vou me virar com esses retalhos e com o dinheiro deles eu vou comprando outros tecidos”. Só que acabou que, assim, Uruguai e Argentina eu vivi só de retalhos, eu comecei a dizer pra galera: “ó, se tu tiver uma calça aí que tu não use”, enfim, comecei a fazer trabalhos de Upcycling sem nem saber do termo ainda, eu sabia que eu tava reciclando, claro.

É TIPO MAMITA MESMO, SABE?

Até que eu cheguei no Peru, né minha gente, vixe! Tudos e tudos com relação a tecido lã, linha, de eu ficar “meu Deus, eu vou criar o quê?!”. E aí, no Peru, o que aconteceu, sabe essas faixinhas Andinas? Essas faixitas são feitas à mão, as mamitas ficam lá trançando isso aqui [mostra uma peça], e elas vendem bem baratinho, tá ligado? Um metro disso aqui [mostra a peça] é quatro soles, que é um pouco mais de quatro reais, tá ligado? e elas passam tipo um time fazendo, sabe? E aí, eu comecei a unir isso às minhas peças, eu comecei a fazer bolsa tiracolo, as tabaqueiras, as cartucheiras. Eu fazia a base do tecido de jeans e botava o tecido andino, né? Então, ali naquele momento no Peru foi maravilhoso e eu ainda consegui trazer pra cá.

[eram] Majoritariamente mulheres [que faziam as peças]. No Peru, eu morei em Cusco mesmo, né? universo paralelo. Cusco é uma coisa assim, onde eu morei que é Pisac, é um lugar assim, bem tradicional, onde todos falam Quechua.
E, todo mundo que eu vi tecendo, gente, eram mulheres. Os homens estavam cuidando das ovelhas, estavam cuidando das plantações de favas, que eram muitas plantações de fava onde eu morava. Eu via elas tecendo, inclusive, uma vizinha nossa, ela sentava no quintal e ficava lá ó, sentada tecendo e assim, caracterizada, não é com uma roupa normal assim, é tipo mamita mesmo, sabe? Saião, tal, a lhama do lado assim, sabe? aquele cenário peruano clássico, característico, bem forte mesmo assim.

Os meus produtos eu vendia para gente de fora. Eu não vendia em feira, eu morava numa casa medicina, eu morava num lugar que recebia pessoas diferentes o tempo inteiro.

GOSTO DE BEBER DE VÁRIAS FONTES

Só que eu gosto do conhecimento, eu gosto de beber de várias fontes e me aprofundar nos assuntos. Então na universidade a gente faz isso, e na vida também a gente faz isso, viajando a gente também faz isso. Se tratando de espiritualidade, viajar é uma das maneiras mais “batata” de se aprofundar na espiritualidade, porque é se jogar sem garantia de nada.

Eu fiz uma formação como terapeuta em frequência de luz, que é uma terapia energética que é de harmonização dos corpos sutis. Essa terapia, essa formação, foi uma formação de oito dias, onde eu fui passar oito dias num retiro e lá eu tinha aulas o dia inteiro e a noite, foi quando fomos iniciados na medicina ayahuasca, fazia parte da vivência dessa formação o trabalho com a ayahuasca e foi lá que eu conheci a ayahuasca. Isso foi em 2015.

Depois dessa formação eu fiz meu primeiro Vipassana que é um curso de meditação onde você passa dez dias em silêncio, meditando 11 horas por dia. Em 2016, eu fiz outro desse, fiz novamente esse mesmo curso. Em 2017, fui pra Chapada, nada de curso com certificado, mas eu morei num lugar onde promovíamos, onde o dono da casa é um terapeuta de desenho humano que é uma ferramenta de autoconhecimento, então a gente tinha aula e ele recebia gente do mundo inteiro que dava aulas de outras coisa. Fiz outro de meditação, o terceiro só que em Córdoba na Argentina, em 2018. Final de 2018 fui pro Peru, saí de lá em 2019, fui pro Deserto do Atacama, voltei pra cá.

NASCEU A CAMINA

Porque eu voltei não foi pra ficar não, eu voltei pra criar minha base real.

Voltei pra casa cheia de ideias e veio esse negócio [a pandemia do covid 19] e me deixou presa aqui, nessa realidade, na casinha minúscula da minha avó. E, eu entrei num conflito ali, só que Graças a Deus eu consegui manter firme a ideia que eu tive antes de sair de lá [do Deserto de Atacama, Chile]. Quando eu decidi voltar eu pensei: “eu não vou voltar a toa, não vou voltar, tipo, aceito isso aqui”. Eu vou voltar com um projeto e esse projeto vai permitir a minha liberdade financeira e geográfica. E foi aí que nasceu a Camina.

Que não tinha nome ainda, antes de eu voltar. Nem tinha nome e a ideia era outra totalmente diferente. Eu continuava no plano Gabi costureira feat bordadeira. Tipo, eu era costureira e o bordado era o meu diferencial. E o que eu planejei: “eu vou me aprimorar no bordado pra que eu consiga fazer bordados mais elaborados nessas peças de roupas e é aí que eu vou estourar”. Esse foi o plano.

Aí, para isso eu precisava estar no digital. Durante a viagem eu era alheia às redes sociais. Hoje em dia, eu estou todos os dias nas redes sociais. Nisso, veio a pandemia e veio os estudos de marketing digital, porque eu entendi que pra eu chegar onde eu tava imaginando o digital ia ajudar bastante, porque nele tem essa possibilidade da expansão, porque eu tô aqui, mas gente do mundo inteiro pode me acompanhar, pode me ver e pode me encomendar o que eu faço.

SOMOS MUITO MAIS QUE UM CORPO

Quando eu voltei pra cá eu fiz desenho de moda na Unicost, que é a Universidade da Costura que fica ali na Boa Vista [bairro do Recife], porque eu tava com a ideia fixa de ser estilista e eu não aceitava a ideia de ser artesã. Internamente eu ainda tinha coisas da minha vaidade segurando que o título de estilista era superior, era melhor que o de artesã.

Eu ainda insistia que ia fazer roupa e que o bordado ia ser só uma decoração. Só que, gente, o bordado é arte, eu sou artista, eu não sou estilista. A estilista é uma artista, tá bom, mas só que é em outro nível que a roupa, pra mim, né? a roupa consegue expressar até um determinado ponto uma coisa e eu sinto que o bordado ele consegue falar bem mais, pelo menos do que eu quero falar.

O que mais tinha fundo em mim é “Gabriela quer passar a mensagem”. A mensagem de que somos muito mais que um corpo e de que precisamos buscar esse além corpo, digamos assim. Se a gente se harmoniza com esse além corpo, a gente começa a escutar esse além corpo e se identificar com ele também. Quando a gente começa a se comunicar com o sútil, com o que tá nas entrelinhas, a gente começa a adentrar e outras esferas da existência que permitem a gente agregar nisso aqui, na matéria.

O QUE EU MAIS GOSTAVA DE FAZER ERA BORDAR

E eu não consegui encaixar o processo de fazer roupa no que eu tava buscando. Modelar, ir pra máquina, não era o que eu queria tá fazendo pra expressar o que eu tava afim de expressar.

Então, eu pensava que as minhas roupas iam transmitir minha essência, minha verdade, beleza. E através disso aí eu ia dizer: ”gente, olhem mais pra si, tenham mais contato com a natureza” e até então eu achava que era a roupa que ia fazer esse trabalho de levar minha mensagem, só que o processo já me mostrava que não era por aí. Eu comecei a desprender muita energia nesse processo e a entender que não era ele, mas continuei porque a base de tudo é movimento e a gente continua.

Até que eu percebi que a parte mais incrível do meu processo de criação… eu fiz uma blusa. Eu modelei uma blusa, modelei, bordei e costurei uma blusa, aí foi o ápice da materialização. Fiz o que eu tava dizendo: estilista. Modelei, costurei e bordei. Fiz um bordado massa, assim ficou uma peça do naipe que eu queria, só que eu percebi que disso tudo o que eu mais gostava de fazer era bordar.

Aí eu falei: “’cara, se o que eu mais gosto de fazer é bordar eu tenho que bordar”. Tchau modelagem, tchau costura, eu tenho que desenhar e bordar e isso foi uma decisão que eu tomei há uns meses atrás, novembro [2021] de só bordar.

Bom, aí quando vi esse processo dia após dia, meu chazinho, meus desenhos, meus próprios desenhos. Aí quando eu me vi aqui todo dia bordando eu tive vários insights, e vi que caramba finalmente tem alguma coisa que eu amo tanto quanto a música, porque eu vivia num dilema muito grande com a costura, eu por vezes questionava se eu tava no caminho certo porque a música que fazia meu coração vibrar. Porque através das minhas letras eu passava minha mensagem. A música era mais visceral e eu encontrei no bordado essa coisa visceral também e é o que eu sinto no bordado.

RESPIRA E BORDA

Eu tô caminhando pra que esse negócio seja meu sustento principal. Só que aí entra o lance que é a explosão de tudo que eu contei pra vocês aqui. É a semente que foi plantada há oito anos atrás em mim florescendo hoje que é o Infoproduto, que é meu curso de bordado unido com tudo isso que eu contei pra vocês, tá ligada?

Eu já estou fazendo isso na Respira e Borda [oficinas que ela dá], as mulheres vêm pra cá, a gente faz uma meditação, logo após a meditação cada mulher fala um pouco da sua vida, sua história, seu movimento. Os oráculos ficam a disposição, tudo isso são ferramentas minhas de autoconhecimento. Então eu acho válido, eu acho digno passar isso pra outras pessoas.

E começou a vir as inspirações, Clara [Linhas de Fuga] expõe as coisas dela, sabe? faz galeria, vai nos lugares e essa forma eu percebo que é muito a minha porque conta histórias e o que eu quero é contar a minha história, contar a jornada que eu fiz e talvez abrir os olhos de muitas outras mulheres pra chegar ao lugar delas.

É isso que eu quero, eu quero expandir consciência da galera da mesma forma que Eduardo expandiu a minha que foi que me inicio na ayahuasca só que eu não vou expandir com a ayahuasca, eu vou expandir com a arte manual do bordado, que usada como ferramenta de autoconhecimento te leva no mesmo lugar que eu cheguei com a ayahuasca, pronto.

BORDADO LIVRE COMO FERRAMENTA DE RETOMADA DA PRESENÇA

Como eu mergulhei nesse universo aí de professora, então eu preciso estudar, ler bastante sobre o que eu quero passar e quero escrever. Então, eu tento todo dia ler e escrever, depende como está meu dia. E tenho o processo de desenhar, eu sou uma desenhista iniciante e eu tenho que tá desenhando pra fazer cada vez melhor isso, então eu separo um tempo do dia pra desenhar. Isso sempre dividindo com as tarefas domésticas.

Imagem e vídeo é muito importante ainda mais pra o que eu quero fazer no digital que é ensinar, então a ideia é a gente começar a investir em Felipe [o companheiro], em equipamento, em curso pra ele tá trabalhando comigo, na nossa empresa que é dele também. Ele é a pessoa que está no corre comigo, só digo assim é ele e meus pais.

Tem lá “Bordado livre como ferramenta de retomada da presença” [na bio do Instagram], aí a galera faz “oi?, vai me levar onde esse negócio?” então, eu tenho que educar quem tá entrando ali pra entender o bordado como uma ferramenta que pode chegar a ser seu meio de renda, porque eu acho importante dizer isso pras mulheres, sabe? o principal não é isso, mas se elas sentirem que pode ser uma renda extra, ótimo.

Hoje [dia da entrevista] recebi uma mensagem linda [de uma aluna da oficina] dizendo assim “Ah, Gabi, a minha gratidão por você vai ser eterna porque eu finalmente me encontrei”. (chora) Então, vei, depois da última oficina quando todas tinham ido embora aqui de casa eu tava sentindo uma alegria assim que há muito tempo eu não sentia, eu tava saltitando pela casa, eu tava muito feliz, em altíssima vibração e isso porque eu to começando finalmente agora depois de oito anos, a fazer o que eu senti que eu deveria fazer lá atrás, mas que talvez eu não tivesse a maturidade ainda.

Porque desde o meu despertar eu comecei a querer trabalhar com cura, eu fui atrás de curso de reiki, curso de frequência de luz, né? Eu entendi que tava em mim esse trabalho da curandeira, de trabalhar ajudando as pessoas, no desenvolvimento pessoal de outras pessoas lá no começo, eu tinha 22 anos.

SENTIR QUE EU TÔ TRABALHANDO COM CURA ATRAVÉS DISSO TÁ ME REALIZANDO MUITO ENQUANTO SER HUMANO

Só que tudo isso me mostra que oito anos depois eu tô conseguindo realizar isso, dessa forma que eu jamais imaginei, simplesmente porque eu me entreguei aos caminhos da vida e eu tinha certeza sempre que tudo que eu tava fazendo me levaria a um lugar verdadeiro.

Sentir que eu tô trabalhando com cura através disso tá me realizando muito enquanto ser humano, muito muito. Ela mandou vários áudios e no último ela falou isso, né? Uma mulher de 53 anos me falando que finalmente que ela se encontrou em algo que é o bordado. Pode ser uma frase eufórica, do início, mas tá ali a semente.

Bordado na minha vida entrou em 2016, ponto haste, nó francês, um detalhe, um num sei quê e só agora eu comecei a expandir, a desenhar e falar o que eu queria através do bordado. Cada uma tem seu caminho. Aí eu respondi pra ela “agora o crescimento dessa plantinha só depende de você, a semente tá aí”.

Aí tô trabalhando intensamente meu primeiro curso, ele se chama “Desperta, artista têxtil” e ele é curto, são quatro aulas, ao vivo pelo Zoom.

MOMENTOS DE CRISE

Vê só, a primeira vez que eu entrei em contato [com o bordado] foi em 2016, eu tinha descoberto um HPV, e foi uma barra, porque o tratamento é com ácido num posto de saúde lá nos Torrões. Eu acho importante explanar isso, tá gente?

Aí eu entrei nesse tratamento com ácido muito fragilizada, fazendo a ginecologista de psicóloga, quando passou dois meses nenhuma tinha caído. Ela olhou pra mim e disse “Gabriela, teu problema aqui não é mais físico não, é mental agora, tuas verrugas não vão cair. Eu preciso que tu faça alguma atividade que te tire desse lugar de culpa, de desespero, de vergonha você vai fazer Yoga no SIS [Sistema Integrado de Saúde]”.

Aí, já vinha um pensamento de muito tempo de vou aprender a bordar pra botar nas minhas peças, aí nesse momento aí o bordado veio. Eu entrei no youtube e coloquei “Bordado”, aí a primeira coisa que apareceu pra mim foi “Clube do Bordado”. Aí, eu fiz minha primeira bolsa bordada, aí fiz uma flâmula.

Mano, caiu em duas semanas pra vocês verem como é a mente da pessoa, minha gente. Dois meses com ácido não tinha caído nenhuma.

A segunda entrada do bordado na minha vida foi na pandemia. Na pandemia eu enlouqueci, porque tinha voltado de quase três anos de viagem que tinha vivido coisas muito incríveis e de repente me vi novamente no Detran [bairro do Recife], na casa da minha mãe, sem perspectiva. Aí eu comecei a sentir umas dores de cabeça muito fortes, muito fortes.

Nisso eu tava começando a estudar outras coisas do bordado. Eu tava afim de querer entrar nessa coisa de bordado mais desenhadinho [mostra um bordado escrito Fé, desenho e curso de Pita Melo], eu tava fazendo meu primeiro curso.

Nisso quando eu fui pra restauração o neurologista me examinou e falou que queria a tomografia. Quando saiu o resultado ele disse, “olha essa tomografia não foi esclarecedora não, a gente precisa de uma ressonância magnética, ela vai ter que ficar aqui internada na Restauração” . Foi aquele baque pra minha mãe e pra mim também, né gente? Corredor da Restauração, bem difícil. Pior lugar, não desejo nem pro meu pior inimigo, né? Aí graça a Deus eu tenho amigos, resumindo, ela [Maiara, uma amiga] conseguiu um leito pra mim. Eu fui pra um quarto, no segundo dia fiquei lá internada, fazendo mil exames, aí eu disse a mamãe “traz aquele bordado que tá lá em cima da minha cama”, que eu tinha começado a fazer esse bordado “Fé” e foi lá que eu terminei, na Restauração. Era o que me mantinha na sanidade

O bordado pra mim veio nesse momento como instrumento de cura mesmo. Por isso mesmo eu entendo que eu devo passar ele como esse instrumento. Ele veio pra mim quando eu externei o HPV e precisava ficar boa e ele veio pra mim novamente.

AS PESSOAS NÃO ACEITAM SER O QUE A GENTE É, SABE?

Ser mulher já é uma missão por si só, quando você vem encarnada numa mulher. Ser humano na terra já é uma missão, é um trampo. Ser mulher na terra é um trampo duas vezes maior, porque além de viver todas essas dinâmicas de ser humano, a gente vem na condição de mulher que ainda tem um trabalho forte de se colocar no mundo, de ser aceita mesmo. As pessoas não aceitam ser o que a gente é, sabe? O que é natural, por exemplo, o sangue menstrual.

Pra mim a minha vivência como mulher é coragem, pra você ser mesmo é coragem, porque se não você acaba não exercendo essa força de ser mulher, você acaba ficando ali na sombra de um homem. Somos o portal da vida, é da gente que vem o ser humano, todo mundo que tá aqui na terra veio de uma mulher. Mas aí ninguém leva em consideração essas coisas que são essenciais.

ARTISTA E ARTESÃ

Eu me considero artista e artesã, as duas coisas, no sentido assim das palavras. Artista é aquela que cria, que cria obras de arte, cria algo pra comunicar e a artesã ali no sentido ali de materializar essas visões, no sentido ali do fazer aquilo ali se tornar real, e eu me vejo muito como isso, como os dois e vivenciar isso, o ser artista, permite a minha mulher também se vivenciar. Eu vejo que tá muito ligado o processo artístico com o processo de desenvolvimento da psique da mulher.

Quando você começa a entrar no campo de se descobrir como artista, você começa a entender seus processos cíclicos como mulher. Porque muita gente esquece de dizer pra gente que somos cíclicas, e o fato de sermos cíclicas nos coloca em situações assim que não são boas. Não somos como os homens, somos cíclicas, então estamos sempre em um processo, falando em ciclos menstruais que estão alinhados com essa ciclicidade também. Temos períodos de ovulação, tem o período da menstruação, da lunação né? tem o período pré-menstrual, então são vários momentos num só mês, a mulher já passa por vários momentos hormonais diferentes, né? E aí essa ciclicidade de estar em cada momento diferente implica que certas coisas não podem ser feitas do mesmo jeito, porque estamos em momentos diferentes no mês.

Então a gente ainda tem que bailar com isso e com tantas coisas que a gente pode citar aqui.