Germana, 41 anos

Germana

Germana carrega um sorriso nos olhos.

 Sabe direitinho que o crochê é o seu ganha-pão, mas não hesita em demonstrar a admiração que tem pelo seu trabalho e pela jornada de vida que levou até então.

Ao lado de sua mãe nos contou as histórias de sua vida e nos encheu os olhos com a beleza do seu trabalho.

Encontramos Germana na rua, com uma colcha enorme de crochê. O encontro, inusitado, nos apresentou pessoalmente a uma mulher de sorriso aberto, de sorriso nos olhos. De repente, ali, nossas vidas se entrelaçaram. Quando nos apresentaram Germana, lembramos do nome da filha de D. Dedé, com quem já tínhamos feito contato antes. Germana sorriu, e nos despedimos com um até sábado.

No dia em que conversamos, Germana, ao lado da sua mãe, nos fez chorar contando a luta dela e da sua mãe, de suas viagens longas de ônibus carregando o crochê e sua filha (neta de Dedé). E que história!

Narrativa

CONHEÇO QUASE MACAPARANA INTEIRA

[Nasci] Aqui em Macaparana. Morei um tempo no Rio de Janeiro. Tinha uns dezoito anos. Eu casei e fui morar lá, né?

[A infância] Foi boa, eu trabalhava muito, sabe? Porque mamãe sempre trabalhou no croché. Então eu tinha um compromisso, assim, de levar o material para o pessoal, de trazer. Por isso que hoje eu conheço muita gente, conheço quase Macaparana inteira, porque todos os bequinhos de Macaparana eu ia levar o material para o pessoal.

Aí eu tive infância, assim, de brincar, mas não foi muito, estudei, mas no tempo vago, era trabalhar no croché. Porque é uma coisa que eu gosto, hoje mesmo eu posso passar o dia todinho fazendo outra atividade, mas quando eu chegar em casa eu tenho que pegar no croché. Embora eu durma com a agulhinha na mão, mas sempre tem que fazer um pouquinho, que já é o costume.

Eu estudei aqui em dois colégios. Estudei no Brigadeiro Eduardo Gomes e me formei no segundo graus no Creuza de Freitas.

QUEM ME ENSINOU FOI MINHA MÃE

Eu comecei com sete anos de idade. Quem me ensinou foi minha mãe. Minha primeira peça foi uma colcha de casal, só que era um ponto bem facilzinho, né? Eu passei quase um ano, porque, como eu estudava, pra não prejudicar o estudo, aí eu só pegava as horas vagas. Essa colcha a gente ficou um certo tempo com ela, e depois a gente deu a uma pessoa conhecida da família, a uma tia da família, uma tia nossa.

A GENTE FAZENDO COM CARINHO SABENDO QUE VAI PRA OUTRA PESSOA

Como eu já trabalhei sempre com mamãe, de vender, não me apego não. Eu faço dia e noite se for possível pra adiantar o trabalho, né? e vender. Porque, assim, a gente trabalha mais como profissão, entendeu? Quando você trabalha assim, pra distrair um pouquinho, com vontade de fazer assim com calma, você se apega àquela peça, mas quando você trabalha como profissão, a peça que a pessoa pede você tem que fazer, né?

Então a gente não pode pegar amor àquela peça que a gente, sabe? A gente tem amor ao croché, entendeu? Porque a gente faz, a gente gosta. A gente tem amor ao croché, mas a peça mesmo em si, a gente tem que ter amor a todas, e sabendo que vai pra outra pessoa, a gente fazendo com carinho sabendo que vai pra outra pessoa.

EU SEMPRE GOSTO DE TRABALHAR COM AGULHA NOVA

Não gosto de trabalhar com agulha quando ela começa a arranhar. Eu sempre gosto de trabalhar com agulha nova. Quando a minha começa a arranhar, eu já compro outra. Você pode ver que ela tá novinha [mostra a agulha dela].

UMA PESSOA AQUI EM MACAPARANA COMEÇOU FAZENDO

Nós pegamos pirulito, né? Aí a gente encaixa ele aqui, porque ela fica maior e pra gente fica mais pesado, então nós temos a intenção de que ela faz mais rápido, por ela ser maior. A gente puxa o fio mais rápido.

Antigamente elas tinham uma cabecinha. Mas era muito pequenininha, a cabecinha dela, e sempre caía. Aí a gente coloca isso aqui [mostra o cabo com o palito de pirulito], às vezes, quando não fica, a gente queima e coloca pra encaixar. Uma pessoa aqui em Macaparana começou fazendo, só não sei quem foi.

TEM TANTA GENTE AQUI QUE COMEU DE CROCHÉ

Tem tanta gente aqui que comeu de croché, pagou aluguel, botou menino em escola. Tudo do dinheirinho do croché. Hoje, depois da bolsa-família, esse negócio, muita gente parou mais um pouco, né? E depois que veio as fábricas.

ENSINEI À MINHA FILHA

No momento estou separada. Tenho uma filha de dezoito anos, Jaqueline. Ensinei à minha filha, acho que ela tinha uns dez. Só que, assim, eu não tenho muita paciência não, que ela é muito devagarzino, sabe? Eu prefiro que ela vá cuidar da casa, arrumar uma coisa. E ela também estuda, aí eu tenho medo, pra ela não prejudicar o estudo dela.

Assim, como ela tá de férias, ela já começou a me ajudar, já começou a barrar algumas almofadinhas que tem aqui, ela já tá fazendo. Tudo que ela precisa sou eu que estou ajudando ela e minha mãe, então fica tudo em casa mesmo.

EU JÁ ENSINEI A MUITAS PESSOAS

Porque tem pessoas que a gente pesquisava o material, o modelo. Aí a gente diz: “vais lá pra casa que a gente ensina a você”. E assim eu já ensinei a muitas pessoas. Já chegou gente pra gente que o pessoal tinha descartado mesmo, que o trabalho achava que não servia. E a gente começou com essa pessoa que deu uma bela crocheteira. Hoje trabalha muito bem.

TOMO O CAFEZINHO PEGO A AGULHA

Quando acordo de manhã, eu primeiro tomo meu café, só o café, né? Depois é que eu como mais. Tomo o cafezinho pego a agulha e começo logo no croché. A nossa vida é quase mesmo toda no croché, né, mamãe? [Dedé, sua mãe, estava ao lado]. Às vezes a gente faz o almoço na carreira, às vezes a comida queima. Faz qualquer comida, mais rápido possível, pra poder voltar pro croché.

Porque, assim, o croché se você pegar ele e for fazendo de pouquinho e pouquinho, você não faz. Ou você pega com aquela dedicação de fazer, principalmente a gente que trabalha pra vender, né? Então, num sai.

Às vezes eu até durmo com o croché, né isso, mamãe? E quando era mais jovem, assim que meu pai trabalhava na usina. Aí eu ficava até onze e meia da noite fazendo croché pra acordar ele, pra ele trabalhar na usina. Eu fazia muito mais croché à noite. Hoje eu faço mais no dia.

SOFRI MUITO COM A MINHA MÃE TAMBÉM

Quando eu era pequena eu ia pra Recife com a minha mãe, era umas bolsas muito grande de croché, aí a gente carregava as bolsas. Minha mãe me colocava pela frente do ônibus, e eu ficava lá cheia de bolsa, vendo a hora o povo levar. Segurava todas as bolsas e mamãe dava a volta por trás pra pagar, e eu com medo que mamãe não chegasse até perto de mim, porque eu era pequena ainda. Quando eu chegava na casa da minha tia, da minha prima à noite tinha dia que eu nem jantava, de tão cansada que a gente estava. É assim a vida do artesão. É difícil, pra gente conseguir algo a gente tem que lutar muito, tem que lutar mesmo.

Hoje, graças a Deus é, melhorou bastante, né? Porque a gente já carregou muito peso. Já andamos muito em ônibus. A gente pegava ônibus errado, aí depois tinha que descer com as bolsas, o pessoal ficava reclamando. Eu tinha medo de passar da parada e minha mãe não dá tempo de chegar, porque os ônibus super lotado.

Eu com medo que o pessoal levasse essas bolsas. A gente sofreu muito já, mas eu gosto. No parque do cordeiro a gente dormiu, num foi, mãe? onde os cavalos comem. Teve uma vez que a gente foi pra uma feira e um homem levou um choque e a gente saiu tudo na carreira.

Essa minha menina pequenininha [falando da filha] às vezes eu fazia tiara e “xuxinha” de cabelo, aí eu saia na rua com a caixinha de sapato e ela batia palma na casa do povo, quando chegava em casa, chegava até com um dinheirinho bom… [risos]. Porque, assim, eu não podia sair, né? para trabalhar fora, aí eu fazia. Às vezes ela dormia no meu colo, na rua, dormia e acordava, e eu na rua vendendo as coisinhas com ela. Às vezes o pessoal olhava assim…

O PESSOAL DESVALORIZA O VALOR DO TRABALHO

Olhe, eu acho que já foi mais reconhecido pelas pessoas. Porque muitas vezes a gente vai vender e o pessoal desvaloriza o valor do trabalho, não sabe o trabalho que dá, né isso? Aqui em Macaparana a gente quase não vende, porque as peças são maiores, como muitas pessoas fazem, agora assim, minha mãe mesmo já vendeu em Carpina, Goiana, Nazaré, a gente tinha clientes em cidade pequena.

COMEÇAMOS SÓ COM O FIO E A AGULHA

É, realmente nós começamos só com o fio e a agulha, começamos do zero, né? E faz todo o processo, e como você pode ver tudo bem trabalhado, bem contado.

Então é, você tem que estar ciente do que está fazendo e ter muita atenção, ter muita atenção mesmo, porque, qualquer coisa que você errar, você vai ter que desmanchar todo o trabalho.

[...] SE EU NÃO PEGAR PRA FAZER NÃO PREENCHE O ESPAÇO, NÉ? FICA AQUELE ESPAÇO VAZIO, FALTANDO ALGUMA COISA, E EU PREENCHO COM O CROCHÉ.

Olhe, eu gosto muito mesmo de fazer. Eu acho que é um dom que veio da minha mãe e é uma coisa que me faz bem, eu me sinto muito bem quando eu estou fazendo, são coisas que eu esqueço até dos problemas da vida, muitas coisas, né? E, como eu falei, se eu não fizer, se eu não pegar pra fazer não preenche o espaço, né? Fica aquele espaço vazio, faltando alguma coisa, e eu preencho com o croché.

EU ESTOU INDO EM FRENTE, E PRECISO DE IR MAIS AINDA

Ser mulher, olhe, é difícil. Ser mulher como dona de casa, mãe, trabalhar às vezes fora, é difícil, mas é… a gente tem que agradecer a Deus, né? por ser mulher e ter essa coragem, ter essa força de vontade e ter os filhos.

Apesar de certas coisas que acontece na vida, né? Assim, que não é tão valorizada a mulher no trabalho, igual ao homem, né? Olhe, como eu às vezes faço capacitação com mulheres, as mulheres mesmo se intimidam, entendeu? As mulheres mesmo elas não têm coragem de seguir em frente, de enfrentar uma fila de homem, num é isso? Ai, tem muito homem eles vão conseguir aquela vaga, entendeu? As mulheres às vezes, em si, elas mesmas, elas se recolhem, elas não têm coragem de seguir em frente, o que elas têm vontade de ser.

Eu estou indo em frente, e preciso de ir mais ainda. Porque às vezes, assim, muitas coisas na vida faz com que você tente desanimar, né? tende a se recuar, desanimar. Mas a gente tem que olhar pra frente e saber que a vida tem que ser vivida.

MULHER ARTESÃ, EU GOSTO DE SER

Mulher artesã, eu gosto de ser, gosto de mostrar meu trabalho, gosto muito de trabalhar com o que eu faço, gosto muito de participar de feira, de conhecer pessoas diferentes, eu gosto, assim, sabe, de não estar num lugar só, naquele local, não. Se eu pudesse, eu vivia viajando, em lugares diferentes, conhecendo pessoas diferentes. E eu faço e eu gosto muito do que eu faço.