Laís Domingues, 32 anos

Laís Domingues

Laís Domingues tem uma fala mansa e uma delicadeza no olhar que convida a todos/as a chegar pertinho de suas produções, para ver os detalhes de seus bordados. Uma artista têxtil que vem construindo uma proposta visual alicerçada na relação do têxtil com suas possibilidades poéticas.

Olinda, Varadouro. Encontramos com Laís Domingues no Centro Cultural Mercado Eufrásio Barbosa, espaço que sediava a sua exposição intitulada Para si: um processo se ser. A escolha pelo local simboliza a presença dessa artista visual e têxtil, que já integrou a equipe do projeto cultural Mulheres que Tecem Pernambuco. Durante nossa conversa, Laís contou sobre o seu processo criativo, sobre seu caminho enquanto artista têxtil e o fazer manual ligado a tradições de bordadeiras em Passira-PE. Nos contou também sobre os lugares físicos e simbólicos que percorreu. Viveu por muitos anos, na infância, no bairro de Campo Grande, num conjunto habitacional com muitas crianças, e vendo sua avó costurar e fazer tapeçaria. Herdou a máquina de costura da sua avó, e ainda da infância tem recordação de tentativas de mexer com as linhas. Na escola não teve nenhuma vivência com as artes manuais, mas sempre gostou de trabalhar com as mãos. Nos contou sobre algumas histórias do seu avô e suas referências de criação. Foi com a técnica de fotografia em papel que deu início ao seu interesse com a fotografia e o bordado.

(conversa realizada em junho de 2022)

Narrativa

cresci vendo minha vó por parte de mãe costurar e fazer tapeçaria

Nasci em Recife, vivi um tempo em Buenos Aires, depois vivi um tempo em Passira, um tempo em São Paulo e agora de volta, um tempo no [Vale do] Catimbau agora vai ser [ri].
Eu vivi a vida inteira basicamente em Campo Grande perto do Arruda. À partir dos dez anos fui pra Estrada de Belém e minha mãe é olindense de Bairro Novo, meu pai nasceu na Várzea, passou pelo Arruda, depois Campo Grande.

Eu acho a vida inteira foi morando num prédio, que era tipo um conjunto habitacional perto do Arruda. Eram muitas crianças, muitas. Cresci vendo minha vó por parte de mãe costurar e fazer tapeçaria, mas nunca, nunca parei pra aprender com vovó, mas ela sempre estava costurando e fazendo tapeçaria. Herdei a máquina de costurar de vovó, depois que ela faleceu. E eu lembro que quando eu era pequena eu tinha uma coisa de pegar linha e agulha e ficar tentando costurar, mas era aleatório.

minha grande referência

Tenho uma irmã que é cinco anos mais velha do que eu, que é a minha grande referência enquanto mulher, Renata. Ela trabalha com saúde pública, saúde da família.

A gente brigava bastante porque eu era bem pentelha, eu era bem chata, quando eu era criança [ri], mas sempre foi uma relação de muito cuidado, de carinho, a gente brigava mas a gente sempre se amou, a gente sempre se ajeitou. Acho que é isso, pra mim, minha irmã é uma grande referência na vida, em tudo. Acho que tudo que eu vou fazer eu pergunto pra ela, sabe? O que ela acha pelo menos, sempre que eu acho que eu estou fazendo alguma coisa errada eu pergunto a ela se estou fazendo alguma coisa errada, sabe?

eu sempre gostei de fazer coisas com as mãos

Estudei a vida toda no Colégio Jesus Crucificado [ri], um colégio bem religioso, bem católico, mas que a gente não aprendeu nada de bordado, nem de crochê. Aula de arte era bem “colorir” , sabe? Faça o que vocês quiserem! não era muito direcionada a nada.

Mas eu acho que eu sempre tive essa coisa da curiosidade, né? De ficar experimentando, então eu sempre gostei de fazer coisas com as mãos. Aí, teve uma época que eu fazia colar de miçanga, aí vendia no colégio, vendia no prédio. Sempre gostei de desenhar e de pintar e cresci vendo meu avô pintar né?

Vovô pintava muito, pintava azulejo

Vovô pintava muito, pintava azulejo, então, acho que sempre teve essa coisa de querer pintar como ele. Mas eu nunca consegui, nunca fiz nenhum curso de pintura, de nada desse tipo. Mas eu tinha esse desejo, aí chegou um momento que eu vi que eu não conseguia pintar, nem desenhar como ele, ai eu me afastei.

É meu avô paterno, vovô ele veio de Portugal muito, muito novo, acho que vinte e…perto dos 30 anos , uns vinte e cinco, vinte e poucos anos. Ele veio, ele trabalhava numa fábrica de azulejaria em Portugal e chamaram ele pra trabalhar na fábrica Brennand fazendo friso de louça, ele lá, fazia friso de louça na fábrica.

Passou muitos anos trabalhando na fábrica e já tinha essa coisa de desenhar, de pintar,. Ele conta que Brennand foi uma pessoa que quando percebeu que ele pintava bem e tal, ficou assim incentivando ele a pintar mais. E aí, depois de um tempo ele saiu da fábrica e decidiu abrir a azulejaria, né?

A loja de azulejaria, e aí passou muitos anos fazendo a azulejaria, trabalhando pra vários artistas daqui: Aberlado da Hora, pra arquitetos, Delfim Amorim… então, tem muitos painéis que ele executou para alguns artistas, né? Cemitério dos Ingleses, o painel da escravatura ali no Centro do Recife perto da Ponte Velha e a maioria da azulejaria que a gente vê assim por aqui, né?

Os mais recentes, no Centro Histórico de Olinda não tanto porque são azulejos mais antigos, mas a maioria da azulejaria daqui foi vovô. Cresci vendo ele pintar muito, ele se considerando comerciante, porque nunca se considerou artista, ele dizia que era comerciante, mas ao mesmo tempo criando e pintando e desenvolvendo várias coisas que por onde eu andava na cidade eu via, né? Então sempre foi essa referência de andar na cidade assim, dizendo :”isso aqui é de vovô”.

desci para Buenos Aires passei um tempo lá

E ele era muito próximo, né? Porque com dez anos a gente saiu desse prédio perto do Arruda e foi viver em cima da casa dele no apartamento em cima da casa dele. Então dos dez aos dezenove eu vivi basicamente com os meus avós também, né? E ele foi a pessoa assim… que quando eu decidi sair de casa e…eu fiz o curso de arquitetura, comecei o curso de arquitetura, né? Passei seis meses e desisti. E, quando eu desisti, todo mundo meio que se colocou contra e aí foi quando eu desci para Buenos Aires, passei um tempo lá. Foi quando eu comecei a me identificar mais com as artes visuais. E, vovô e minha irmã foram as únicas pessoas que chegaram e disseram:” olha vá, mas você vai ter que se virar, porque a gente não tem como lhe bancar lá , então você tá decidindo ir , você vá, mas você vai ter que trabalhar e estudar e vai ter a facilidade que que você teria morando em casa, né? morando com seus pai”.

Eu passei três anos, eu tinha uns dezenove pra vinte [anos] quando cheguei lá. Aí, lá eu comecei Gestão Cultural, mas não terminei voltei antes do curso terminar, eu fiz dois anos de Gestão Cultural lá, fiz alguns cursos de cinema comecei a desenvolver mais a fotografia e aí voltei pra Pernambuco.

eu voltei e comecei a cobrir mais cultura popular, trabalhar realmente com fotografia, né?

A primeira câmera eu ganhei de painho, né? E foi assim bem de hobby. Eu sabia que eu gostava. Ele ele viajou e trouxe pra mim, só que era uma câmera bem simples assim, né? Era semiprofissional. E vovô, ele foi essa pessoa, né? Sempre marcante. Quando eu voltei de Buenos Aires, eu voltei e eu comecei a cobrir mais cultura popular, trabalhar realmente com fotografia, né? E chegou um momento que eu vi que eu precisava trabalhar com vídeos e eu não tinha um equipamento bom para vídeo e aí eu ia pegar um empréstimo no banco, vovô soube e aí…revelando os segredos da família [risos]. Ele soube, me chamou e disse que não era pra eu pegar um empréstimo com o banco que ele podia me emprestar o dinheiro e eu ia pagando quando pudesse. E aí ele me emprestou o dinheirinho escondido, né? Daquele jeito, mas todo mundo meio que desconfiou e aí eu comprei a câmera pra trabalhar com vídeo e com foto. E depois quando eu fui tentar pagar ele não aceitou, né? Foi ótimo, foi um presente feliz, né?

painho trabalha com foto porcelana

Acho que eu sempre gostei de fotografia. É engraçado porque eu só eu só percebi isso acho que há uns dois anos atrás, porque painho trabalha com foto porcelana né? Que é aquelas fotos de botar em cima do túmulo quando a pessoa morre, então assim , painho já trabalhava né? Painho tinha câmera analógica, revelava no quarto escuro e eu tenho imagens dele revelando na minha infância, mas eu não acompanhei esse processo.

Da época que era analógico, né? E até hoje ele trabalha com foto porcelana, então eu sempre via ele no processo de estampar as fotos na porcelana, levar pro forno, né? Eu acho que isso já foi uma introduçãozinha, mas aí quando chegou na minha adolescência, foi um negócio que eu comecei a perceber que eu gostava mais.

Painho me deu uma camerazinha de bolso primeiro, aí eu comecei a ficar fazendo umas fotos. Depois quando ele viajou ele me deu essa câmera semi-profissional. Foi quando eu comecei a arriscar mais e quando eu cheguei em Buenos Aires foi que eu comecei a me dedicar a fotografia analógica mesmo, porque eu tinha isso de não gostar muito do digital, eu achava interessante, mas era como se faltasse a parte da manualidade de poder tocar as coisas, né?

eu decidi arriscar, experimentar a cianotipia e o Van Dick

E aí foi quando eu comecei a entrar em contato mais com esse processo de revelação, de fazer cursos de revelação artesanal e… aí quando eu voltei pra cá [Recife] eu fiz alguns cursos no CCI, fiz curso de Pinhole e sempre fui indo pra esse caminho e aí a decisão, inclusive, de trabalhar com revelação artesanal na Exposição [Para si: um processo de ser], no projeto de Passira. Veio do fato de que eu tinha colocado primeiro pra ser revelação Fine Art e tal, só que eu comecei a ver que todo processo era artesanal, né? Tudo que a gente tava falando e trabalhando era com artesanal. Aí, foi quando eu decidi arriscar, experimentar a cianotipia e o Van Dick. Foi durante o processo do intercâmbio que eu aprendi a revelar com com Van Dick e com a cianotipia. Em tecido, porque eu queria bordar em tecido, antes eu bordava em papel. Quando comecei bordava em papel.

Comecei a experimentar lá [em Passira]. A tentar revelar em tecido, revelar grande, né? porque eu sabia revelar pequeno. Aí comecei a experimentar de revelar grande, mas foi durante esse tempo do projeto, com a ajuda de Raul [Luna] também né.. foi o curador da exposição e meu companheiro na época e aí ele me ajudou bastante assim no processo de revelação das imagens e acho que acabou se aproximando, né? Porque tem alguns pontos tipo bainha ,que se eu tivesse revelado em Fine Art eu não ia poder botar nesse trabalho, né? Então, eu queria um negócio que eu pudesse colocar o que eu tava aprendendo com Dona Luzinete, com Dona Lúcia, no trabalho, né? Da exposição.

eu comecei a experimentar com um kit de bordado de Amanda

Eu já vinha nesse processo de ficar meio inconforme com a fotografia digital, né? Então, quando eu voltei de Buenos Aires, eu parei de trabalhar com filme, porque era muito caro, revelar e comprar filme, fazer tudo aqui [em Recife] e fiquei nessa inquietação e aí teve um dia que eu tava em casa, sem internet, tava bem ansiosa e aí eu peguei umas fotos que eu já tinha impresso mesmo em papel. E, Amanda que morava comigo, na época, tinha um kit de bordado que ela tinha comprado, porque ela vinha adentrando na arteterapia. E aí, eu comecei a pegar os materiais de costura que eu tinha mesmo né? linha e agulha comum, e ficar costurando umas fotos em casa.

E aí a Amanda viu e me deu, me emprestou o kit de bordado dela, que ela tinha comprado. Aí eu comecei a experimentar com o kit de bordado de Amanda, comecei a experimentar, colocar na internet os experimentos, aí um monte de amigo veio falar, que estavam achando legal, aí eu me empolguei também. Aí, comecei a revelar as fotos no papel, pensando no que eu iria bordar em cima, né? Eu já comecei a selecionar, buscar nos meus arquivos e imaginar o que eu poderia bordar em cima.

quando eu comecei a me interessar pelo bordado foi quando eu comecei também a pensar no projeto, no “Bordando o Feminino”

E aí, foi quando eu comecei a me interessar pelo bordado foi quando eu comecei também a pensar no projeto, no “Bordando o Feminino”, né? Que foi uma época que tu [Clara] tava escrevendo também “Mulheres que Tecem Pernambuco”. A gente foi trocando bastante, foi ajudando. Aí eu escrevi o projeto pela primeira vez pensando que eu queria aprender mais de bordado, né? E aí eu fiquei pensando que seria interessante eu aprender com as bordadeiras raiz, pessoas que fizeram isso a vida toda.

em Passira

Aí foi a primeira vez que eu fui em Passira, conheci dona Lúcia, conheci Marcília, não conheci Mari na época, Mari tava morando ainda em Caruaru e aí o projeto não foi aprovado. Quando foi no outro ano eu fui lá de novo pra conversar com dona Lúcia sobre como eu poderia contribuir mais com a Associação de mulheres artesãs de Passira, porque antes o projeto tava bem prematuro. O projeto era basicamente um intercâmbio onde eu iria pra lá, iria receber aula de bordado, Dona Lúcia iria receber as aulas de bordado e eu ia fazer uma exposição depois, o projeto era isso. Aí, no segundo ano quando eu fui eu disse: “dona Lúcia eu sinto que está precisando uma contrapartida que seja pra vocês e o projeto não fique só em torno de mim” e aí Dona Lúcia falou que tinha feito a coleção “Abelhas” e que queria lançar outra coleção.

Foi quando eu pensei em Thanina que é minha amiga, que é estilista, mas assim todo o trabalho dela é bem direcionado aos cortes tradicionais ela já tinha feito um trabalho com as mulheres tecelãs na Bolívia e tal… trabalhava com tingimento natural. Aí eu perguntei para Thanina se ela queria participar do projeto ela disse que sim e aí eu escrevi o projeto e o projeto foi aprovado.

E aí, acabou se tornando algo muito maior o que era pra ter duração de três meses, virou cinco [meses]. A gente acabou lançando duas coleções onde todo o material de produção, tudo, foi pago pelo projeto e todo lucro era delas. A gente acabou lançando na Feira do Bordado que a gente não imaginava… elas participaram do desfile da Fenearte também e teve também as oficinas, né? Que a gente conversou com Dona Lúcia e Dona Lúcia disse que tinham alguns pontos que tavam sendo meio que esquecidos em Passira, tipo o casinha de abelha, rococó, e aí Dona Lúcia deu aula de bordado pra mulheres de Passira junto com Lene.

Caverna Lunar arte-educação

E aí foi isso, a gente acabou que ficamos cinco meses lá, a exposição está agora se firmando, mas foi um processo, né? E durante esse tempo eu fui entrando pra arte-educação também, né? Porque quando eu comecei, na época, existia a Caverna Lunar que era o um Centro Cultural, né? Que eu e Raul a gente articulava oficinas, cine-debates, exposição e aí foi quando a gente começou a chamar o pessoal pra dar oficina, aí foi quando tu [Clara] participou, aí eu também acompanhei teu curso, aí depois veio “Mulheres que tecem Pernambuco”, né? Na mesma época, que foi também o que me fez ir adentrando na arte têxtil não só no bordado, né? Mas entendendo tudo o que é o universo da arte têxtil e o fazer manual, né? assim, eu fui sendo meio que levada também pelas coisas que foram aparecendo sabe? me deixando envolver mesmo porque não tinha nada a ver com o que eu fazia antes.

A Caverna [Luna] a princípio era o ateliê de Raul, né… Raul Luna, que é meu ex companheiro, era o local de produção dele. E aí, a gente acabou ampliando, né? A gente primeiro se mudou para uma casinha e aí a gente viu a possibilidade de chamar alguns artistas pra fazer exposição coletiva. A gente chamava dois artistas pra fazer esse encontro de artistas que tivessem algo em comum. Sempre tinha um showzinho, as exposições sempre vinham com a pandeirada de Miguel Marinho ou Graça Nascimento recitando… Passaram algumas pessoas por lá Aninha Martins, Isadora Mello… E a gente sempre fazia oficinas, era o grande foco: eram oficinas e cine-debates que a gente fez alguns. Então a gente sempre tentava chamar filmes de produção local pra gente poder chamar os realizadores pra conversar com o pessoal depois. A gente ficou de dois mil e dezesseis, dois mil e dezessete até dois mil e dezenove. O espaço físico, né? e, acho que foi também o que me introduziu nessa coisa da arte-educação, né? Me fez ter mais vontade e me deu coragem na verdade, de fazer a primeira oficina, né? Porque a gente organizava a oficina de todo mundo e eu disse “tá, vou tentar organizar uma oficina minha”. E aí, foi quando começou essa etapa. E na verdade é bem atual assim. Que deu uma pausa durante a pandemia, né? Mas eu acho que hoje em dia é uma das coisas que eu mais tenho prazer de fazer, né? Compartilhar e de dar oficina.

Luiz Domingues

A Caverna Lunar ela trouxe essa questão da curadoria também, né? e a gente sempre fazia a curadoria chamavam os amigos para expor e tal e aí nos noventa anos de vovô ele ainda era vivo, eu comecei a vasculhar na loja de painho. Era ele e painho , eu sempre via as pastas sabe? Várias pastas tudo empoeirada e tal e aí eu pedi pra descer com as pastas e aí a gente descobriu umas cinco pastas de desenhos de vovô de todos os tipos geométricos, floral, painel e tal.

E estava ali tudo empoeirado, jogado, e vovô já não estava conseguindo mais trabalhar, né? Meu tio, que era quem ficava também nesse processo junto com ele, tio Luiz, também não tava focando nessa parte de azulejaria na época e aí a gente desceu todas as pastas e eu e Raul teve a ideia de fazer a exposição. Aí eu chamei minha irmã, chamei meus primos pra ajudar e aí a gente começou o processo onde a gente sentava perto dele e perto de vovó e começamos a separar todos os desenhos, classificar por geométricos, floral e tal e ia perguntando pra ele o que tinha sido criação dele e o que tinha sido encomenda de cliente ou cópia né? então a gente conseguiu dar uma filtrada nesses materiais hoje em dia a gente tem uma noção, né? não tem uma noção completa na verdade das coisas, mas boa parte já tá separada e a gente expôs alguns desenhos originais, a gente fez algumas reproduções em azulejo.

Na época a gente mapeou alguns painéis que ele tinha feito pela cidade, fotografou e ele foi pra exposição, ele, meu tio e ai logo depois disso meu tio faleceu que era quem acompanhava ele com os azulejos e ai ficou mais parado ainda, a gente tava começando a escrever um projeto, na verdade para o FUNCULTURA, e tio Luiz tava ajudando por que ele como historiador tinha acesso a muita informação. E ai vovô faleceu ano passado, né? e agora painho tá retomando a questão da azulejaria. É uma coisa que eu também tô bem querendo me aproximar mesmo assim , eu sempre tive vontade , mas eu nunca adentrei nesse lugar. Agora a gente tá realmente pensando em como escrever o projeto para poder preservar todos os desenhos, porque são mais de mil desenhos que a gente tem dele, em papel vegetal, papel bem delicado, tem uns desenhos que já tão se rasgando, que a gente entende também como um pouco da memória da cidade a gente tá nesse processo agora de olhar para esses desenhos.

O da padaria Santa Cruz (pátio), tem um na Estrada de Belém, também, agora é isso assim, tem vários que são de vovô e que ninguém sabe que é de vovô por que ele executava. Porque é uma técnica que nem todo mundo dominava né? de pintura em azulejo mesmo, então muitas vezes os artistas faziam o desenho e pedia para ele executar com a técnica dele por que ele tinha os fornos para a queima.

E aí tá sendo bem engraçado, na verdade, porque é isso, vovô faleceu, e aí, desde ano passado que eu tô conversando com painho “pô eu queria retomar essa questão do azulejo” e tal e aí agora ele retomou. Ele vai fazer os azulejos dos quiosques da Avenida Boa Viagem, aí voltou assim também com tudo, ele tá bem empolgado, tá sendo bom pra ele entrar em contato mesmo, com o mundo né? porque vovô morreu de covid e foi assim, tipo, a família inteira internada então ninguém foi ao enterro de vovô. Tava todo mundo em casa ou internado, painho estava no hospital não soube quando vovô morreu. Foi uma fase bem doída e eu sinto que ele tá bem, bem empolgado mesmo, sabe de estar retomando essa questão do azulejo.

Começou com a oficina de fotografia bordada

Começou com a oficina de fotografia bordada e atualmente já facilitei oficina de desenvolvimento de processo criativo e de mapeamento corporal e afetivo, com esse intuito de facilitar o desenvolvimento criativo de cada pessoa que participa. Oficinas de revelação artesanal também. Tô sempre passeando entre a fotografia e o bordado. Nessas áreas das artes visuais.

A gente apresentou o projeto aqui, aí ele levou a exposição do SESC Casa Amarela, para Triunfo, foi quando eu recebi a proposta pra trabalhar numa exposição lá em São Paulo que era a “Entremeadas”. Aí, também foi um momento assim bem de surpresa, porque eu estava em Pernambuco e recebi a proposta do SESC Vila Mariana pra ficar na coordenação do educativo. E aí foi um negócio que me surpreendeu bastante assim porque é isso, né? Numa cidade como São Paulo a mulher liga pra mim, em Pernambuco.. Eu já fiquei meio assim porque na época eu tava pensando em morar em São Paulo, mas ainda não sabia se tinha essa possibilidade deu ficar lá e me sustentar lá e aí fui, passei no processo seletivo pra ficar na coordenação, só que eu não tinha diploma, e aí na hora de assinar minha carteira eu não pude ficar na coordenação, porque precisava ter diploma de ensino superior. Mas aí, eu fiquei como oficineira, né? Como arte-educadora todos os domingos durante três meses, eu ficava facilitando oficinas diferentes junto com a exposição. Era um mesão no meio da exposição.

A exposição “Entremeadas” foi um mapeamento de artesãs têxteis de São Paulo. Que teve curadoria de Adélia Borges, ela mapeou coletivos, as associações, artesãos, que trabalhavam com o têxtil. Todo domingo, tipo, tinha o educativo que funcionava durante toda semana, mas todo domingo tinha oficina, então eu fazia oficina de tapeçaria, de bordados, de fotografia bordada, de macramê, cada domingo eu ia fazendo uma atividade diferente, aí foram três meses assim, foi quando eu decidi morar em São Paulo. Continuei trabalhando com o SESC e foi quando veio a pandemia, aí a pandemia foi um tempo muito esquisito porque estava tudo acontecendo e do nada tudo parou, né?

São Paulo Artes Visuais

Acho que morar em São Paulo foi muito mais uma questão de… era onde tava acontecendo os trabalhos, então, eu vou, sabe? E aí nessa ida pra São Paulo, depois de tudo isso, eu decidi voltar pra faculdade, ai eu tô agora terminando Artes Visuais, porque meio que ficou marcada essa coisa de perder uma oportunidade de trabalho que eu achava bem importante pra mim e ao mesmo tempo foi interessante porque eu tinha uma resistência muito grande com ambiente acadêmico e agora eu tô vendo que não é a academia, a universidade em si. Acho que aumentou ainda mais a minha vontade de continuar trabalhando com a arte-educação, né? Então, é uma licenciatura.

É EAD que é de lá de São Paulo. E aí, foi isso, o tempo em São Paulo foi muito esquisito porque eu cheguei cinco meses antes da pandemia começar então, pra mim, foi importante no sentido que durante a pandemia eu consegui me dedicar muito ao desenvolvimento do meu processo pessoal, né, de bordar, porque eu acho que foi a época que eu mais bordei, foi durante a pandemia. Até porque virou meio que minha fonte de renda, né. O bordar e vender, porque antes não era. Não era algo que eu conseguia contar com aquilo, né?

eu estou voltando agora

Passei lá [em São Paulo, a pandemia] eu estou voltando agora acabei de fazer minha mudança agora fui para lá pra fazer a mudança.

pesquisa escrita Artesol

Eu acho que assim, eu trabalho com muitas linguagens, né? E todas elas dentro das artes visuais, foto, vídeo, edição, bordados, acho que tudo gira em torno do visual e das imagens assim. Mas, eu acho que a escolha do curso foi por isso, por identificação e porque eu precisava terminar uma graduação, percebi que não dava pra ficar sem o ensino superior, sabe? E é isso, pensei em pedagogia, mas acho que não fazia tanto sentido. E acho que tenho começando a me interessar sobre a coisa da pesquisa mesmo, sabe? Da escrita, né? Agora com esse mapeamento da “Artesol” e tal.

Na “Artesol” eu comecei por causa das fotos, né? O pessoal me procurava muito pelas imagens, pelas fotos e aí eles me chamaram pra escrever sobre o projeto, sobre o “Bordado o Feminino”. Durante a pandemia, Camila me chamou pra escrever disse que as pautas tavam abertas e eu podia escolher um tema pra escrever, aí eu escrevi sobre o impacto da pandemia na vida de três artesãs de Pernambuco. Valquíria, Dona Lúcia e Riso.
Artesol é uma ONG não só de mapeamentos, mas de pesquisa e de valorização do artesanato brasileiro. Do artesanato material, não de todos os produtos artesanais. Acho que é isso.

Eu acho que eu vou me interessando por tudo o que é manual assim, sabe?

E aí, esse ano [2023], no inicio de ano surgiu esse convite que eu acho que já veio dessa troca, né? De eu já tá escrevendo, com as fotos também, veio o convite de fazer o mapeamento dos polos artesanais do Brasil e aí acabou que eu também entrei pro mapeamento de mestres e eu acho que tá sendo bem importante pra mim porque eu tô começando a perceber que na verdade não é só o têxtil, né?

Eu acho que eu vou me interessando por tudo o que é manual, sabe? E essa coisa da contação de história também, de ouvir a história das pessoas, de escrever sobre a história das pessoas, enfim, de ter esses diálogos. E acho que a cultura popular, né? Que de certa forma desde o momento que eu voltei de Buenos Aires pra Pernambuco, a cultura popular começou a fazer parte da minha vida, né? Quando eu comecei a fotografar através da FUNDARPE, da SECULT, de conhecer os reisados, os caboclinhos, porque eu vivi aqui antes, mas eu era adolescente, eu quase não saia, painho e mainha não era muito de fazer essas programações…o grande evento que eles me levavam era o Carnaval, então o que acontecia no Carnaval eu sabia, mas pro interior eu não conhecia o interior, foi quando eu comecei a conhecer também, né? O agreste e o Sertão do Estado.

Então, acho que esse mapeamento e essa coisa da pesquisa tem me dado mais uma coisa de me aprofundar no que é a cultura popular, no que é essa questão de ouvir e de contar histórias também, né assim … ajudar de certa forma a contar algumas histórias, né? Acho que é isso, ainda não me vejo muito introduzida num ambiente acadêmico, e sendo super acadêmica não, mas, levando a escrita mais pra esse outro lugar.

processo criativo “Para si: um processo de ser”

O meu processo criativo durante a época da exposição e acho que até hoje, ele sempre vem, ele sempre parte de uma imagem, né? E eu acho que essa coisa da escrita que eu tava falando começou a me tocar muito também durante a pandemia porque eu também comecei a ler muito livro de poesia e de buscar coisas pra ler assim dentro de casa. Mas sempre vem acompanhado de uma imagem. Seja uma imagem que me vem à cabeça, quando eu leio alguma coisa, uma poesia, por exemplo, e aí vem uma imagem e eu tento colocar aquela imagem no papel, né, pra poder fazer um bordado ou a partir de uma foto, tipo, todas as fotos da exposição, todas as obras da exposição foram fotografias que foram sendo feitas durante o processo do intercâmbio, né, da morada lá em Passira durante os quatro meses.

Então, assim, a gente sempre saía pra passear por Passira e ir em algum lugar que Mari gostava ou que dona Lúcia gostava de ir, ou dona Margarida, tinha um lugar específico que eram umas pedras, era perto da associação e o pôr do sol lá era super lindo. Então a gente sempre ia lá e eu levava a câmera e ficava fotografando quem ia com a gente. Também teve o processo de fotografar as roupas, as peças que elas tavam fazendo.

Então, a gente ia com Lívia, que era sobrinha de dona Lúcia, com Elaine, que era filha de Genilda e fazia foto delas vestindo a própria roupa, que elas mesmas tinham bordado pra poder divulgar, né? Nas redes sociais delas e pro projeto também. E aí, quando já tava voltando de Passira, basicamente, eu comecei a selecionar essas imagens pra revelar. Acho que as únicas fotos que foram realmente pensadas, foi Dona Lúcia e Dona Luzinete, que eu busquei alguns pedaços de madeira, galhos, lá das pedras que a gente sempre ia e pedi pra elas ficarem numa num fundo branco, porque eu já tava visualizando essa coisa da revelação artesanal, como ia ficar e eu queria um fundo branco. E aí, depois que eu tenho a imagem, eu fico observando muito a posição do corpo, se tem alguma mão que dá pra eu criar alguma coisa.

Dona Lúcia e Dona Luzinete eu pensei na rainha de espadas e na rainha de paus, né? Do tarô. Então, também tem muito isso. Eu vou pegando algumas referências que eu já tenho, como o tarô, né? Que é muito imagem, análise de imagens, sentido, né? E vou colocando as minhas referências também naquela foto. Dona Lúcia rainha de espadas pela liderança dela dentro da Associação, por ser a mente que tá ali coordenando tudo, a rainha de paus em Dona Luzinete por que ela foi a minha mestra, passou 5 meses me ensinado e abrindo também a minha percepção de criatividade e…aí vem outras referências né? A lenda do fio vermelho, do Akai-Ito de que algumas pessoas estão predestinadas a se encontrar… Eu vou juntando várias referências.
Acho que a exposição também tem muitos pássaros, que eram pássaros de lá de Passira, a Garça Vaqueira, que era uma árvore que todo dia se enchia de garças, umas cinco horas da tarde chegavam todas as garças pra dormir na árvore e ela ficava parecendo que tava florida e era bem perto da casa da gente, o Galo de Campina que também tem muito lá, João de Pau, Casaca de Couro, que tinha muito. Muitos elementos que eu via lá em Passira mesmo. E essa coisa do destramar, né? De tentar trazer essa sensação das raízes também, de onde vem esse fazer manual delas, né? Que a maioria aprendeu com a mãe, com a avó, enfim, que vai passando de mãe pra filha. Eu acho que eu sempre tento interpretar de certa forma assim quando é uma foto, né? De pensar na sensação que aquela imagem traz e tentar acrescentar alguma coisa no que já tá ali.

A “Para si: um processo de ser” traz muito esse desejo meu também de fazer as pessoas não olharem só para parede, sabe? Que elas olhem para outros lugares e participem mais da exposição. Eu acho que é isso, eu tenho tentado ir também pra esse lado de instalações e arriscar outras linguagens, também.

faz parte do meu processo que eu posso ir transformando também

Eu acho que hoje está diferente, porque nem sempre eu uso a foto como base, eu comecei a deixar um pouco o trauma do não saber desenhar de lado, porque era um negócio que sempre pegava, sempre… ah, eu não sei desenhar! E aí quando você tem uma foto facilita bem mais né? Porque você já tem quase tudo ali você só bota alguns elementos decalcáveis e… e ainda decalco hoje quando eu pego uma coisa mas às vezes eu pego alguma foto minha como referência e decalco os traços, sabe?

E comecei também a entender que o decalcar, de pegar uma imagem e tirar a ideia daquela imagem, faz parte do meu processo que eu posso ir transformando também isso. Mas, eu fui me desapegando mais, também me permitindo fazer uns desenhos…menos perfeitos, menos perto da realidade. E, também tentando ir pra o lado das instalações, né? Que eu acho que foi uma coisa que eu consegui nessa exposição [“Para si: um processo de ser”] foi a questão da instalação, que foi a saia, que foi uma das primeiras coisas que eu pensei na instalação, foi essa saia com os pássaros e de usar outros elementos que não necessariamente faça parte assim da arte têxtil: os chumbos de pesca, de fazer essa coisa da instalação interativa, né? de colocar a pessoa que tão vindo aqui pra bordar. Depois de ter visto tudo a pessoa chegar ali e poder dar um pontinho.

casinha no Catimbau e ter meu ateliêzinho

Eu gosto muito do que eu faço prefiro mil vezes trabalhar pra mim mesma, desenvolver meus projetos e enfim, trabalhando com o que eu acredito mesmo, com pessoas que eu acredito. É muito difícil fazer planos porque eu já cheguei a conclusão que toda vez que eu faço planos o negócio, não vai por onde eu quero, mas agora eu tô num processo de realmente me afastar da cidade, não quero mais morar aqui no centro urbano e… acho que de me aprofundar nessa questão da arte-educação, eu tenho muita vontade de continuar trabalhando com arte-educação, como continuar desenvolvendo meus projetos pessoais mesmo, sabe? Um pouco mais afastada dessa coisa da cidade mesmo, porque pra mim, essa pandemia me mostrou que não dou mais conta do ritmo, não pra viver, então meus planos é construir minha casinha no Catimbau e ter meu ateliêzinho lá e trabalhar com a arte-educação. Eu tenho muita vontade de dar aula em escola no interior, mas se eu vou conseguir ou não eu ainda não sei, mas quero continuar trabalhando com cultura popular, com pesquisa nessa área, desenvolvendo os projetos pessoais mesmo que vai passando por todas as linguagens.

trocar, compartilhar, aprender

Então, sei lá, eu já perdi as contas de quantas vezes eu fui facilitar uma atividade e sair aprendendo um monte de macete com as senhorinhas que tavam lá pra fazer a oficina, sabe? Então é sempre uma coisa que você vai trocando e é uma parte assim que realmente me dá prazer, sabe? Que toda vez que eu saio de uma oficina saio feliz e sentindo que eu consegui chegar onde eu queria. Então, acho que é um lugar que eu me sinto confortável, que eu sinto que eu consigo trocar, compartilhar, aprender um monte também, né? E me estimula a pesquisar, a estudar, a saber mais, porque eu sempre vou criando atividades novas, então sempre tem que tá buscando referências novas pra levar, as pessoas mesmo trazem, né? Acho que é uma forma de me sentir meio útil também, não ficar só em mim e girando em torno de mim mesmo. Falando do que eu sinto, mas também entender o que as outras pessoas sentem, né? Então acho que é bem por aí.

“Mulheres que tecem Pernambuco"

Eu acho que o “Mulheres que tecem Pernambuco” foi um marco pra mim, de verdade. Porque foram três cidades na época. Muitas conversas muito fortes, muitas histórias de vida, não tem como você esquecer, sabe? O “ Mulheres que tecem Pernambuco” junto com o movimento feminino que me fez ver que isso é sustento de vida que não é só um hobby que não é só um passatempo sabe? é do tipo, essas mulheres elas sustentam cidades, elas sustentam famílias, elas sustentam estruturas mesmo sem nenhum reconhecimento, muitas vezes por parte de governo, por parte da própria família, né? Dos companheiros…

Eu acho que me deu essa dimensão de… toda vez que eu olho alguma coisa agora, toda vez que eu deito numa rede eu me lembro de Tacarat, sabe? Eu lembro do som de Tacaratu, eu me lembro dos teares, do tear de pau, eu lembro da dança, do tear de pau, eu consigo reconhecer uma rede que é feita num tear de pau, então assim, todas as vezes que eu pego um bordado, um crochê, eu eu olho com outros olhos depois do projeto, né? E dessa imersão que foi bem intensa, né? Entender como surgiu, de conhecer as mestras, conhecer muitas vezes quem levou e transformou a realidade daquela cidade como Terezinha Lira, né? Como Dona Odete em Pesqueira que até hoje eu olho assim e me lembro dela falando o vestido dela, sabe? Então acho que pra mim é isso, eu sinto que eu entendo muito mais as coisas quando eu tô ali vivendo, conversando e olhando as coisas acontecendo, acho que se só ficasse em artigo acadêmico, lendo, não ia entender nada do que a gente entendeu enquanto a gente tava na estrada, ali conversando com todo mundo cara a cara, né? Acho que é isso.

Eu acho que junta com a parte anterior, né? Que é quando você tá trabalhando entre mulheres eu sinto que você não precisa tá ali o tempo todo mostrando que você sabe, existe uma coisa assim de confiar mesmo no processo uma da outra, né? E eu acho que esses projetos trazem muito isso assim, tipo, a equipe se forma porque eu conheço seu trabalho e a gente confia no trabalho uma da outra e a gente realiza junto e a coisa acontece bonita e sabe, com respeito porque acontece isso também, né? Tem problema nenhum de trabalhar com homem, mas eu me sinto mais à vontade trabalhando com mulheres, então acho que… que traz essa essa potência mesmo de ser mulher falando sobre mulher, sabe? E colocando a visão da gente, né? Que em alguns momentos se aproximam e outros é bem diferente a realidade, mas, acho que tem essa sensibilidade né?

Eu acho que assim, essa experiência, ela também me deu um aprendizado. Acho que deu pra todo mundo do projeto, que é não dá pra planejar tudo, assim, a gente sempre vai se deparar com o inesperado, né? Tem coisas que a gente não sabe porque a gente não tá perto o suficiente que é o que eu tava dizendo se você tá só no mundo acadêmico não sabe de algumas coisas que você quando está ali conversando você entende melhor né? e eu acho que foi uma sensação assim bem, bem delicada né? A gente tava querendo dar nome, rosto e voz pra aquelas mulheres e a gente teve que esconder o rosto, tanto nos vídeos como nas imagens, né? E foi um conflito de entender até que ponto, né? A gente tava colocando ali como resistência, né? E até que ponto a gente tava, poxa, acho que é a solução, né? Que isso de colocar o nome das pessoas que podiam colocar o nome, não colocar os de outras… Acho que foi se deparar mais uma vez com essa realidade de que ser mulher nessa sociedade não é fácil e ser uma mulher na zona rural, né? Ser agricultora, é uma dificuldade ainda maior, porque é isso, a gente passou em lugares que não chovia há sete anos e as mulheres não podiam dizer que faziam redes, mas os homens que trabalhavam nas fábricas podiam, né? Tinham carteira assinada, tinham direitos. Então, acho que é isso, foi um aprendizado no sentido também de que nem tudo vai sair do jeito que a gente planeja, o que a gente quer, né? Que existiam outras coisas que eram mais importantes e que existem formas de falar sobre o que tá acontecendo sem prejudicar e sem expor quem tá se dispondo inclusive a participar do projeto, né? Acho que foi uma experiência que também levei pro “Bordando o Feminino”. De sempre tá atenta e perguntar, mas é isso, eu acho que Passira tem essa diferença, né? Do contexto, até porque a maioria das mulheres já não trabalham mais como agricultoras, por causa da Associação as que estavam mais próximas da gente. Mas, foi um processo meio delicado, de ter que cobrir o rosto, né?

Eu acho que tem esse entendimento também, né? De que quando você faz o projeto, você tá participando da sua perspectiva, do seu ponto de vista, da sua realidade, mas quando você vai pra realidade da outra pessoa pode ser completamente diferente, você vai ter que adaptar, sabe? Pra ser possível, né? Aquilo, aquela participação. Esses dias saiu até uma matéria que eu fiquei lembrando do projeto, que o INSS estavam negando a aposentadoria de alguns agricultores pelo peso que eles tinham. Mas não, você é agricultor, como é que você é gordo? Quando a gente conversava com as mulheres elas não podiam dizer que faziam nada relacionado a artesanato.

o ser mulher traz uma generosidade, a generosidade do cuidado

Acho que ser mulher é massa, é intenso. Eu acho que é lidar o tempo todo com as pessoas achando que você não sabe direito o que você está fazendo, sabe? Mas eu senti que dentro de tudo, eu consigo mostrar que quando me proponho a fazer algo eu consigo. Então acho que o ser mulher é ter que tá o tempo todo provando que você pode, que você sabe. Eu acho que o ser mulher traz uma generosidade, a generosidade do cuidado, sabe? Talvez porque a gente é ensinado mesmo a ter esse cuidado, né? Mas acho que ser mulher traz essa generosidade, eu acho que o contato com todas as mulheres que eu converso, todas as mestras que eu já conversei, que eu já convivi, eu acho que sempre tem essa coisa do ajudar, compartilhar, de trocar, de funcionar, porque a gente tem que ir se impulsionando e se ajudando e dando essa base mesmo pra todo mundo e indo junto, sabe? Mas não é fácil, não acho fácil ser mulher, né? Apesar de todos os meus privilégios enquanto mulher branca, eu acho que não é não fácil não.

eu não me imagino fazendo outras coisas

Eu sou feliz dentro do meu trabalho, com o que eu trabalho, com o que eu faço, eu acho que com todos os perrengues que é trabalhar com arte, com cultura, com educação, eu consigo ser feliz, eu não me imagino fazendo outras coisas.

Eu acho que o têxtil, trabalhar com o fio, trabalhar com bordado me trouxe uma coisa que antes pra mim era muito difícil que era lidar com o tempo, de ter paciência, eu sou muito ansiosa né? Então assim, o bordado me traz muito pro tempo presente e acho que trabalhar com o bordado, entender esses processos, né? Tá perto de pessoas que fazem isso e que tem isso também como fonte de renda e de vida mesmo, me levou prum lugar e eu acho que eu sou bem feliz assim, nesse lugar, inclusive enquanto pessoa, sabe? de amadurecimento pessoal mesmo. Então quando eu olho as coisas acontecendo, eu acho que é isso, quando você faz o que você gosta, você vai se deixando levar, mas você sabe que você está indo prum lugar que vai lhe fazer bem, sabe?

E eu acho que trabalhar com bordado me levou pra esse lugar, inclusive de mais tranquilidade pessoal, de quando as coisas acontecem eu parar e dizer “calma” e focar. Eu paro e eu fico tentando ver ali qual é a solução, sabe? Quando a gente tá bordando e a linha embola todinha, você fica a ponto de desistir, você fica ali tentando tirar aquele nózinho com bem muita paciência, acho que me ensinou a fazer isso na vida, sabe? Acho que é por isso que se mistura tanto com o pessoal e o trabalho assim, acho que uma coisa vai ensinando e…impulsionando a outra.