Lu Borre, 39 anos

Lu Borre

Narrativa

minhas raízes foram se firmar aqui

Eu sou natural de Porto Alegre e carrego fortemente os aspectos da cultura do Rio Grande do Sul para onde vou. Já transitei por vários lugares, morei alguns anos em Goiânia, morei um ano em Pamplona-Espanha e encontrei aqui em Pernambuco o meu lugar no mundo. Sempre fui muito inquieta e aventureira, e antes sem muitas raízes. Mas aqui eu gosto de viver e sou feliz (ri).

Todos os meus trabalhos assim poéticos sempre puxa alguma coisa pra infância

Todos os meus trabalhos em artes sempre puxam alguma coisa da infância. Por mais que eu conscientemente tente “não, vou fazer outra coisa”, quando eu paro pra pensar sempre remeto minhas intenções para algo da infância. O “Balançar em dois ou em balanço” [obra de Lu Borre] é uma experimentação poética em que voltei para meu tempo de infância com meu pai. A gente tava sempre com um balanço em casa, a gente morava numa casa com terreno amplo e com muitas árvores no pátio. Uma maravilha de vida, né? E aí, nesse lugar sempre tinha um balanço, porque era muito fácil de fazer, do mais simples ao mais elaborado e sempre era meu pai que fazia. Essa vivência da infância está se tornando uma vivência poética em conjunto. É bem bacana resgatar um pouco isso.

Vila

Então, em Porto Alegre eu morava em uma Vila – comunidade –  chamada Safira.  Minha mãe e meu pai são pessoas bastante humildes, mas meu pai sempre teve a convicção de que a única coisa que ele ia deixar pra gente – meu irmão e eu – seriam os estudos. Então ele madrugada na fila e conseguia manter meu irmão e eu dentro de uma escola privada, que no entendimento dele, naquele momento, era o melhor pra nós porque estaríamos longe da violência do bairro.

Meu irmão e eu vivíamos em dois mundos, o mundo local, que era de pouca abundância de recursos e oportunidades e no outro turno a gente tava na escola privada vivendo no meio daquelas pessoas com muita fartura financeira. Então eu sempre senti que estávamos vivendo em dois mundos diferentes. Foi na Escola São Francisco, que hoje é uma grande rede, que a gente teve a oportunidade de formação, meu irmão e eu.

linhagem materna

Na infância e adolescência tive muitos problemas com o lado materno e maior segurança com o lado paterno. Vários trabalhos que eu desenvolvo [em poéticas] também tem uma ligação com essa busca de cura com algumas heranças maternas, que não são somente de minha mãe, mas vem da linhagem materna toda. Então muitas dessas poéticas atuais vem disso, por meio de algumas dificuldades de relação, de algumas situações com a minha mãe e avó.

minha linhagem materna é alemã

Outra coisa que marcou muito a infância foram as tradições de minha linhagem materna oriunda da colonização alemã. Então a minha mãe veio morar na capital vinda de uma colônia alemã do interior do Rio Grande do Sul, e falava um português com muito dialeto local. Quando ela era jovem decidiu ir para Porto Alegre. Meu irmão e eu sempre escutávamos essa fala diferente que vinha da educação da minha mãe, da educação doméstica.

me tornei professora

Depois que me tornei professora, eu fui trabalhar nessa escola [onde ela estudou, Escola São Francisco) e fiquei onze anos nessa escola trabalhando. Era a mesma escola em que fui aluna desde a pré-escola (atual educação infantil) assim até o ensino médio. Ai, eu tenho muito carinho por essa instituição que hoje é uma rede que tem mais de dez escolas, é uma rede cristã, ligada a arquidiocese de Porto Alegre.

E eu lembro que quando eu comecei a dar aulas nesta escola recebi como colega paralela a minha professora do Pré, você acredita? Foi uma coisa muito emocionante porque eu fui ser professora do 3° ano do ensino Fundamental e a minha paralela, aquela com quem eu dividiria o cotidiano escolar, tinha sido a minha professora da pré-escola. Foi bem bacana isso. E a gente trabalhou juntas por vários anos, professora Margarete.

Então, bacana, eu gosto de contar isso porque simboliza uma trajetória. Um marco bacana na formação e uma ligação afetiva com o lugar. Tanto que foi intenso quando eu me distanciei de lá pra ir fazer o doutorado em Goiânia. Tava em minha vida estava estabilizado em Porto Alegre, tinha o meu trabalho, minha casa, um relacionamento, mas deixei tudo isso pra ir morar em Goiânia e uma das coisas mais difíceis pra mim foi me desvincular dessa instituição porque eu amava dar aulas lá. Eu me sentia muito feliz sendo professora nesse lugar. E nessa escola eu sempre me senti muito contente como professora, sempre tive muita oportunidade de ser uma professora bem inventiva, não era tolhida por ser essa professora que inventava demais.

Relacionamentos

Hoje eu estou num relacionamento, com compromisso que é comigo mesma em primeiro lugar e com Walton. Eu já tive alguns relacionamentos, mas a minha inquietude em relação a onde eu queria estar no mundo sempre impediu qualquer concretização de relacionamentos um pouco mais formais.

Ana Júlia

Eu sou mãe adotiva, Ana Júlia chegou com 8 anos e meio, quase 9 anos, e foi uma coisa que, as vezes é muito difícil de explicar com palavras, mas eu sinto fortemente que foi algo que já era para acontecer. Não como um destino pré- programado, não isso, mas algo que estava no meu roteiro de vida, que fazia parte da minha energia vital. Eu nunca sonhei em ser mãe biológica, nunca via a maternidade, uma mulher grávida, por exemplo, com aqueles olhos “ai, como eu gostaria de passar por isso”, muito pelo contrário, não era algo que eu me encantava. Mas, ao mesmo tempo eu sempre tive desejo de ser mãe e isso era algo que eu estranhava muito, porque eu queria muito ser mãe mas não tinha o sonho da gravidez. Sempre me percebi, desde muito cedo, indo pro lado adotivo.

E, desde Porto Alegre, eu já me preparava pra isso, já participava de reuniões com outras mães adotivas, aí quando eu chego em Recife é quando me estabeleço, vejo que aqui é onde eu quero ficar aí eu decidi, então, agora é o momento de ser mãe.

era uma luz divina

Aí eu decidi ser mãe e não tinha nenhum parceiro na época.  Ana Júlia veio, sabe quando a gente toma uma decisão e que tudo que tá no teu caminho se abre? Era uma luz divina que dizia assim “é isso mesmo, a sua decisão está completamente de acordo com seu propósito de vida”, então tudo que tinha de impedimento ou de dificuldade em relação a adoção imediatamente era limpo, assim, tudo era desobstruído.

Eu trouxe isso também para vários dos meus trabalhos artísticos, não só no campo das narrativas têxteis, mas para a pesquisa em si e como professora formadora de outros professores. Então essa chegada de Ana Júlia foi muito ligada a certeza de que eu estava caminhando dentro do meu propósito de vida, ainda lá não tão esclarecido, não tão visível pra mim ainda, mas isso sempre me sinalizou que esse era um desses propósitos.

Ana Júlia tem treze anos, e tá linda, né? E, você sabe, quando a gente é mãe aquele ser que tá ali no dia a dia te dá muitas pistas sobre mim memsa. Sobre coisas que vocêprecisa  melhorar em si mesma.

a gente tem mais um ainda pra chegar... um menino

A relação com Ana Júlia tem conflitos que a gente pega para ver o que eu posso melhorar como pessoa. A gente tem mais um pra chegar… um menino. Não é pra esse ano, a gente ainda tá se organizando para o momento de começar a de fato concretizar a chegada de um irmão pra ela.

maternidade pra adoção é cheia de mitos

Agora é muito difícil porque essa questão da maternidade pra adoção é cheia de mitos, de crenças errôneas, e também pra mim como mulher sempre… a chegada dessa decisão foi bastante difícil porque a sociedade não consegue entender. Quando mulheres tomam decisões que não vão de acordo com as expectativas esperadas, geram inquietações. Para as mulheres, e vou falar da sociedade menor que é a minha família. Meu grupo familiar não entendia o por quê que eu não queria ter um filho biológico e queria adotar, era uma coisa completamente descabida, então pra mim foi muito difícil escutar muitas coisas e aceitar também que naquele momento eles não tinham condições de entender o que tava acontecendo.

Agora tá muito mais tranquilo porque já passou o momento mais crítico. Por isso que eu disse, quando chegou o momento da decisão: é agora! tudo saiu do caminho, inclusive as fofocas familiares deixaram de me incomodar, ou as expectativas dos outros deixaram de me incomodar, então todo o caminho foi sendo iluminado para que essa decisão se concretizasse.

eu sempre aquela estudante que fazia os trabalhos de artes

Desde a escola, eu sempre fui aquela estudante que fazia os trabalhos de artes e vendia para os colegas. Ninguém queria fazer os azulejos, o desenho do milho, porque a aula de artes era assim. Então eu sempre fazia e vendia ou trocava por lanche. Eu não tinha oportunidade de adentrar no mundo das artes por várias questões. Quando foi o momento de decidir a faculdade, pra minha família, não fazia sentido nenhum o mundo das artes, então eu fui fazer pedagogia, que era algo que eu gostava muito, ser professora.

Coloquei duas opções: artes visuais e pedagogia, pedagogia em primeiro lugar pois era o que fazia sentido pra mim naquele momento que era onde eu visualizava “olha, eu vou ser professora, vou ter onde trabalhar sempre”, mesmo que não ganhe muito bem, mas sempre vou ter uma vaga em algum lugar pra dar aula. Então meu pai e minha mãe também me apoiaram nisso. Meu pai principalmente sempre dizia “você tem que ser professora, você vai tá sempre bem colocada na vida, é uma profissão de respeito para uma moça” aí eu fui fazer pedagogia.

pedagogia

Na graduação em pedagogia na UFRGS [Universidade Federal do Rio Grande do Sul], eu sempre ficava ligada na arte-educação, tinha quase uma uma formação paralela com tantos eventos na área.

Quando eu saí do ensino médio eu já estava dando aula para crianças. Naquele tempo podia, não é como hoje. Depois da graduação eu fui fazer uma especialização em gestão e planejamento escolar, muito contrariada porque o que eu queria fazer era uma especialização em artes, mas era como meu pai sempre ensinava “quando a oportunidade vem, a gente tem o poder de decidir se a gente pega ou fica esperando outra oportunidade”, e aí, eu peguei essa oportunidade de especialização em gestão.

Mestrado

Depois eu fiz o mestrado em educação na PUC [Pontifícia Universidade Católica] do Rio Grande do Sul, também transpassado pelo campo das artes. Aí no Doutorado finalmente quando eu já tinha estabilidade financeira, que eu era professora, tinha o meu salário, eu disse “não, agora eu vou fazer a formação em artes que é o que eu quero”, fiz o doutorado em artes e cultura visual na UFG.

meu doutorado

Fui fazer meu doutorado em Artes e Cultura Visual, na universidade Federal de Goiás, para estudar Cultura Visual a fundo. De lá eu fui morar na Espanha, por um tempo, pra fazer o doutorado sanduíche, fiquei lá um ano e desenvolvi a tese. Voltei pra Goiânia pra finalizar a minha formação e aí sim, comecei a fazer concursos em alguns lugares do Brasil, mas quando eu vi vagas aqui em Recife, eu disse “ah, esse aí é pra mim”, esse aí vai ser o meu caminho, uma coisa bem intuitiva mesmo e muito vibracional. Isso despertou uma intuição de que era pra mim esse caminho, foi em 2014, quando eu vim pra cá, quando eu vim morar em Recife.

O Doutorado sanduíche na Espanha foi com orientação do professor Imanol Aguirre, e aí lá mesmo era um tempo em que as vacas eram mais gordas para pesquisa no Brasil. Nesse tempo o PT, no Governo Lula, criou muitas oportunidades de pesquisa. E fui com bolsa de estudo e aproveitei bastante a oportunidade e terminei a tese lá. Voltei pra Goiânia e, em questão de três meses, terminei, defendi a tese e fiz quatro concursos.

terminar uma tese e ainda fazer quatro concursos

Eu tive uma relação maravilhosa de amizade com o meu orientador no doutorado, prof. Raimundo Martins. É uma figura que admiro demais! Raimundo sempre teve um olhar muito ético e de muita dedicação. Ele disse “ó, Luciana, negócio é o seguinte, o cenário no Brasil vai mudar”, já prevendo tudo que aconteceu nos anos seguintes a 2014…, “não espera não, tua tese tá pronta, defende rápido e vai fazer os concursos que tem porque vai mudar”, e foi dito e feito.

Eu segui a orientação dele. Fui terminando uma tese e fazendo quatro concursos na mesma época, tirei todo fundo que eu tinha na poupança pra fazer concurso, porque concurso é caro de fazer, tinha que viajar pelo Brasil, então tirei toda minha poupança, não fiquei com um centavo, e ainda pedi emprestado. Passei aqui [no Recife, na UFPE], e lá mesmo na UFG, e dito e feito, no semestre seguinte já começou todo um plano de desmonte político das universidades federais. Então foi assim uma dica de ouro que ele me deu.

olhei tudo em volta e "é por aqui que eu vou viver"

Fui chamada ao mesmo tempo nas duas Universidades e preferi vir pra cá sem conhecer nada. Eu só vim pra cá pra fazer o concurso e não conhecia absolutamente nada da cidade. Eu sei que no último dia do concurso… Eu já tinha a resposta da aprovação… Eu sei que eu tava lá no CAC [Centro de Artes e Comunicação, UFPE] e eu disse “eu tenho que comemorar, mas eu não sei nada, não conheço ninguém, não tenho nem telefone nem internet pra falar com ninguém”. Pensei: eu “vou pegar um ônibus e vou pra praia”, aí eu peguei o primeiro ônibus que eu vi e disse “moço, eu quero descer na praia” aí ele “mas em que parte?” eu “ah, me diz uma parte legal da praia”, aí o cobrador me indicou a pracinha de Boa Viagem. Foi ali que eu desci, olhei tudo em volta e “é por aqui que eu vou viver”.

no mar quentinho

Eu já tinha passado lá também [na UFG], fiquei um pouquinho na dúvida porque lá eu já conhecia tudo, lá eu já tinha uma vida de quatro anos. E aqui era tudo desconhecido, mas era aquela coisa de escutar o próprio corpo, né? Quando eu pensava em morar aqui, eu sentia que mesmo com muito medo, um medo que imperava, porque ir pra um lugar que tu não conhece nada, ninguém, não sabe nada sobre índice de violência, não sabe nada sobre o custo de vida assim, tinha muito medo. Mas quando pensava em vim pra cá, ficar pertinho do mar, que é uma coisa que eu sempre sonhava muito e no mar quentinho?! (ri). Você não faz ideia, o sonho de todo Gaúcho é passar as férias no Nordeste, porque o mar é quente. Eu sempre me programava um ano inteiro pra passar uma semana no nordeste. Então toda vez que eu pensava eu sentia que eu ficava com um desejo muito grande de viver aqui.

Eu não vou todo dia pro mar, todo dia não dá, né? Mas vou umas três ou quatro vezes por semana, caminhando no calçadão [da praia de Boa Viagem], eu vou pro banho só quando tá com a maré baixa por causa do tubarão. Quando eu vim pra cá eu pensava jamais que eu vou pro Nordeste pra morar longe da praia, isso era descabido na minha cabeça.

couchsurfing

Eu sempre me adaptei muito rápido. […] Eu sempre participei daquele grupo de Couchsurfing, de mochileiros, né? Então em Porto Alegre eu recebia gente, de tudo que é lugar do mundo e eu também quando ia viajar ficava na casa das pessoas.

Então quando eu vim pra cá, eu encontrei um casal no couchsurfing que me recebeu na casa deles. Quando é pra acontecer… tudo se ilumina e tudo vai abrindo. Eles receberam super bem, eu fiquei na casa deles um tempo porque eu estava descapitalizada, gastei tudo, tava devendo muito. Depois consegui alugar um quarto, fiquei seis meses morando num quarto de um apartamento com mais 5 mulheres e no sétimo mês eu decidi alugar um apartamento só pra mim e depois de uns dois anos é que vim pra cá estando mais estabilizada. Isso tudo sempre aqui em Boa Viagem. Sempre por aqui pertinho do mar.

Eu vou pra UFPE

Agora com essas chuvas e com a pandemia mudou tudo, né? Completamente, bah! Mas tirando esse tempo de pandemia, que era só enclausurado todo mundo e nesse tempo de chuva. Eu vou pra UFPE, não todos os dias, mas três ou quatro vezes por semana. Porque agora eu tô na Coordenação dos Cursos, mas daqui a pouco já saio, aí vai mudar a rotina.

Deixo minha filha na escola bem cedinho, e aí vou pra UFPE, chego lá sete horas e saio de lá mais ou menos umas três horas [15h]. Depois de chegar aqui em casa sempre vou fazer alguma coisa, uma caminhada, uma aula de dança, um passeio. Gosto muito de passear, aí no final de semana a gente passeia, vai fazer uma atividade de caiaque, uma trilha, vai conhecer alguma cidade. Agora eu tô louca pra conhecer Triunfo que dizem que é lindo.

eu defendo a Universidade Pública

Eu defendo a Universidade Pública. Defendo com unhas e dentes porque é um lugar onde se desenvolvem de fato pesquisas e pesquisas que importam. Mas, é onde o professor de ensino superior tem uma oportunidade de desenvolver pesquisas, porque professores das universidades privadas só dão aulas. Na pública a gente tem hora para pesquisar, então eu vou três ou quatro vezes na semana para gestão ou pra dar aula como professora, mas eu também tenho um dia que é o meu dia de pesquisa, que eu leio, que eu escrevo, que eu vou desenvolver alguma investigação. Eu pesquiso na área de Artes, arte/educação. Essa pesquisa sempre está ligada a produção poética.

Antes, Ana Júlia ficava no integral na escola justamente porque eu também precisava disso. Não dava pra ficar com ela aqui em casa que aí eu não consigo fazer muita coisa. Agora ela tá grande, então tá diferente, mas quando ela chegou, não conseguia fazer absolutamente nada em casa. Aquele tempo de início de relação entre mãe e filha foi quase exclusivo para o fortalecimento da nossa relação.

Ela acompanha tudo que eu faço

[Ana Júlia] ela acaba se envolvendo com um monte de coisas que faço. E é muito legal porque como eu trabalho com gênero e sexualidades, ela também já tem um olhar bem mais aberto em relação a isso. Quando vão discutir na escola já chamam ela de feminista e ela até gosta. Ela acompanha tudo que eu faço e falo publicamente. Na pandemia ela assistia às aulas, participava das aulas, acho que ela tem um envolvimento direto. Os estudantes conhecem Ana Júlia, ela de vez em quando ia dar aula comigo. Ela ficava lá “se achando”.

Lá em João Pessoa [na exposição Tramações 3], ela tava super metida “não, mãe, eu acho que essa obra aqui… não não não, não tem nada a ver, esse crochê ficar junto com a televisão!”. Ela ficava dando opiniões de curadora e de expografia.

o crochê, o bordado, o tricô

[aprendi] Especificamente com a minha mãe. A minha mãe tinha um quarto de costura, com uma máquina, aquelas de pedal. Furei tanto meus dedos naquilo já, bah! Várias vezes, ela também. Mas foi basicamente com a minha mãe que aprendi as técnicas têxteis, desde o crochê, bordado, tricô principalmente a costurar, porque a mãe fazia todas as nossas roupas.

Uma vez, a minha mãe ganhou um manto pra cama da patroa dela, então ela levou pra casa e transformou aquilo num casaco, pro inverno. Ela costurava na máquina de costura várias roupas, vários vestidos. Eu tenho aquele vestidinho branco, que eu era bem pequenininha, ela fez um vestidinho branco, com a parte da saia dobrada, porque cada ano ela ia aumentando um pouquinho, pra aproveitar ao máximo de acordo com o meu crescimento. Até eu crescer num ponto que não conseguia mais usar o vestido.

Aí volta a questão das heranças… Como minha mãe era de uma comunidade, uma colônia alemã, sempre foi muito forte essa junção das mulheres da família pra produção de enxovais. Eu já tinha treze anos e a minha mãe já tava começando a fazer meu enxoval de casamento. Então eu já tinha paninho de prato, paninho decorativo, toalha, toalha de mesa, tudo têxtil, daqui a pouco veio as panelas…

Na minha formatura, por exemplo, o que eu ganhei de presente das minhas tias foram toalhas e todas com aquele bordado lindo, com aquele crochê em volta, com frases cristãs. Então eu sempre estive envolvida com essas técnicas, só que eu fui perdendo a prática quando fui estudando, trabalhando. Quando tava aqui em Recife, eu tive a oportunidade de me dedicar ao que eu queria fazer mesmo, né? Artes! Aí foi quando eu retornei a bordar, a fazer crochê, até tricô e a trabalhar com outras linguagens, pintura, desenho…

Todo têxtil que minha mãe fazia era pra um fazer utilitário, tudo era roupa, o tricô era pra fazer uma blusa… tudo tinha uma função, o crochê era pano de prato,os guardanapinhos.

muito "Belas Artes" que coloca o têxtil pra baixo

No curso de Artes Visuais ainda tem uma tradição muito “Belas Artes” que coloca o têxtil pra baixo, aliás, coloca pra baixo não, nem consideram, na verdade. Simplesmente nem considera como algo relevante ou importante. Para mim foi importante me adaptar a este contexto pra depois começar a investir neste campo com os estudantes. Porque os nossos estudantes também tem experiência com o têxtil. É engraçado isso, eles estão se formando em Artes Visuais, fazem toda graduação, mas aquelas experiências que eles têm de casa, das suas tradições familiares, nunca foi levado em consideração na formação deles, eles saiam da graduação achando que o que aquilo acontecia não tinha um valor estético, poético, muito menos pro sistema das artes.

desenvolver poéticas e legitimar as produções têxteis

Então quando consegui desenvolver poéticas e legitimar as produções têxteis comecei a ver essa avalanche de estudantes interessados nisso. Os estudantes diziam “não, mas eu aprendi o crochê com minha vó”, “minha mãe trabalha com isso, ela sustentou a família vendendo bolsas de crochê, ou cachecol”, e quando isso começa a ser trabalhado nas disciplinas e a ser discutido nas disciplinas teóricas de estética, arte e sociedade, aí a gente começa a ver os estudantes investindo também num certo resgate de suas tradições familiares. O principal viés são as tradições familiares. Mas não é o único, o que eu mais vejo na formação dos estudantes é esse viés da herança familiar. Vários estudantes se identificam muito mais com as possibilidades que o têxtil vai dando ou tudo que vai expandindo para a performance e pra outras linguagens.

caminhos que são fortes no têxteis que eu percebo hoje

Tem vários caminhos que são fortes no campo têxtil e que eu percebo hoje. Inclusive, vai sair um artigo meu sobre isso, que eu fui mapeando como o têxtil tem se apresentado. Um deles  é esse viés da herança familiar, do artesanato, dessa discussão de arte e artesanato. Essa discussão tem uma outra cara hoje… Um tentativa de não viver nessa dicotomia que mais prejudica do que ajuda.

Gêneros e sexualidades são um dos principais assuntos que tá acoplado com o têxtil, porque investimento poético geralmente está ligado a narrativa autobiográfica, então vem uma narrativa autobiográfica e a gente trabalha o processo de criação a partir dela. Com muita frequência, gênero é o campo reflexivo que mais aparece, que é a questão da mulher, nas artes, na sociedade, a violência contra mulher. As dissidências também vem com uma força muito grande.

Agora gênero, de fato, do feminino é o que impera no têxtil. No entanto, as interseccionalidades aparecem com muita força, num quantitativo menor, porém com muita potência. E porque esse quantitativo vem menor? Vem menor porque obviamente agora na universidade é que a gente tá vendo o resultado das cotas raciais, por exemplo, é agora que a gente tá vendo o resultado das cotas para pessoas com deficiência, pras pessoas que se identificam como indígenas ou de comunidades originais, pessoas negras e pardas, então agora que a gente tem a presença de fato de narrativas distintas. As ações afirmativas que estão sendo feitas nos últimos anos e por isso que agora que a gente vê o têxtil sendo invadido pelas dissidências de gênero, pelas questões etnico raciais e acredito eu que daqui alguns anos isso vai ser um assunto assim recorrente, muito discutido, visualizado e com muito menos preconceitos.

imprescindibilidade têxtil

Não é a materialidade têxtil [a materialidade que eu tô falando é linha, agulha, tecido…] que de fato impregna o fazer poético, que transpassa os desejos de criação poética, não é o material mas é que a gente tá chamando de imprescindibilidade têxtil. É a ideia da trama, e não só da trama, mas do fazer relacional, então eu tenho percebido muito mais isso do que falar se o estudante, ou se a proposta poética é feita com um material têxtil, o que mais tá circulando é essa imprescindibilidade do pensar têxtil e esse pensar têxtil está ligado ao coletivo, ao fazer junto, ao fazer de maneira cooperativa, relacional, colaborativa, principalmente e de maneira relacional.

Então esse pensar têxtil tá muito ligado na relacionalidade do processo, claro que importa não somente o produto artístico em si, mas muito mais como a gente liga aquilo ao têxtil. Tenho um exemplo… No último Tramações uma estudante tava fazendo experiências com bioplástico, criando bioplástico, à partir da tapioca, e nos interessa entender porque ela tava ligando aqui ao têxtil, o que que tinha a ver. A princípio, não tinha relação alguma com o mundo têxtil, mas a curiosidade era porque que essa artista, essa estudante tá ligando essa experiência com a tapioca ao têxtil? Quando ela relata o processo de pesquisa e suas motivações a gente percebeu “isso é têxtil! é total”, é mais têxtil que aquele que fez um bordado, aquele que apresentou uma poética em bordado. A trama de sentidos dessa estudante é um bioplástico de tapioca tinha muito mais a ver com o têxtil, mas não tinha nada de materialidade têxtil. Ela falava da trajetória dela na indústria da moda, na produção de roupas sustentáveis, bem no campo da moda mesmo, e a narrativa dela deixou muito bem pontuado que aquela pesquisa tava ligada ao mundo têxtil e à imprescindibilidade têxtil.

Então é mais ou menos nesse caminho que eu tenho visto aparecer coisas assim. Não foi só essa do bioplástico, teve outros exemplos de coisas que não são tão têxteis e que todo mundo perguntava “por que que isso tá em Tramações se não tem nada a ver com têxtil?” Por isso, também é muito importante que a materialidade da obra esteja acompanhada de um memorial. E, por isso que lá no “Afeto em Nós”, a gente pediu que tivesse junto com a obra a descrição técnica e o memorial também, para que o memorial ele fosse um disparador de perguntas.

a experimentações poéticas com as narrativas têxteis

A minha linha de experimentação poética tá muito ligada a duas coisas: a experimentações poéticas com as narrativas têxteis, então aí eu vou pra performance têxtil. Quando eu tenho que encaixar em um edital, ou pra alguma seleção, aí eu encaixo “performance têxtil”, “fotografia têxtil”, “bordado”, “crochê”, mas se eu não preciso encaixar eu digo que o meu caminho ele tá ligado a experimentações poéticas, com as narrativas têxteis, é isso que eu gosto de dizer, que são experimentações poéticas e essas experimentações poéticas.

relacionalidade com outras pessoas

Minhas poéticas sempre tem a relacionalidade com outras pessoas. Eu gosto de estar junto com as pessoas, embora a minha filha me chame de antissocial (ri). E é verdade. Ela um dia chegou da escola e disse, ela tinha nove anos: “mãe, a senhora é antissocialista” eu: “antissocialista? O que tu quer dizer com isso?” E ela: “a senhora não gosta de socializar com ninguém” Não gosto de ficar fofocando com vizinhos, mas adoro estar com as pessoas quando a gente tá envolvido em algum projeto, ai eu adoro! Então a minha linha de produção poética está ligada à relacionalidade, eu gosto de propor coisas, eu vejo que eu tenho um potencial pra agregar pessoas a projetos, então é isso que eu tento fazer.

Tramações 1

Tramações nada mais é do que isso: tramar junto. Esse ano já vamos para a quarta edição. Tramações começou assim, em 2015: eu tava em sala de aula com os estudantes, todos lá discutindo questões de gênero, do sistema das artes, como é injusto que os jovens não têm oportunidades no sistema dito oficial das artes. Eu disse, “não gente, então vamos criar nossa oportunidade! que história é essa que não tem oportunidade?, vamos nós criar, ué! Vocês já tão num campo de empoderamento que é estar dentro da universidade, então vamos criar nossa oportunidade”. Foi daí que surgiu o primeiro Tramações, que foi partindo dessas questões dos estudantes, da necessidade de trabalhar processos de criações juntos e expor isso. O grupo criou a primeira edição de Tramações que tinha muito o viés das questões de Gênero e Sexualidades.

Tramações 2

Na segunda edição continuamos a trabalhar com as questões de gênero e sexualidades, mas percebemos que muitos processos de criação continham narrativas do têxtil. Foi nessa segunda edição que tivemos a questão da denúncia de vilipêndio religioso. Os evangélicos nos acusaram e queriam cancelar a exposição, mas a reitoria foi super parceira e disse, lembro bem a fala do reitor na época “Universidade é lugar de circulação livre do conhecimento”, e aí ele sustentou até o final. A exposição cresceu e foi prorrogada por mais tempo.

Tramações 3

Então isso cansou muito, mas deu muito gás pra gente fazer a próxima, só que aí veio a pandemia. Dessa vez, “vamos agora fazer sobre o têxtil”, já que a segunda edição tinha muito têxtil agora o foco é Têxtil, não é mais gênero e sexualidade, embora viesse, mas agora o foco é têxtil.

Mas aí veio a pandemia e a gente experimentou uma relacionalidade virtual. Isso foi legal pra aquele momento, teve coisas muito positivas, mas que já não comportam a necessidade do encontro. Hoje a gente precisa se encontrar.

Tramações 4

A 4° Edição, presencial, foi surgindo a partir das anteriores. Dessa vez, com o ajuntamento de 7 professores e residência de uma artista argentina. O número de participantes foi recorde e tínhamos cerca de 80 pessoas trabalhando juntas em processos de criação no Centro Cultural Benfica. Uma coisa eu já tinha decidido, sozinha eu não trabalho! Nunca fui, nenhuma edição de Tramações fui eu, sempre foi em conjunto, eu sempre visualizei assim, eu poderia tá ali como a que articula, mas não faria sozinha.

Eu vejo que o meu papel hoje é de articular isso, marcar reuniões, dizer “Clarissa, vamos lá registrar esse projeto que eu te ajudo! Te passo o projeto e a gente consegue a carta de anuência”.  Andrea, “tu fala com as mulheres lá da Comunidade do Coque, topa?!” Aí a Andreia topou, então é assim que vai surgindo Tramações.

Também decidimos que usaríamos um dia todo por semana para as práticas, porque o têxtil é a questão do tempo. A gente não tá ali na manufatura, a gente tá ali no artesanal, no processo lento, no processo que não dá conta da agilidade exigida no cotidiano. A gente precisa do tempo da produção têxtil. E, por isso que a gente colocou que pelo menos para os estudantes da Graduação vai ser o dia inteiro, manhã e tarde. Quem é extensionista a gente vai conversar se faz só um turno. O tempo é importante. É o tempo da relação com outras pessoas e a gente tá vendo isso nos grupos. Toda a vez que a gente se reúne as meninas saem “opa, já mudei o meu processo de criação, já não vai ser mais assim” porque o relacional que ajuda no processo de criação individual, isso que é que faz parte da imprescindibilidade do têxtil.

Então, a 4° Edição do Tramações vai ser um projeto de produção poética com o têxtil, e o que já está previsto é: são cinco tipos de oficina, a gente tá chamando de oficina mas a gente pode dar um nome mais poético pra isso depois. Uma é de performance têxtil que é a Carol Consentino que vai dar, outra é de bordado que é a Maria Hermínia, a de tapeçaria que vai ser Clarissa e a de produção em vídeo que é com ANdré, e a de memória que vai ser com Betânia e essa de memória é onde vai se discutir o relato autobiográfico para produção poética.

Aquele que é mais experiente ensina o que é menos experiente, é sempre essa ideia. Então Carol Consentino, por exemplo, é performer e ela não vai lá somente ensinar performance, não é isso, não é essa ideia, ela vai compartilhar o que ela sabe de performance e vai ver o que os estudantes que estão ali tem de conhecimento prévio sobre performance têxtil e juntos vão construir alguma coisa. Clarissa também, Clarissa é fera na tapeçaria, na tecelagem, mas ela vai mediar o conhecimento e não somente transmitir.

A gente não quer essas senhoras lá da comunidade do Coque estejam em Tramações pra receber os nossos conhecimentos, a gente não quer isso, a gente quer que elas digam o que sabem e aí a partir disso criar coisas que não existem, o não-lugar, o lugar do não-lugar, o lugar do que pode vir a ser, do devir, do que pode vir a ser. Então, essa é ideia do Tramações, que vai acontecer de junho, final de junho até outubro [de 2022]. E aí em outubro tem a culminância que é a exposição de tudo isso.

feminilidade não é o mesmo que ser mulher. E, masculinidade não é o mesmo que ser homem

Eu tô até tomando uns florais pra questões de feminilidade. Veja, eu acho que hoje eu tô, eu vejo que feminilidade não é o mesmo que ser mulher. E, masculinidade não é o mesmo que ser homem. Eu vejo que eu, enquanto mulher, eu tenho uma energia feminina muito forte, mas eu também tenho uma energia masculina, muito forte e tenho tentado trabalhar a minha energia feminina com mais afinco.

Por algumas questões familiares e algumas heranças da minha linhagem materna, o ser mulher sempre teve muito ligado a uma situação de submissão na situação de se deixar controlar, se deixar aprisionar, então, pra mim antes mulher significava ter algo de sofrimento, principalmente social. E, por isso, o meu lado masculino, a minha energia masculina era muito forte, e foi essa energia masculina que me fez chegar onde eu estou. Não queria ser vulnerável e mal sabia que essa é uma bela atribuição do feminino saudável. Eu tinha abominação pela ideia da mulher que é dona de casa, e hoje vejo a casa como lar, como acolhimento.

Foi essa energia masculina que me fez sair de casa, que me fez andar pelo mundo, que me fez buscar outras coisas, é ela que hoje faz com que eu eduque minha filha, essa energia masculina me ajuda a educar a minha filha com o que ela precisa de autoridade (sem ser autoritarismo). Então eu lutava muito pra não ser aquela mulher semelhante às imagens que eu tinha de mulheres na minha família. Meu ser mulher sempre rechaçou o lado feminino nesse caminho.

equilibrar o meu lado feminino

Atualmente o que eu tenho tentado desenvolver por meio da terapia, da arte, ou pelos processos poéticos e nesse caminho de autoconhecimento é equilibrar meu lado feminino e masculino. E me entender como uma mulher diferente da mulher que eu já fui. Hoje ser mulher pra mim é ser alguém que busca o equilíbrio entre essas energias masculinas e femininas. E eu tenho aprendido isso ao ser mãe, ser mãe me ajudou muito. Tem me ajudado muito com as mínimas coisas. E esse meu lado feminino pra ser aquela que acolhe, porque o feminino é muito disso, de acolher, de gerar, não só filho, mas gerar coisas.

eu não me vejo, no meu trabalho, disputando lugares de poder

Hoje, por exemplo, eu não me vejo, no meu trabalho, disputando lugares de poder com homens, e tentando me fazer de forte, pra poder ser bem vista. Hoje eu estou numa reunião e eu não preciso mais disputar a fala com homens. Porque eu antes fazia muito isso, porque eu achava que era necessário, ainda hoje acho que é necessário, a gente dizer “não, agora quem tá falando sou eu e você vai escutar”. E em muitas reuniões as mulheres são de fato silenciadas. Mas eu também percebia que eu deixava esse lugar de silenciamento me abalar e hoje como não abala tanto eu não preciso mais tentar me igualar um homem pra ganhar respeito, pra me fazer respeitar no ambiente de trabalho.

Eu sou muito feliz no meu trabalho, porque eu estou exatamente onde eu me vi há dez anos atrás. Eu gosto de ser professora. Eu sou uma professora artista e o lugar onde eu venho é o lugar da educação. Então tudo que eu tô produzindo poeticamente por incrível que pareça eu tô pensando como isso chega no outro. Sempre vem esse pensamento primeiro do que como eu acesso a mim mesma nesse processo poético. Meu lugar sempre vem como educadora pra vir como artista. Eu me acordo feliz pra ir pro trabalho, pra ir dar aula. Quando eu sei minhas disciplinas do próximo semestre eu já fico “o que eu vou fazer? o que eu posso aprontar? o que que eu posso errar?”.

eu não ganhei nada, eu conquistei

Eu me sinto orgulhosa de mim porque eu não ganhei nada, eu conquistei. E hoje eu tô contente com isso e o têxtil chegou na minha vida agora de novo justamente porque agora eu conquistei um lugar em que eu posso respirar outras coisas, aquilo que me dá prazer.

O têxtil me dá prazer. Estar junto com outras pessoas fazendo narrativas têxteis me dá prazer. Eu reconheço que hoje eu ocupo um lugar que eu conquistei.

Meus pais são muito orgulhosos de mim e do meu irmão

Meus pais estão muito orgulhosos de mim e do meu irmão. Eles sempre foram uma base forte na nossa casa e que sustentou assim em vários sentidos a família. Meu pai pousava todos os anos na fila das matrículas pra pegar as bolsas na escola. Tinha uma fila na madrugada e ele levava a cadeira de praia dele e ficava lá esperando, de um dia pro outro pra pegar duas vagas, uma pra minha e uma pro meu irmão. Ele dizia que a única coisa que ele ia deixar pra gente ia ser um estudo. A minha mãe é uma pessoa trabalhadora, sempre foi.

pra resumir toda essa fala, o têxtil hoje, nada mais é do que o meu lugar de decisão

Eu me afastei do têxtil na adolescência e início da vida adulta porque isso me ligava a minha família, ao feminino distorcido. Então eu queria ver longe, não queria resgatar porque me trazia lembranças que são ruins. Mas agora o têxtil é pra mim, tem sido, um processo de dizer “Luciana, você é hoje, adulta, a única responsável por essa herança, você acolhe ou você muda, mas só você é responsável por ela”. Hoje tudo que eu venho fazendo com o têxtil significa que eu tomei a responsabilidade das minhas ações como adulta e me desliguei de alianças destrutivas, e não atribuo mais coisas que não dão certo a minha infância, a minha mãe, a minha vó…. Hoje eu reconheço os fatos difíceis, mas sou adulta e posso escolher o que perpetuar. Então, pra resumir toda essa fala, o têxtil, nada mais é do que o meu lugar de decisão, pronto é isso!