“Me sinto forte. E as mulheres guerreiras que eu conheço também, muitas.”
Nosso encontro com Luciene foi em frente à sua casa num fim de tarde, culminando no pôr do sol de Passira. Sim, porque Luciene mora na parte alta de uma ladeira e o pôr do sol visto de lá é mesmo deslumbrante.
Sua casa é laranja, assim como o sofá que fica na calçada em frente à casa. Ali também tem um banco de madeira e uma cadeira de balanço. Acho que isso é um sinal de que não falta conversa nos finais de tarde… Mas ela gosta mesmo é do mar. Ama. Gosta do cheiro e do vento. Passaria o dia todinho admirando…
Luciene engoma e passa bordado, disse que pegou a profissão da mãe. Da mãe também veio o ‘Rita’ de Luciene Rita. Ela nos disse que foi assim, todas as suas irmãs tinham o Rita no nome, e os irmãos tinham Severino.
Decidida, se matriculou na escola porque o filho estava reprovando o sétimo ano, pela segunda vez, e ela decidiu que terminaria o ensino médio junto dele. Ela estudou pra que o filho não deixasse de estudar.
Nessas horas, a gente não tem como não se arrepiar, não tem como não brilhar os olhos… aí ela diz: “Tem que ter força e fé, né? Pra não cair. A gente é forte.”
É… é mesmo.
Narrativa
EU TRABALHAVA NA ROÇA
Nasci em Cumaru. Morei nas Tábuas, um sitiozinho, faz tempo que saí de lá, acho que uns 45 anos, por aí. Saí de lá acho que eu tava com uns sete anos. E vim pra Passira em 1982. Eu trabalhava na roça, pequena. Eu ia pra roça com meus pais, limpar mato, plantar feijão, plantando milho, e o estudo foi pouco.
O "RITA" QUE TEM NO MEU NOME É DA MINHA MÃE
Quando eu vim pra Passira, foi no tempo que minha mãe se separou do meu pai e veio todo mundo. Tudo que era de criança ela trouxe, aí ficou difícil, era dez filhos.
Minha mãe é Rita, a gente escolheu vim com ela, ninguém ficou com meu pai. Eu sou das cinco mais novas. O “Rita” que tem no meu nome é da minha mãe. Antigamente era assim, né? Luciene Rita, tem Maria Rita, todas as irmãs são Ritas. Família Rita, os homens “Severinos”. São três homens. Antigamente era assim botava o nome do pai nos filhos e da mãe nas filhas e era assim sucessivamente.
ELA BORDAVA TAMBÉM, MAS ELA ENGOMAVA MAIS
E no bordado quem começou foi minha mãe. Ela que começou engomando, lavando o bordado na casa de seu Gildo Guilherme. Ela bordava também, mas ela engomava mais. Aí o tempo foi passando pra gente. Minhas irmãs foram aprendendo a fazer o bordado. Eu aprendi, depois esqueci e fui trabalhar em casa de família. Eu achei melhor trabalhar.
PEGUEI A PROFISSÃO DELA DE ENGOMAR
No bordado eu não dava bem não, não gostava muito de bordar não porque doía as costas, cansava a vista, aí depois que minha mãe faleceu que eu voltei pra casa, porque eu tava trabalhando, aí eu comecei com bordado. Peguei a profissão dela de engomar.
Quando eu aprendi [o bordado] foi interessante. Minha mãe morava lá em Chã dos Mulatos, um bairrozinho depois aqui da cidade, a gente morava lá e de lá eu vinha com meus irmãos pro colégio e depois voltávamos e íamos pra loja de Luiza. As pessoas pegavam bordado lá, assim que começou. Aí era “xixi” (panos de xixi, enxoval de criança), pra fazer pintinho, aqueles bichinhos, aí eu me interessei por fazer e comecei bordando, fazendo… depois pensei “isso vai dar certo não” eu não tinha vocação pro bordado mesmo; agora, minha irmã borda bem. Mas vai pela pessoa, cada um escolhe aquela profissão que dá mais certo.
DEPOIS CONSEGUI TRABALHAR EM CASA DE FAMÍLIA
Com 12 anos [começou a trabalhar em casa de família]. Aqui em Passira eu trabalhei um bocado de tempo, mas eu comecei fora, saía pra ver se desapegava da família. Porque pequeno fica difícil trabalhar em casa de família, aí eu voltava com dois/ três dias, uma semana, até me costumar.
Depois consegui trabalhar em casa de família, eu me acostumei. Aí teve uns períodos que minha mãe adoeceu e eu tive que vim pra cá. Eu já tava com meu menino e minha menina, aí eu vim pra Passira, aí parei aqui. Comecei a aprender a passar bordado com ela, ela ensinando, até hoje. Que pra mim sustentar meus dois filhos teve que ser essa vida: bordado.
[Hoje] Moro com meu filho e com minha nora. A minha filha é casada. Tenho duas netas da minha filha.
A GENTE TRABALHAVA TUDO JUNTO AQUI
Eu sou divorciada. 9 anos. Eu casei eu tinha uns 37 com ele, mas eu já tinha meus filhos, porque é de outro relacionamento.
Eu comecei a ensinar ele também a passar bordado, a gente trabalhava tudo junto aqui. A gente morava nessa casa de aluguel, não tinha nada, a gente comia todo mundo sentado no chão, mas há 2 anos e meio a gente comprou ela. Comprei o terreno.
Hoje diminuiu a produção porque o produto é diferente, as pessoa não querem mais bordado em toalha… antigamente era toalha de 5 metros, 6 metros, 7 metros, toalha de banquete. Renascença engomei muito: colcha, toalha. Aí caiu totalmente. O que tá chegando mais pedido é guardanapo pra restaurante. Ah, a gente trabalhava com muita coisa, aqueles paninhos-de-bandeja pano-de-pão… caiu muito.
EU SOU DA ASSOCIAÇÃO, FAÇO PARTE LÁ
Eu sou da Associação [Associação de Mulheres Artesãs de Passira], faço parte lá. Entrei lá faz uns cinco a seis anos que eu tô com elas. Antes eu trabalhava assim, o bordado pra todos de Passira, pra todo mundo. De Passira, Salgadinho, tudo eu passava.
O engomar caiu, parou mais. Não tá vendendo muito bordado, principalmente bordado-lençol, essas coisas de casa. Tá vendendo assim, roupa, “xixi” [pano de xixi, enxoval de criança], guardanapo, o que mais tão pedindo agora, né?
Eu gosto. Fiquei mais doente quando o médico disse “você não pode trabalhar agora”.
Eu vou começar tudo de novo. D. Lúcia [presidenta da Associação] que me deu a maior força também. Eu fui pra lá [pra Associação] e tô até hoje fazendo parte. Vou sempre na Associação.
O ALICERCE DA CASA
A rotina é uma correria, porque a mãe sempre é o esteio, o alicerce da casa. Tudo tem que passar por mim. Alguma coisa que tem que fazer pra dizer se tá certo, ou tá errado. Pedir pra não fazer…
VOCÊ NÃO VAI REPROVAR MAIS NÃO
Eu terminei meus estudos agora com 43 anos, junto com meu filho. Ele foi reprovado dois anos, e eu disse “você não vai reprovar mais não”, aí eu voltei a estudar com ele: sétima e oitava e depois veio primeiro e segundo [ano], aí completou!
Porque sempre eu dizia a ele “sem estudo você não tem emprego e daqui pra frente só vai exigir seu estudo completo”, quando terminou no outro ano ele já conseguiu serviço na loja lá. Aí eu disse “se você não tivesse concluído você não tava trabalhando”. Ele tem 22 anos.
Eu, às vezes doente, eu dizia: “eu vou!”. Eu disse: “eu tô, assim, fazendo o impossível pra você terminar, não é pro seu mal”. Eu tava em depressão tinha quase três anos, mas melhorei esse ano, graças a Deus. Tem que ter força e fé, né? Pra não cair. A gente é forte.
Meus filhos trabalhando, com saúde e fazendo a vidas deles tá bom pra mim. Só penso em deixar meus filhos amparados, pra mim eu não quero mais nada. Quero trabalhar e viver. Viver minha vida, Deus dando saúde e ânimo e força pra eu continuar fazendo o que eu gosto, tá bom. Eu não tenho mais sonho não, tenho só o necessário pra gente sobreviver.
SER MULHER TEM QUE SER FORTE
Ser mulher tem que ser forte e ser guerreira. Pra chegar onde a gente quer, tem que ser forte! Me sinto forte. E as mulheres guerreiras que eu conheço também, muitas. Quando eu escuto outras histórias de outras pessoas, aí eu me identifico com a minha. Tem muitas histórias de mulheres que conseguiram vencer, né? Criar a sua família ter o seu lazer. Aí é assim a gente vai levando a vida, e quem sabe daqui pra frente não melhora.
SE EU PUDESSE FICAVA O DIA TODINHO SÓ ADMIRANDO O MAR
Lazer, aqui? Quando tem um final de semana, um feriado, eu vou pra casa do meu filho mais velho lá em Jardim São Paulo. Passo o fim de semana lá, vou pra praia, ou boa Viagem ou Gaibú, eu amo! Se eu pudesse ficava o dia todinho só admirando o mar. Mas eu amo, amo, amo, o cheiro, o vento, sei lá é muito gostoso, eu amo o mar, nunca mais eu fui.