Mahelena, 31 anos

Mahelena

(conversa realizada em junho de 2022)

Narrativa

no mesmo prédio

[Nasci] aqui em Recife. Eu nasci na maternidade Santa Helena, na Caxangá. Sempre morei aqui, no mesmo prédio, por isso que aqui [estava no térreo do prédio] é meu local de produção assim. Porque as pessoas são muito antigas e me conhecem desde que eu nasci. Aí, todo mundo apoia o meu trabalho, desce, aprende. Fica sempre nesse joguinho de tá aqui embaixo, eu produzo muito em casa, ultimamente eu venho produzindo muito em casa até pelo tamanho das peças, mas quando é uma peça maior e eu tô afim de produzir sozinha mesmo, sem ninguém, sem meu filho, sem minha tia, sem Jefferson do lado, eu desço e aqui é onde eu tenho maior foco, quando procuro mesmo um foco.

meu mundo

[A infância] Ah, era uma delícia, não tinha essas grades, então aqui era mais arborizado, então era onde eu procurava brincar. Eu sempre brinquei muito mais na terra, ali nas árvores, ali naquele cantinho era um jardim lindo, então era onde eu me jogava mesmo, bem maloqueirinha, descalça, não era muito de subir em árvore, nada disso, mas correndo pelo condomínio, era bem livre.

Era um pouco perigoso, porque tirava um pouco da liberdade, mas a gente tentava ainda… a gente descia cedo, não tinha muitos amigos, eu era muito sozinha, então eu brincava muito com a minha tia e minha própria criatividade, né? Eu pegava plantinha, ia lá e brincava de comidinha, amassava, tudo sozinha. Mas sempre muito eu e eu. Eu tenho um irmão mais velho, também criado comigo, não participava muito, então sempre foi muito nessa ideia de estar sozinha. Aí, eu acho que foi onde eu busquei o conhecimento comigo, não sei ao certo, mas foi onde eu fui atrás de estar sempre comigo, logo, eu conversava comigo, estava ali no meu mundo.

[moravam] Eu, meu irmão, minha tia, minha vó e meu avô. Minha vó era bem rígida, então prendia um pouco mais, minha tia era mais de trabalho, de rua, mas era o meu exemplo de mulher dentro de casa, e meu avô era a pessoa mais tranquila, era com quem eu descia. Quando eu estava com ele eu tinha mais liberdade de poder brincar, porque ele sabia que eu ia pro canto mais perto e tava comigo né? Só me divertindo no mundo.

engravidei do meu filho

Eu estudei numa escola de bairro, chamado Colégio Walt Disney, que hoje não existe mais e estudei numa escola próxima que é o Colégio Visão e depois eu voltei ao Colégio Walt Disney pra concluir os meus estudos. Só que nesse período de volta eu engravidei do meu filho que hoje tem doze anos, vai fazer treze e não consegui concluir os estudos, parei no segundo ano.

Nessa história, eu tive que parar mesmo, porque eu não tinha uma rede de apoio pra ficar com meu filho e voltar aos estudos, aí esperei ele crescer um pouquinho. Aí, eu acho que com dois, três anos ao certo fui terminar a escola, aí fui concluir os meus estudos, aí estudei no SESI, no Centro da Cidade.

Davi foi crescendo

Aí lá eu concluí os meus estudos [no SESI], mas parei aí, porque eu também não tinha nenhuma noção do que fazer, nada. Talvez eu cursasse Serviço Social, talvez Design, mas Design era uma coisa bem distante da minha vida até por questão financeira mesmo, que eu achava muito complicado pra mim, mas não tinha muita perspectiva do que fazer e aí nesse meio tempo, Davi foi crescendo, eu também não queria deixar ele com ninguém. Fui trabalhando como promotora de vendas e eu detestava porque era muita exposição pra mim, tinha assédio, tinham situações constrangedoras, de certa forma tinha que convencer o público a coisas que eu sabia que na minha visão não era legal, a ter aquele produto, então… e aí tinha um peso maior que era o meu filho, que já tava chegando seis anos e eu tinha que deixar ele em hotelzinho, ou deixar ele com uma outra pessoa. Que o pai do meu filho trabalhava também, deixar com minha tia, todo esse transtorno e a educação dele sempre pesou muito. Como eu não tive minha mãe por perto, eu tinha essa ideia de “eu tenho que tá perto do meu filho, de educar o meu filho”.

aprendi com uma amiga

Aí, eu já sabia fazer macramê, eu aprendi com uma amiga, na adolescência e eu fui vendo no Instagram, uma galera fazendo da gringa, e eu achando aquilo irado, uns painéis assim, meu olhos brilhando eu disse “eu vou fazer, né?”, se eu sei fazer, eu vou fazer [os painéis].

Vibrando em Linhas

Eu sabia fazer esses pontinhos básicos, que é o nó duplo, até que um dia, minha amiga tava conversando “ah, vamos fazer alguma coisa pra viver”. A gente começou com a ideia de pegar as coisas que já existiam e repaginar, mas isso aí não tava no caminho de fazer porque a gente tinha uma certa preguiça, de ir lá, lixar, não sei o quê… aí fomos pensando, amadurecendo isso e do nada surge a Vibrando em Linhas, e ela disse “vou fazer mandala de lã, vamo comigo?” aí eu não queria fazer isso, aí eu mostrei pra ela o que eu queria fazer, e eu disse a ela “eu queria fazer isso aqui, macramê, eu acho que eu consigo”. E, eu fiz a primeira peça, pra minha casa, mas já me encantei e eu disse “caramba, é o que eu quero mesmo”. E daí fui me jogando pra produzir.

Eu não terminei meus estudos completamente, né? como deveria… não fiz faculdade como eu deveria ter feito, “deveria” né? pra sociedade e me joguei no artesanato, na tecelagem.

Flavinha

[A amiga que ensinou] fazia dreads no cabelo dessa mesma pessoa, Flavinha. Ela fazia dreads e eu queria aprender também pra fazer pulseiras, alguma coisa pra mim, pra eu ter dinheiro, curtir, e não ter que pedir nada a ninguém, nada a minha tia, nada a minha vó a ter um pouco mais de liberdade financeira. Aí, a gente essas pulseirinhas, ela fazia dreads, continua nos dreads, aí eu tinha uma graninha, não era muito mas eu tinha, pra ir pro Antigo, pra dar um rolezinho, mas nada muito sério, nada muito a fundo.

Ah, eu também já fui professora de reforço (ri), era pra duas crianças que a mãe não tinha paciência de ensinar e como era conteúdo básico, matemática básica, português, história eu ia lá e ajudava, não era muita coisa, e eu com dezesseis anos, tanto tudo fresco na minha mente e eu ia lá e fazia, mas tudo pra ganhar uma graninha a mais, pra ter um dinheirinho pra não ter que ta dependendo da família, fazendo a minha história, mas desde cedo já ía lá.

Ele é minha luz

Davi foi uma gravidez na adolescência, não foi planejado, às vezes eu nem sei explicar, quando ele nasceu se tornou o grande amor da minha vida. Foi bem complicado, como eu disse eu não tive rede de apoio, eu aprendi a ser mãe mesmo, foi meio traumatizante porque depois disso eu não quis outro. Ele é minha luz e foi ele que de certa forma me direcionou a querer fazer alguma coisa.

Até porque eu hoje sou o que sou por conta dele, porque eu preferi fazer o que eu faço, não só por gostar, mas por estar perto dele, pra poder acompanhar o crescimento dele, é meio que a gente falar “ah, não a gente trabalha em casa vai cuidar do filho”, não a gente não cuida cem por cento, né? Porque acaba se entregando a produção, mas eu tô aqui pertinho, o que acontecer ele sabe que eu tô aqui em casa com ele e ele pode recorrer a mim, né? e não é outra pessoa, sabendo que eu estou aqui.

E, ele é uma criança maravilhosa, não dá trabalho, nada, vocês subiram e nem viram a cara dele (ri). Ele é essa criança tranquila, adora o meu trabalho, não se interessa, mas ele tem o maior orgulho do meu trabalho. Há um tempo atrás, quando ele era um pouco menor ele esperava eu terminar a peça pra ficar admirando o que eu faço, um amorzinho. Mas, ele não se interessa em aprender isso nem passa pela cabeça dele… uma vez ele chegou e disse eu vou fazer uma pulseirinha, mas ele pegou e desistiu ali, não é uma coisa que e ele foque, que ele goste

Quando ele chegou na minha vida ele foi meu renascimento, ele trouxe um norte, um caminho pra mim, eu era uma pessoa antes dele, mas depois que Davi nasceu eu me tornei outra. Eu evoluí, eu digo a ele, eu passei de estágio. Eu tinha dezessete anos.

eu apresentei o macramê

A Vibrando em Linhas ela nasceu com a ideia de Flavinha, Flávia teve a ideia de fazer alguma coisa, começou com mandala de lã e eu apresentei o macramê, ela gostou logo da ideia, ela disse “eu faço a mandala e tu faz o macramê”. Foi bem difícil no começo porque o macramê só existia pra acessório, a galera não conhecia como decoração, era mais colar, pulseira, era mais popular. Então eu tinha que ir pra vários eventos, várias feiras pra fazer com o que as pessoas conheçam o macramê nessa proposta [de decoração].

eu comecei com cinquenta reais

No início foi bem complicado, até por falta de recursos, eu comecei com cinquenta reais, comprei um monte de barbante de várias cores, e fui fazendo mini suportes e levando pros locais, levando fotos, era bem pequeno a Vibrando em Linhas, a gente começou a gente já tinha essa página [no instagram] e ela já tinha 500 seguidores, mas era mesmo que nada, porque ninguém conhecia nem a mandala nem o macramê, a gente que correr atrás de trazer público.

Pouco tempo depois ela disse que não queria mais fazer parte, porque ela já tava em outra história, ela tava mochilando por aí e não fazia mais parte da vida dela e ela deixou nas minhas mãos e na hora eu fiquei desesperada porque eu não sabia fazer foto direito, até hoje eu não sei, hoje eu tô bem melhor, não sabia divulgar, não sabia ir atrás de seguidores, não sabia ir atrás de público, foi, eu meti uma cara, ou era eu ou era eu.

uma pausa na Vibrando em Linhas

Aí, eu passei por um processo na Vibrando em Linhas nesse meio tempo, eu sofri algumas coisas dentro de casa, que foi com meu irmão, onde eu precisei me mudar e nesse processo com ele eu voltei a minha depressão, porque eu já tinha depressão, até pelo que passei na minha vida e desencadeou a depressão novamente. E, acabou que eu tive que dar uma pausa na Vibrando em Linhas nesse período porque eu não conseguia, não sabia o que fazer, Flávia havia saído, eu tinha passado por essa situação com meu irmão, tinha saído de casa com um filho, não sabia o que fazer.

peça do retorno

Até que do nada surgiu um amigo e me pediu encomendas: “faz isso aqui pra mim”, eu tenho as fotos desse painel até hoje. Eu não podia deixar de lado, eu precisava de dinheiro e ali era o que podia me fazer voltar pra Vibrando em Linhas, aí eu disse “faço, mas eu vou precisar de um período de produção, porque tá complicado pra mim, eu não sei como tá meu psicológico” o nome dele é Mateus, ele me deu esse tempo de produção e eu produzi a minha primeira peça do retorno da Vibrando em Linhas, logo em seguida veio outra encomenda, parecida com a dele e só mudava as cores, e aí eu fui produzindo essa mesma peça, depois esse mesmo painel mas outro suporte, e aí foi acontecendo e foi quando eu comecei a ter dinheiro pra comprar material melhor. E aí, foi quando eu comecei a produzir com o material melhor, eu fui uma das primeiras pessoas a trazer com esse material e esse tipo de trabalho.

GRUMAI - Grupo de Mulheres Artesãs Independentes

Aí, foi que nesse período também surgiu um grupo de mulheres artesãs, que foi idealizado por Priscila, Priscila que também tinha uma página da Toca Ateliê, que também fazia macramê, só que de acessórios e aí ela chamou Flavinha pra fazer parte, Flavinha me puxou, aquela história, só que ela não pôde continuar. Aí, eu fui com Priscila fazendo parte desse grupo e foi o que me deu fôlego pra voltar mesmo, eu, ela e outras meninas começou a organizar feiras só com mulheres, também artesãs que estavam começando e tinham vergonha de ocupar espaços públicos que eram nossos por direito.

O nome do Grupo é GRUMAI – Grupo de Mulheres Artesãs Independentes, aí eram mulheres jovens, cada uma da mesma faixa etária, passando mais ou menos pela mesma situação, um com o casamento abusivo que tinha acabado de finalizar, a outra por violência doméstica, que era o meu caso, a outra por ter passado uma situação complicada financeira e assim vai, só que mulheres com a mesma faixa etária.

Aí, cada uma encabeçou isso e cada uma foi correndo atrás de alguma coisa. Eu e Priscila ficamos responsáveis de ir atrás de pessoas que pudessem abrir caminhos e nos dar oportunidades para levar o Grupo pra esses locais, nesse meio tempo, a gente ia ocupando ali o Baobá das Graças, ocupando as praças públicas da cidade e fomos fazendo nosso corre.

Esse grupo foi chegando mais mulheres, esse grupo foi se tornando um sucesso, porque mais mulheres acreditaram no nosso grupo, no nosso trabalho até chegar a ter que fazer uma curadoria, pra quem iria ou não pro evento até pra dar espaço pra todas. Era um grupo gratuito onde essas mulheres não precisavam pagar nada, a única coisa que pedia pra que levasse a sua mesa, o seu pano pra estender. Era uma força uma se apoiando na outra pra que não passasse por abusos na rua.

Esse Grupo mostrou pra mim que eu tinha como fazer acontecer

Só que, nesse meio tempo, eu fui tomando um caminho, a Vibrando em Linhas foi ganhando mais visibilidade. Priscila foi tomando outro caminho, todas que estavam ali por trás fazendo o GRUMAI acontecer foram tomando seu rumo. Gostaria muito hoje em dia de voltar que era um grupo lindo. Esse grupo mostrou pra mim que eu tinha como fazer acontecer.

Vivian

Depois disso meu trabalho foi visto pela Casa Viva [Casa Viva Decor], por Vivian, meu trabalho foi reconhecido naquele momento, né? que precisava ser reconhecido e aí tudo começou mesmo. As pessoas a conhecerem de fato o meu trabalho à partir daí. As pessoas que não estavam presentes na feirinha, as pessoas que frequentavam o shopping, e aí foi quando meu trabalho foi ganhando um pouco mais de força.

Sr. Vaso

Logo em seguida veio a Sr. Vaso, Felipe e Daniel são dois grandes amigos que também me deram oportunidade que eu na verdade fui atrás e eles gostaram do meu trabalho e eles tavam atrás de mim e eu atrás deles, tipo foi um encontro.
E aí, foi quando aconteceu as coisas de correr atrás, a produção ficou maior, tudo foi crescendo. Reposição de lojas, já não conseguia participar de outras feiras, ja fui diminuindo exposição, as feiras que eu ia eu ia com a Sr. Vaso, que era uma parceria.

Eu sempre trabalhei sozinha

Eu sempre trabalhei sozinha [quer dizer] eu sempre tive ajuda, sozinha com um pouquinho de ajuda, nem sempre eu tinha pessoa pra cortar cordão pra mim, a maioria das vezes eu estava sozinha, nem sempre eu tinha alguém que pudesse me auxiliar a tingir um cordão, nunca consegui pagar uma pessoa pra produzir comigo, sempre sozinha, Clara.

Eu não consigo pedir que aquela pessoa corte pra mim uma quantidade de cordão porque na minha mente já tá “eu vou cortar, eu vou produzir, eu vou fazer ” eu não consigo delegar pras pessoas essa função, eu já tô no automático. Hoje eu tenho ajuda de Jefferson, eu digo ” cortei um pedaço, tu vai conseguir cortar esse pedaço?” ele vai lá e corta, se não cortar eu vou logo cortando. Sou meio centralizadora, não sei.

eu sou bem autodidata

Dou aula, ministro oficinas, dei uma pausa pra isso porque preciso me sentir segura novamente pra fazer isso. Acho que essa pausa que a gente deu, deu uma travada, eu nunca consegui retornar isso.

Já havia uma procura [para ministrar oficina] e os meninos da Sr. Vaso me ofertaram um espaço. Eu confesso que pra mim é bem complicado, porque eu sou muito tímida, muito de tá no meio de outras e eu tenho um certo de déficitizinho de atenção então eu não consigo passar o que eu quero, o que minha mente tá trabalhando, então pra mim foi bem complicado. Mas foram os meninos da Sr. Vaso, que me deram uma empurradazinha, e eu gostei da minha primeira oficina, foi interessante porque foram pessoas bem generosas que sabiam dessa minha dificuldade de tá no meio de outras pessoas, ensinando, conversando e passando algo é que eu aprendi. Porque eu sou bem autodidata, eu não sei o nome de alguns nós, eu sei fazer, eu aprendi sozinha ali sem me interessar pelo nome, não tanto me interessar pelo nome, mas pra eu conseguir fazer, então pra eu passar esse conhecimento pra uma pessoa se torna muito complicado.
Então, a pessoa que vai aprender comigo, ela tem que ter a consciência que ela vai aprender o melhor, que eu vou tentar passar o melhor, mas do meu jeito. Eu não sei tecnicamente o nome das coisas, eu não sei passar tecnicamente como eu faço pra cortar os cordões, eu não sei passar o nome de cada nozinho, mas eu sei fazer, tu vai aprender a fazer comigo desse jeito e vai saber executar outras peças tão bem quanto.

Meu dia a dia eu não consigo ter espaço pra outra coisa, é Vibrando em Linhas

Hoje eu tô um pouco mais parada, mas um dia comum meu, de produção, é acordar, eu tenho o apoio da minha tia, minha rede de apoio hoje com meu filho, então, ela acorda me ajuda com ele pra levar pra escola e quando é um dia mesmo de produção, eu já começo a iniciar minha produção de manhã.

Dou uma pausa, pra ir buscar Davi, ou quem pega hoje é Jeferson, meu companheiro. Mas, faço almoço na correria e volto pra produção normal. Há um tempo atrás era manhã, tarde e noite de produção, e madrugada. Hoje eu já não trabalho mais de madrugada, aí além disso eu tenho que ir atrás da rede social, fazer fotografia, falar com o público, porque quem fala com as pessoas sou eu, quem atende as pessoas sou eu, é um trabalho mais voltado pra Vibrando em Linhas, na verdade.

Meu dia a dia eu não consigo ter espaço pra outra coisa, é Vibrando em Linhas. Meu filho tá grande, tá ali do meu lado, então só o que eu faço é o básico, fazer o almoço, de vez em quando dá um grau bem rápido na casa, porque não tem como arrumar a casa todos os dias e produção intensa até conseguir chegar o que eu quero, e rede social.

as pessoas que buscam meu trabalho já sabem que vão encontrar algo autoral

[as peças que faz] é sob encomenda. Eu tenho que me preparar pra isso, pra criar uma coleção, não existe esse espaço. Então eu aproveito na encomenda, eu já deixo claro pra o cliente que ele vai ter uma peça autoral, não me venha com peças de outros artistas, porque se ele escolheu o meu trabalho ele tem que saber que ele vai ter uma peça autoral, que eu vou deixar fluir.

Eu também não desenho, não consigo fazer croqui nem me peça, que ele tem que confiar em mim e graças a Deus tem dado certo. Eu aproveito pra criar algo na produção das encomendas, mostro uma referência do meu próprio trabalho, vou pedindo pro cliente mostrar a quantidade de peças e fotos que ele puder pra eu entender o que ele gosta, pra ver se ele gosta de um determinado nó, com muito nó, pouco nó, mais minimalista, mais trabalhado, mais clássico, uma coisa mais sem muita direção, pra eu entender mais o que ele quer pra eu puder entregar.
Lógico que eu tenho minha característica, a característica do meu trabalho eu acho que seja algo mais clássica, mais trabalhada, mais rendada, que eu gosto de pegar essa ideia da renda, eu acho que ela só tá bonita quando ela tá toda cheinha, lógica que tendo equilíbrio na peça.

Então as pessoas que buscam meu trabalho já sabem que vão encontrar algo autoral, que não vão encontrar algo repetido, a não ser que seja do meu próprio trabalho e ainda sim eu limito, porque eu não consigo fazer várias peças do meu próprio trabalho, eu não consigo, quando eu vou produzir eu já quero tomar outra direção e isso me trava.

"consegui fazer isso, foi eu que fiz, eu que fiz nascer isso aqui"

E, fazer cópias do meu próprio trabalho me trava, porque eu já quero fazer outra coisa, já quero criar, já quero produzir outra coisa, minha mente tá sempre assim muito rápida, muito ligeira e eu não consigo acompanhar nem no meu próprio trabalho. Então tem que ser coisas diferentes pra me dar essa liberdade. Porque se eu escolhi trabalhar com o que eu faço eu quero ter a liberdade de criar, de produzir qualquer coisa. Então o cliente que escolhe o meu trabalho sabe que vai ser muito especial pra ela e bem especial pra mim e até agora eu não tive nada tão negativo de retorno. Sempre uma surpresa pro cliente, é algo que eles já esperam, ou algo que supera as expectativas e eu adoro quando isso acontece, que é bom pra mim, pra minha autoestima dizer “consegui fazer isso, foi eu que fiz, eu que fiz nascer isso aqui”, poxa, uma coisa que eu fiz na vida de conseguir.

Eu não tenho muito isso com processo criativo... eu apenas vou fazendo e nasce a peça

Eu gosto de conversar com o cliente, aí eu vejo as características dele falando, a forma que ele fala. Aí, como tem o Instagram hoje, aí eu entro no Instagram dele vou olhando, analisando um pouco, já é um processo, eu sei mais ou menos como aquela pessoa… vamos dizer uma bolha, qual bolha ela faz parte de tudo e eu já deixo comigo.

Não tem muito essa ideia de processo, aí eu boto uma música e começo a produzir. Ela já me enviou umas coisas, algumas características de nó que ela gosta, então eu já tenho em mente que ela vai querer um determinado nó com mais visibilidade ali, e aí eu deixo fluir, boto uma música e vou deixando fluir. Às vezes eu dou umas travadas, passo um dia ou quarto cinco dias sem conseguir direito, fazendo e desfazendo nó até chegar lá. Eu não tenho muito isso com processo criativo… eu apenas vou fazendo e nasce a peça.

A vontade de mostrar meu trabalho pro mundo

[pra criar o que te move?] Eu preciso estar bem, em paz, com tudo muito bem, meu psicológico tem que tá bem, meu filho… A vontade de mostrar meu trabalho pro mundo.
Quando eu entrego uma peça e aquele se sentiu muito especial e me dá mais vontade da próxima peça eu fazer com que aquela outra pessoa se sinta mais especial. Alegria e felicidade, eu está completa no meu trabalho, se eu estou completa ali eu tenho mais vontade de produzir e primeiro eu tem que tá bem comigo, eu de fato travo, paro tudo, posso ter quinze peças pra fazer, eu não consigo produzir se eu não estou bem, eu não consigo produzir se tiver alguma coisa, algum cliente insatisfeito, o que até agora… Mas isso me trava. O que me move mesmo é eu querer mostrar meu trabalho pro mundo. Eu acho que essa é a maior força, eu não sei ao certo.

Eu costumo misturar o macramê e o tear numa peça só, com predominância do macramê

Eu sei fazer macramê, eu sei tear, mas a minha direção é o macramê mesmo. Aí eu faço tingimento no macramê, o tingimento sintético e o natural, né o que eu mais gosto é de produzir o natural, me traz mais calma, não sei ao certo, mas eu gosto mesmo. Faço tear, mas não com tanta frequência até porque isso toma mais o meu tempo do dia, uma peça do tear do que o macramê pra mim e eu preciso me aprofundar mais na técnica. Eu costumo misturar o macramê e o tear numa peça só, com predominância do macramê.

de chegar lá e ninguém questionar o valor que eu coloco na peça, ninguém dizer "tá caro"

É muito complicado viver de arte, a gente não tem oportunidade, a gente tem que ralar muito.
[se sente valorizada hoje?] Mais ou menos, muito mais do que antes? sim. Hoje eu posso dizer que sim, não é como eu gostaria né? de chegar lá e ninguém questionar o valor que eu coloco na peça, ninguém dizer “tá caro”, mas tá caro porque dá trabalho, tem sentimento ali, porque eu depositei minha energia ali, você não tá recebendo só uma peça, você tá recebendo algo único, mas comparado a quando eu comecei, que existia todo esse processo de valorização, hoje eu sou bem valorizada.

Não sei se eu abri caminhos, não sei se eu fiz isso

Hoje eu percebo que tem um monte de mulheres que tão chegando por aí, fazendo macramê hoje de decoração. Não sei se eu abri caminhos, não sei se eu fiz isso, se eu sou inspiração ou não, mas eu vejo um movimento bem interessante de mulheres que trabalham hoje com decoração.

Quando eu comecei tinha Deborinha, não sei se vocês conhecem, ela faz acessórios, é “ArteLinha”. Ela trabalhava aqui e agora foi pra Porto de Galinhas, ela fazia acessórios e ela já era uma diva pra mim, porque os acessórios dela eram perfeitos, não um pontinho ali que a gente diga “não tá legal”. Mas, na decoração não tinha, pelo menos eu desconheço, eu não sei… eu desconheço. Fora Deborinha eu não conhecia ninguém que fazia, ninguém, só as pessoas de fora, de São Paulo ou da gringa mesmo.

referência

“Menta Atelier” era a minha referência, mas é em São Paulo, além de Deborinha.[Menta Ateliê] Foi a primeira pessoa que já fazia macramê que eu vi no Brasil. Hoje tem acho que é “Kaluí” que eu gosto bastante do trabalho dela, não é daqui. Daqui de Recife eu acompanho pouco, eu gosto bastante do “Feito a mão” de Recife, eu gosto dos nós dela, de como ela faz, cria. Tem uma menina que eu não sei se ela desistiu, eu não lembro o nome da página dela, que é Samara.

Eu percebo que meu nó é mais fechadinho, tem pessoas que o nó é mais frouxo, no meu trabalho então eu consigo diferenciar, se tiver uma cópia do meu trabalho eu sei dizer qual é. Eu vejo também [a diferença] pelo material, eu gosto de trabalhar com algodão, também, ou mais trançado ou um mais fechado a trama.

O Cordão aqui é bem escasso, né?

O Cordão aqui é bem escasso, né? Então existe uma dificuldade pra achar, além de caro hoje, por conta da procura, ele tem uma certa escassez, então chegou na loja a gente tem correr atrás pra comprar.

Eu nunca comprei fora, nunca tive essa experiência, até porque eu preciso com urgência então não posso esperar chegar aquilo, eu tenho que ir direto na loja, se não tiver aquele eu vou atrás de outro, tenho que ir me virando. No Recife o material é escasso, não só de cordão, mas pra quem trabalha com lã, sabe, existe um tipo de lã que você não acha. Eu gostaria muito de colocar um determinado material que eu misturo macramê e tear mas não posso, eu não consigo porque eu não acho aqui em Recife.

Pra mim é complicado comprar em site porque eu tenho que esperar aquilo chegar, a gente tem que pagar frete e se torna mais caro, e quando a gente vai colocar aquele valor na peça se torna absurdo e o cliente não vai levar, aí ela fica parada e a gente que precisa de dinheiro…

quanto eu vou precificar o meu tempo de produção, principalmente pela criação?

Eu aprendi que se coloca o preço do material, depois do seu tempo de produção, o preço do tempo que você é capaz de colocar quanto vale o seu tempo de produção, que eu acho isso terrível, como assim eu vou dizer? e aí tem que ser acessível pra aquela pessoa, pra aquele público. O seu tempo de produção… e os custos da casa, de onde você produz. Então eu divido em três vezes, não sei ainda se é um valor, se é uma forma correta, de se fazer, mas eu coloco dessa forma: valor de material, valor do tempo de produção e valor da casa, custos da casa (água, luz internet, até minha alimentação), então tudo que eu gasto pra produzir.

Mas o que mais pesa pra mim é o meu tempo de produção, quanto eu vou precificar o meu tempo de produção, principalmente pela criação? Tem peça que eu faço em duas horas, tem peças que eu demoro quatro dias de produzir pra criar, como eu vou precificar isso? eu boto mais ou menos uma base nesse valor. Às vezes ultrapassa e eu não passo aquilo pro cliente de forma alguma, fora a quantidade de material que gasta, a maioria das vezes um pouco mais, e quando a gente vai passar um orçamento a gente passa um pouco menos, então nunca é tão justo pra mim.

Mas acho que não daria pra morar sozinha, sustentar uma casa, não

Talvez não desse pra morar sozinha com meu filho ainda, mas como eu tenho a minha tinha eu tenho esse privilégio. Mas acho que não daria pra morar sozinha, sustentar uma casa, não.
Eu mando pra outros estados mas a maioria é de Recife.

O pouquinho eu tô conseguindo

[a parte das redes sociais] É o que eu menos gosto. Eu não faço bem uma organização, o que eu faço é o conteúdo. O que eu posso levar de conteúdo? É produção, mostrar como eu produzo, e foto do que eu produzo, né? Eu não consigo dar conta, pra fazer isso eu teria que passar as noites em claro pra criar conteúdo, não dá.

Então o que eu faço é pelo menos o básico, fazer a fotografia e mostrar como eu produzo aquilo. Então eu não crio tanto conteúdo assim. eu vejo que tem meninas que arrasam, fazem um trabalho incrível de conteúdo, mas essa não é minha área, minha área é produção então eu faço o que dá pra mim. Eu não me aprofundei, não estudei pra isso. Eu vou fazendo o que eu posso. O pouquinho eu tô conseguindo.

Depois do período que as pessoas ficaram em casa [com a pandemia], não tem pra onde correr, ou você trabalha com internet ou você trabalha com internet. Você tem que mostrar a sua peça ali pra poder chegar até o cliente. Eu não consigo mais ver meu trabalho fora do Instagram, não tem mais condições.

eu não consigo ver meu futuro sem a Vibrando em Linhas

Eu me vejo mais como artista, eu não me vejo fora disso, tem que ser com a Vibrando em Linhas do lado. Eu acho que pro futuro eu gostaria de ter um local onde, mesmo que eu seja centralizadora, tenham outras mulheres produzindo, dentro de casa, podendo criar seu filho. Estar junto da Vibrando em Linhas mas podendo ganhar um valor justo pra elas, gerando renda pra elas, se fosse uma filial, um ateliê, talvez… se for algo menor um ateliê fora de casa, algo que me dê conforto, mas sempre com a Vibrando em Linhas do lado, eu não consigo ver meu futuro sem a Vibrando em Linhas, pelo menos por hora. Hoje eu não consigo, amanhã eu não sei.

A vitória é gostosa, mas é complicado

[ser mulher] É difícil (ri), mas é gostoso. É difícil, é luta atrás de luta, é eita atrás de eita, atrás de eita! É de você vencer todos os dias preconceitos, machismo, a realidade que é bem mais complicada do que a gente fala, né? É difícil, mas é tão bom vencer aquilo e dizer “poxa! me respeita que eu sou mulher e consegui, na tua boca que acha que eu sou inferior a você”, sabe? A vitória é gostosa, mas é complicado.

se puder persistir, persista, que dá certo, que vai dar certo! vai colher bons frutos em algum momento

[e ser mulher artesã] é mais gostoso ainda, de saber que eu tenho o poder, que já é meu, natural, de produzir e criar aquilo, algo sei lá, natural, que veio dos meus antepassados que eu nem sei se era artesã, mas era com certeza. Que criaram suas próprias peças e nem sabiam que eram arte, dentro de casa. Então é gostoso também, eu gosto de criar e fazer nascer algo.

O nome “trabalho” tem um peso, né? Trabalho é trabalho, ninguém gosta, a gente faz porque é necessário, gosta quando é algo natural, algo que deixa de natural e passou a ser todos os dias fazendo aquele determinado… já não é legal, já tira o prazer daquilo, pelo menos eu acho, acontece comigo.

Quem tiver afim de conseguir de querer entrar num trabalho desses, é bem complicado, na tecelagem ou em qualquer outro tipo de arte, mas se puder persistir, persista, que dá certo, que vai dar certo! vai colher bons frutos em algum momento.