Maria Helena nasceu em Camaragibe, estudou no Colégio de freiras, e na quinta série parou de estudar e passou a ser dona de casa, junto com a irmã. Na infância, pulava corda, e no SESI aprendeu a arte da culinária, a bordar e a fazer ponto-cruz. Solteira e dona de casa, vive com a irmã e a sobrinha. Como sabia fazer ponto-cruz, resolveu tentar fazer tapete, junto com outras mulheres. Depois que aprendeu, foi pegando tapete para fazer em casa junto com a irmã. E assim passou a sempre fazer tapete.
Quando visitamos pela primeira vez a Tapeçaria Casa Caiada, foi Patrícia, a administradora, quem nos recebeu. Conversamos com ela sobre o projeto e pedimos uma indicação de uma mulher que pudesse nos relatar sua história de vida, suas relações com o fazer manual da tapeçaria e com o lugar onde habita. O nome de Maria Helena foi logo mencionado. Combinamos então com Patrícia que voltaríamos na sede da tapeçaria para a nossa conversa com Maria Helena.
E assim aconteceu. Em uma sala que abrigava muitos tapetes pendurados, Maria Helena, precisa e sem muitos rodeios, nos contou sobre como aprendeu a fazer tapete, e sua alegria e prazer no trabalho. Segundo ela, fazia todo tipo de tapete. Nos contou dos bons momentos e de tudo que conseguiu obter com a tapeçaria. Aposentada como bordadeira, ainda frequenta o galpão da tapeçaria e tem uma grande amizade com Léa, outra grande tapeceira que participou da primeira edição do Mulheres que Tecem PE.
(conversa realizada em maio de 2022)
Narrativa
SEMPRE MOREI AQUI
Nasci em Camaragibe, sempre morei aqui em Camaragibe. [Na infância] Ia mesmo pra escola e as brincadeiras antigamente era pular corda, era aquele “babadão” [tipo de brincadeira], como chamavam. Não tinha muita expectativa das coisas não, era mais dentro de casa mesmo. Agora é que o povo tá todo mundo pela rua, mas de primeiro o povo era mais caseiro, pelo menos na minha infância era toda assim.
O papai trabalhou aí [na Fábrica de Tecido de Camaragibe], se aposentou aí. Ele era mestre da fiação. Trabalhou aí a vida toda. O povo que trabalhava na fábrica que morava aqui na Vila. Depois foi aparecendo mais gente, foi habitando. As casas eram quase todas iguais, aí muita gente foi ajeitando, remodelando e… Camaragibe tá aí.
A nossa casa a gente ganhou pelos tempos que papai trabalhou na fábrica. Depois continuou, ele se aposentou e a casa ficou, a maioria foi tudo assim. Até a pintura era tudo igualzinha.
FIZ ARTE CULINÁRIA E BORDADO
Estudei, agora mudou o nome, mas era Irmã da Sagrada Família [nome da escola]. Depois eu fui pra o SESI, que também é aqui perto, [onde] fiz arte culinária e bordado, ponto-de-cruz e outros pontos variados. Isso foi depois que eu saí da escola, depois que eu fiz a quinta série.
SERVIÇO DE CASA
Hoje moro com minha irmã e minha sobrinha. Morreram todos [irmãos], tinham seis. [passo o dia] Fazendo serviço de casa o dia todo, como sempre, e ir para o supermercado e tomar conta da casa, eu ,ela [a irmã] e a minha sobrinha [que] fez 28 anos.
Eu não sou de acordar muito cedo não, só se tiver necessidade. Não tendo, é 7 horas, 7 e meia… e quando tava trabalhando, aí tinha horário certo, né? Acordava um pouco mais cedo, eu moro logo aí perto, não precisava panhar ônibus nem nada, aí chegava sempre aqui de 8 horas [na Tapetes Casa Caiada].
EU SEI FAZER PONTO-DE-CRUZ
[Na Tapetes Casa Caiada] Tavam chamando, né? pra bordar, eu digo: “eu sei fazer ponto-de-cruz!, mas não sei fazer o ponto daqui”. Mas aí eu vim, a gente começou a bordar num tapete grande aqui, uma turma daqui de Camaragibe mesmo, moças, adolescentes, senhoras casadas também. E começamos a bordar nesse próprio tapete grande. E, aí, ficou. Fiquei fazendo e elas pagavam de acordo com o que a gente fazia, no dia, tudo direitinho. Fiquei fazendo um tempão, muito tempo mesmo. Depois fiquei tirando pra fazer em casa. Aí fazia eu e minha irmã. [Eu tinha] trinta e poucos anos.
Eu aprendi primeiro o ponto, desenhando, eu já tinha noção de desenho, que a gente olha para uma coisa pra gente poder passar pra tela. Depois que aprendi o ponto, o ponto é um só. A gente continua com ele… O desenho vai a mostra daqui e a gente vai espalhando no tapete.
E comecei fazer… até hoje. Hoje eu parei mais de bordar porque eu tô com problema na vista, um problema de retina, aí, mas tô vindo pra cá [pra Tapetes Casa Caiada] trabalhar hoje em dia, um dia na semana.
A sorte grande, porque conseguir um emprego na porta de casa, sem pegar transporte, sair de casa de oito horas e chegar aqui de oito horas (ri). Aí foi tudo!
A GENTE BORDAVA EM CASA
A gente bordava em casa, dentro de casa, eu e minha irmã. Eu desenhava e ela enchia. Ela não sabia desenhar, só fazia encher. Ela estudou, como eu, até a quinta série, e hoje em dia também vive dentro de casa, comigo e minha sobrinha, depois que meus pais morreram.
A gente levava assim, pensava que nem ia pra frente, eu tinha isso comigo, “é, a gente vai, mas não tá vendo que isso não vai dar certo…” e ficava assim, né? numa tapeçaria, gente que já nasceu e criada aqui nunca tinha visto isso, mas aí a gente sentou [assentou].
As meninas que bordavam na época eram todas conhecidas, que a gente nascida e criada aqui e foi levando… até hoje, graças a Deus, sem problema nenhum.
Eu passei mais tempo em casa trabalhando. Quando eu comecei a bordar o tapete em casa, a gente só vinha aqui só pra mostrar, mostrar como que ia o andamento, botar a barra, aí Dona Maria DIgna ficava aqui e aprovava, e assim foi passando o tempo.
CONVERSAVA SOBRE TUDO
Leia [tapeceira que trabalha na Tapetes Casa Caiada] é mesmo que ser uma pessoa da família já, porque quantos anos que Leia também já tá aqui… aí a gente ficou amiga, graças a Deus, até hoje. [Fazendo tapetes a gente] Conversava sobre tudo, a respeito de casa, se aconteceu alguma coisa, se não aconteceu.
EU ME SENTAVA E TINHA HORÁRIO MESMO DE TRABALHAR
O tempo [de fazer tapetes] varia, depende muito do desenho. Tinha tapetes que a gente passava dois meses, eu pelo menos me sentava e tinha horário mesmo de trabalhar. Eu começava de manhã, parava pra o almoço, almoçava tudinho, descansava mais um pedacinho, depois pegava novamente, aí bordava até cinco, cinco e meia… não fui de passar a noite trabalhando não.
A IDADE VAI CHEGANDO
Me aposentei como bordadeira, eu pagava [como] autônoma. Eu acho que me aposentei há mais de quinze anos. Aí, depois vim praqui [Tapetes Casa Caiada] e fiquei recebendo como funcionária, né? daqui. Na época que me aposentei eu falei com Dona Maria Digna [uma das fundadoras e dona da Tapetes Casa Caiada] pra continuar trabalhando, e tô trabalhando até hoje.
Agora tô mais parada, com problema de estômago, gastrite, fazendo tratamento, a idade vai chegando e vai aparecendo dor ali, dor aqui, mas estamos levando, né?
O trabalho que eu conheço só foi esse, sempre na tapeçaria.
Não preciso mais de nada, tenho minha aposentadoria, minha família morando comigo. Foi tudo muito bom.