Nete, 52 anos

Nete

Nete tem 4 filhas mulheres.

Terminou de criar todas sozinha. Aprendeu a bordar com a avó

e com a mãe, e ensinou às filhas.

Borda divinamente; com sua paciência, já ensinou

muita gente e é Associada na AMAP.

Falar de Nete é abrir um sorriso no rosto. Ela trouxe em sua fala tantos ensinamentos, que temos que achar outros adjetivos pra ela, pois somente chamá-la generosa e batalhadora não chegaria a mostrar o que Nete é. Nete é amiga compreensiva, uma mãe maravilhosa, uma avó maravilhosa. Dessas que a gente chama de guerreira tentando esconder o que essa palavra tem a dizer. Criou sozinha suas quatro filhas. O bordado é o seu sustento. “Eu sou da minha casa”, disse. E foi na sua casa que terminamos a entrevista, que começou na AMAP. Ela, bordando em sua cadeira de balanço na frente de casa, nos ensinou o caminho até sua amiga e vizinha, Luciene. Nete já ensinou a muita gente e gosta de saber que, do muito que sabe, ajudou a alguém a saber também.

Narrativa

EU NASCI EM PASSIRA

Bem, eu nasci aqui em Passira. Parte da minha infância eu morei em Bezerros. Eu já vim pra cá pra Passira, já na minha adolescência. Minha infância eu vivi lá [em Bezerros]. Fui com a família, com meu pai e com a minha mãe, aí a gente passou esse tempo lá. Somos em 4 [filhos].

Eu estudei até 2° série, só. Lá em Bezerros.

EU APRENDI COM A MINHA AVÓ, MINHA MÃE TAMBÉM

Todas bordam [mãe e irmãs]. Eu aprendi com a minha avó, minha mãe também. Quando eu sai daqui, quando eu era pequena, pra Bezerros eu nem conhecia, né, o bordado, nem minha mãe. Aí depois, quando a gente voltou, aí minha vó bordava, aí nós aprendeu. Eu tinha 14 anos.

Minha vó já não tá mais entre a gente, mas bordou até… Minha mãe borda. Minha mãe tem 71 anos, mas borda. Maria do Socorro, mora aqui em Passira. Se você ver ela, você não diz que ela tem 71 anos não.

A primeira coisa que eu fiz foi uma “rosa de mimoso”, e foi rápido! Parecia, assim, que era o meu dom mesmo pra bordar, que foi rapidinho; na outra semana eu já estava bordando pra ganhar meu dinheiro. Então foi maravilhoso! na outra semana, eu já tava ganhando meu dinheirinho com bordado e até hoje…

TIVE 4 FILHAS MULHERES

Casei, tive 4 filhas mulheres, com 18 anos de casada, separou. Aí tô separada até hoje. Eu casei com 20 anos.

Minhas filhas bordam, não todos os bordados, elas bordam alguma coisa, não borda tudo não. Mas não trabalham com bordado não. Tenho uma com 31, 28, 27 e uma com 23 [anos]. A [filha] mais velha mora comigo, ela e o filho dela moram comigo.

Eu tenho três [netos]: duas netas e um neto. Uma neta de 11, uma de 8, e um de 6. A de 8 anos mora em São Paulo. Não tenho tanto contato com a bichinha, vi ela três vezes só.

EU GOSTO DE BORDAR NA MINHA CALÇADA

Sempre (trabalhei) com bordado, sempre foi bordado. Casa e bordado. Tem uma coisa que eu gosto: que dá pra conciliar as duas coisas, né? Eu tô em casa, tomo conta da casa e bordo. Então pra mim é ótimo.

Meu cotidiano: na hora que eu acordo, a primeira coisa que eu faço, eu vou pra pia, porque a menina vai trabalhar… lavo prato, faço café, varro casa, lavo a roupa e ajeito o almoço, quando eu termino isso tudinho aí é que eu vou pro bordado. Eu bordo mais à tarde, porque a parte da manhã a gente tem mais o que fazer, né? a dona de casa tem mais.

Eu bordo em casa, eu gosto de bordar na minha calçada, muito! Um dia desses minha menina mandou uma amiga dela: “não sei onde é tua casa!” Minha filha disse: “Não tem a rua do posto? pronto, minha mãe tá bordando na calçada”. Pronto, ponto de referência.

Do bordado eu faço tudo! Porque eu bordo de um miosótis, uma pimenta, uma rosa, um girassol, um pássaro, essas coisas a gente borda. Eu gosto muito de flor, bordar florzinha. Eu bordo só, por incrível que pareça, na minha rua pouca gente borda.

EU SOU PACIENTE

Dei oficina em Garanhuns, demos uma em São Paulo e dei oficina também no Cais do Sertão [Museu em Recife].

Ensinei a elas [às filhas] a bainha só, bordado elas não fazem, elas faz mais bainha. Eu sou paciente, porque, assim, eu acho uma coisa fácil de fazer, é tão tal que eu prendi rápido até casinha de abelha mesmo, que eu não fazia; quando eu me interessei, D. Lúcia me explicou, assim, no vestidinho mesmo. Ela deu essa explicação e pronto, no dia mesmo eu já trouxe o vestido pronto. Então, como eu acho fácil, eu ensino, eu gosto de ensinar.

Eu gosto de ensinar às pessoas.

PESSOAS DE FORA A GENTE SENTE QUE ELES SE EMBELEZAM NO BORDADO

Pessoas de fora a gente sente que eles se embelezam no bordado, as pessoas daqui não, não querem nem saber. Você vê na rua não tem ninguém com roupa bordada, e se fizer nem querem usar. Mas, quando a gente vai num evento fora, aí vê que as pessoas realmente valoriza o bordado da gente. A gente queria que as pessoas daqui valorizassem, mas pessoas daqui não querem nem mais bordar e a gente vê isso aí.

QUANDO NÓS NÃO TIVERMOS MAIS, QUEM VAI BORDAR?

É uma coisa de antigamente. É uma história que eu não sei nem o que contar direito. Quem foi as primeiras bordadeiras? eu sei que isso é de muito tempo, muito tempo mesmo.

A juventude não quer mais bordar. A gente tá envelhecendo, se os novos começassem a bordar quer dizer que não ia morrer, né? mas se ninguém quiser, os novos não quer, e aí? Quando nós não tivermos mais, quem vai bordar?

ANTES EU BORDAVA PROS OUTROS

Eu nem sei bem quanto tempo faz [que está na Associação de Mulheres Artesãs de Passira], faz um tempão, faz uns dez anos.

A necessidade de participar da Associação porque foi um convite, dona Lúcia [presidenta e fundadora] que me convidou. Porque antes eu bordava pros outros, a gente bordava pra lojistas, é um pouco complicado porque nem eles valorizam o nosso trabalho. Então paga aquilo, bem pouquinho… Eu já conhecia dona Lúcia, sabe? há um tempo já, que antes ela tinha essa associação era na rua mesmo, no centro. Eu pegava até peça pra bordar lá, aí depois ela foi e me chamou pra fazer, ela disse “faça alguma peça, você faz e traz pra cá”, aí pronto, assim, eu fiz. As primeiras peças que eu fiz foi dez toalhinhas, me lembro como se fosse hoje.

Foi melhorando minha renda através dela. Parei de bordar pros lojistas, comecei a bordar pra mim, então melhorou bastante.

EXPLORAM AS BORDADEIRAS

Bordar pro lojista, eles pagam muito pouco e vendem aquela peça cara. Hoje em dia, a gente sabe. Hoje em dia, quando eu compro o tecido, eu sei a quantidade de peça que dá pra fazer, quanto custa e quanto eu vou ganhar, aí eu sei o quanto eles exploram as bordadeiras.

Os lojistas todos que vendem o linho, vendem o bordado. A Feira de Bordado daqui mesmo pra gente não é lucrativo, porque, como eles vendem o linho, o linho sai pra eles muito baratinho, então eles fazem a peça barato e vendem barato. A gente compra a eles [o linho], e compra caro.

O TEMPO PASSA RÁPIDO

Eu gosto muito de recém-nascido, então eu faço muito recém-nascido e eu gosto muito de eu mesma fazer, porque eu sou meia chatinha.

Eu bordo rápido. O tempo passa rápido. Quando pego numa peça, quando penso que não, o dia passou: “meu Deus do céu o dia já passou…”

Eu gosto. É uma coisa que eu gosto de fazer. Quando eu termino de fazer uma peça de bordado, que é mais de recém-nascido ou um vestidinho, eu tiro foto e mando pra elas [pras filhas], sempre mando pra elas, e elas: “eu amei, mãe”, sempre. Porque eu amo bordar.

EU ACABEI DE CRIAR MINHAS FILHAS SOZINHA

Ser mulher pra mim é normal, porque as pessoas diz que é sexo frágil, eu acho que eu sou uma mulher forte: eu acabei de criar minhas filhas sozinha, fiquei só pra cuidar delas, as quatro eram de menor, hoje são tudo de maior. A maior parte já tá nos seus lugar então ser mulher pra mim é maravilhoso.

Eu agradeço a Deus todos os dias por ter me dado minhas quatro filhas mulher. Todas me ajuda.

Trabalho é a base de tudo, porque é com trabalho que você, sei lá, vai realizar um sonho ou algo que você quer. Chegar a um objetivo, ter seu dinheiro, sua renda sem depender de ninguém, então é maravilhoso. Trabalho pra mim é tudo.