Oluyiá, 38 anos

Oluyiá

(Conversa realizada em 2022)

Narrativa

Peixinhos

Eu morei muito tempo em Olinda, mas eu nasci em Recife, na maternidade em Recife. [Minha casa] Era em Olinda, Peixinhos, na casa dos meus avós, era lá. Antes era lá em cima [na Cidade Alta, em Olinda], mas eu não lembro muito, eu era muito pequena. Eu lembro de ficar na casa de Iza do Amparo, tomar uma sopa lá, porque mainha sempre trabalhou muito, aí às vezes a gente ficava lá e tomava uma sopa lá… aí eu lembro disso só, de Olinda lá em cima. Lembro um pouco da estante de livros do meu pai e de ficar vendo seriado japonês com meus irmãos.

Minha infância e vida todinha foi lá [em Peixinhos]. Meus avós moravam na casa da frente, pais de mainha [Amélia e Nestor], e nós quatro atrás, numa casa menorzinha que a gente fez. Quem fez inclusive foi Pedro [amigo da família], desenhou. [Morávamos] Eu, meus dois irmãos [Ayodê e Onilê] e mainha. Eles se separaram [pai e mãe] e a gente foi pra Peixinhos. Ele não morava aqui, ele passou quase o tempo inteiro no Paraná. Eu tinha quatro anos quando a gente foi morar lá.

Eu sou a mais nova [dos irmãos]. É de dois em dois anos, Ayodê tem dois [anos] a mais e Onilê quatro a mais.

Eu lembro das coisas [da infância] porque eu já escrevi muito [ri], já falei muito disso. Mas, a primeira peça que eu fiz de bordado pra expor mesmo eu dei o nome de Peixinhos, aí fiz um mini texto falando da minha infância, porque um lugar… muitos traumas, muitas coisas, enfim…

Minha avó

Mas pra falar só das coisas boas que eu passei por lá [em Peixinhos]… Eu falo que minha vó ficava correndo atrás de mim pra eu comer. Eu era muito muito muito magrinha mesmo, porque eu não gostava de comer nada (até hoje eu tenho dificuldade com comida de panela, essas coisas assim, acho tudo meio nojento, eu fazendo é mais fácil), e aí eu não almoçava, não comia nada e eu gostava de jujuba. (Meus irmãos iam pra escola e eu ficava com minha vó e meu avô que me ensinou a jogar dama).

Eu ficava deitada, ela colocava um vinil e um dos que eu lembro, lembro muito que tinha Nelson Gonçalves. Aí eu passava a tarde com ela ouvindo…mas era muito legal.

Três crianças

Quando os meninos estavam [em casa] era muito caótico, porque eram três crianças, então, o que eu queria brincar era diferente e aí os meninos brincavam de luta e aí eu não conseguia, eu apanhava, era uó, mas não de propósito é porque era uma luta e eu não conseguia, aí eu ficava sentada olhando, eu me divirtia assim também, apenas observando e rindo.

Era tudo lindo, perfeito, ela[a avó] fazia os doces, era maravilhoso, mas eu apanhava muito. Meu avô era quem brincava comigo e minha vó batia, porque eu não comia. Aí era uma briga constante.

Eu era muito quieta, eu ficava olhando as coisas. E aí, eu sempre gostei muito de boneca, então ficava eles fazendo as coisas deles e eu fazendo as minhas. Eu pegava as plantinhas, fazia uma casa. Fazia as roupas de boneca, eu ganhava muitas [bonecas], mainha me dá [bonecas] era mais difícil, eu ganhava muito das tias. E os meninos herdavam muitos outros brinquedos dos amigos. Então, a gente tinha todos os brinquedos da moda, porque a gente ganhava muito, dos amigos de mainha e tal… podia ser um ano atrasado, mas chegava [ri].

Na adolescência, eu já não saia muito também porque meus avós estavam muito velhos já, eles não cuidavam mais da gente a gente era que cuidava deles, trocar fraldas… tudo isso lá na casa, aí a gente saiu [da casa] de trás e foi pra casa da frente. Porque eles não podiam ficar muito sós, né? na casa da frente. Aí, ficou eu e mainha, num beliche, no mesmo beliche que desde pequena a gente tinha, e Onilê e Ayodê em outro quarto num [outro] beliche.

A gente viveu junta agarrada a vida inteira nunca morei longe de mainha. Só quando eu entrei na faculdade que aí eu fiquei atrás [na casa de trás], porque eu sempre fui muito de escrever.

Eu dançava muito

Em casa era desse jeito, as brincadeiras mesmo era na escola, né? Aí eu ficava lá brincando. Eu não fazia muita coisa não, eu era muito na minha, fazendo minhas coisinhas assim, até hoje eu não sei correr, eu caia era um horror.

Eu estudava no Zab. Eu brincava de esconde-esconde e ler, a gente ficava lendo também revista Ciência Hoje e eu dançava muito né? Pra mim o São João, essas coisas assim eu sempre tava na frente. Eu era a líder do meu grupo, eu não fazia nada praticamente, mas eu era a líder, com Babi, Yaci, Tainá…

[Você desenhava?] Eu decalcava na verdade, porque eu comecei com as revistas de vovó [mostra algumas]… O que eu consegui guardar, com a enchente de Peixinhos (em Peixinhos sempre alagou, eu não tenho nenhuma foto de pequenininha). Sempre teve muita coisa em casa [de material para desenho], porque mainha sempre foi professora dos pequenos, então tinha, lápis, papel…

Quando pequenininha eu dançava e fazia os decalques e costurava as roupas das bonecas, montava uma casa, desenhando vestidos, eu me expressava dessa forma, mas não mostrava a ninguém não, tinha que desmontar pra quando mainha chegasse estivesse tudo em ordem. Acho que Luanda (vizinha de rua) foi a única que via, porque a gente brincava junto às vezes.

A gente morou numa escola

A gente morou numa escola, né? Quando a gente não tinha casa. Eu não lembro exatamente como foi, mas a gente tava sem casa. Antes da casa da minha avó, a gente morou no Zab (o nome não era Zab nessa época, acho que era Saltimbancos). Estava construindo a casa [de trás de Peixinhos].

[Lembro que] tinha uma padaria do lado, era um cheiro gostoso de pão. A gente gostava, porque a gente dormia na escola. Criança, né? Nessa época o dinheiro dela [da mãe] era pra ela ajudar na própria escola, porque sempre foi cooperativa a escola. Ela não era a dona da escola, eram vários professores e os pais também.

Xuxa

Eu era muito fã da Xuxa, né? Então eu assistia… eu tinha a [boneca] grandona, eu tinha “Xuxa pelo mundo”, eu tinha a japonesa e eu tinha a negra. Eu era muito fã, e tinha gente que dizia “ah, você parece a Xuxa”, porque eu gostava de dançar muito e eu me vestia com a marca, eu ganhava roupa, e aí eu dizia “não, porque eu sou negra”, desde pequenininha.

Isso tá na infância, mas isso puxa os grandes traumas que vários amigos da gente negros têm, por exemplo, porque a gente só se percebe negro, de fato, negro eu digo na sociedade, negro como política, quando a gente entra no ensino médio. Porque ali [no Zab] todo mundo sabia quem era “Cauê”, o povo indígena que estudava no Zab também, e todo mundo sabia quem era todo mundo.

Outras escolas

Quando você sai dessa escola [do Zab], quando você sai desse lugar que pra gente parecia um lugar perfeito né? e você entra no ensino médio o choque é muito grande, então o trauma todo começa quando a gente começa a interagir com outras escolas, com outros adolescentes que não eram daquela história ali. É bem traumatizante porque “você é feio”, “seu tênis não é o do comercial da televisão”… aí você fica olhando assim, como assim? o que está acontecendo? nada faz sentido mais.
Aí você naquele lugar você fica dizendo “não, minha gente, não importa isso”, é bem complicado. Aí tem gente que se adapta e aí vai pra essa vibe e em gente que continua o seu caminho, e é muito dolorido os dois lados, né?
No [Colégio] Radier, que foi justamente a escola que eu entrei foi horrível, quando começou o bullying eu não consegui me entrosar com o povo. E eu sempre gostei de conversar com todo mundo, a gente ia na casa de todo mundo, dormia na casa das nossas amigas, aí pra mim a gente ia chegar lá e ia fazer novos amigos, e não foi assim.
Tinham dois meninos que também eram excluídos da sala… um era Diogo o outro não lembro o nome. Diogo, o povo tirava onda com ele porque ele era muito branco, tinha o olho azul, só que era gordo. E o outro que esqueci o nome que era pequeninho. Ah não, éramos quatro e tinha um outro que tinha diabetes e era muito magrinho, e eu no meio porque a gente passava o recreio estudando. Aí a gente ficava falando de RPG, aí também tinha esse problema, a gente estudava demais…
No [colégio] Radier eu descobri como a sociedade me via.

Quando você é preta

Quando você é preta assim, você entrou num espaço que só tem você, você tá representando todo mundo, aí qualquer coisa que eu fizer eu tenho que estar fazendo direito.
Quando eu sai do Radier fui para o [Instituto] Capibaribe, fiz sétima e oitava [série[. E os amigos de sétima e oitava são meus amigos até hoje. Foi normal, eu também me juntei com os excluídos que é o que eu faço da minha vida [ri]. Era eu, Rogério, Tassiana e Renata.
Depois do Capibaribe eu fui pro Ideia, aí estudei um ano no Ideia. Aí a gente sofreu racismo da própria escola, eu e Ayodê, aí a gente foi convidados a sair da escola. Porque a gente não era do “perfil Ideia”, só que tinham amigos da gente que chegavam bêbados na escola, isso no primeiro ano [do Ensino Médio]. Disseram que a gente não faz o perfil da escola, aí a gente viu o resto da galera, o povo tudo doido… aí a gente “como assim?”.
Tinha dia que a gente chegava atrasado porque o [ônibus] Rio Doce/ CDU vinha muito cheio, com a galera indo pra faculdade e a gente só podia pegar o próximo, então quase sempre a gente chegava meia hora atrasados, essa era a única coisa que a gente fazia… tirávamos notas normais, não fazia nada de errado.
Aí de lá eu fui pro Americano Batista, eu e Ayodê, aí Mainha ficou puta também , aquela confusão, né? aí, a gente foi pra lá e ela pagou integral. Pagava os dois. Onilê tava no Liceu ainda, eu acho.
No Americano Batista, uma das melhores escolas que eu estudei, era incrível, fizemos amizades com os evangélicos tudo, era massa, eu gostava muito. Aí eu tive uma banda, na minha época EMO, mas eu tmbám já fui gótica. A banda não tinha nome não. A gente só ensaiava e fizemos um show. Eu fui vocalista uma época depois guitarrista. Eu fiz canto, fiz conservatório, fiz violão na época do Capibaribe, [o violão] era a minha terapia, quando entrei também na faculdade era uó, então o violão me ajudava muito.

Na época da banda era eu quem traduzia as letras, todos aqui em casa sabemos inglês, nunca fizemos curso. Quando eu comecei a ir pros shows, eu comecei a ficar com os meninos… aí tinha esse rolê, mas nunca namorei com ninguém. Até começar a namorar com o povo já foi depois da faculdade.

Expressão Gráfica

Eu entrei [na Universidade] em Expressão Gráfica, em 2007. Eu tentei pra Designer e não passei na primeira vez, só que antes de fazer, quando eu estava no Ensino Médio, tava o boom dos cursinhos, aí tinha muito vestibular, aí eu fique fazendo testes de vários vestibulares, pra me preparar pra fazer o real oficial de Designer , aí eu tirei uma nota horrível (ri) e não passei. Passei na primeira fase, mas não na segunda.
No outro ano, fiquei revoltadíssima e não quis estudar, aí passei em Expressão Gráfica, que era geometria, e eu gosto de matemática, eu sou muito boa, não era, mas me tornei uma boa aluna de matemática. E eu achei engraçado porque eu estava gripada, super de boa na lagoa, fazendo a prova e uma galera se descabelando, e eu olhando “Meu Deus, coitados”, aí eu terminei, eu sempre termino prova antes e quando eu não sei eu não sei… geralmente eu sou primeira a sair. Pronto, no final das contas eu passei e no último ano [ antes de se formar] eu saí. Eu fiz artigo, meu projeto TCC eu transformei num artigo, apresentei, viajei, mas era muito… não tinha nada a ver, assim, é porque eu não queria ser professora de geometria… passou, ficou lá.
[A convivência na UFPE] era normal, no caso, a gente nunca teve dinheiro sobrando, mas aí pedi pra Mainha a régua “T”, Mainha comprou, era muito cara na época. Compro escalímetro “vai embora fazer!” [falando na mãe], ainda tenho papel vegetal [dessa época] que eu uso até hoje…

Moda

Eu saí porque eu sempre quis fazer moda, mas nunca tive dinheiro pra pagar né? eu sempre quis ser jornalista, porque eu sempre gostei muito de pesquisar, de ler, então eu achava que por ali eu ia me encontrar em algum momento. Aí eu sempre vou na casa das minhas tias, gosto muito de conversar com elas, aí no meio dessas conversas ela [tia Marilu] perguntou como eu estava e eu disse “eu estou péssima, porque eu vou ser uma professora de geometria e eu não estou afim”… isso tava acabando o curso, aí ela disse “Você quer fazer o quê?”, aí eu disse “Ah, eu queria fazer alguma coisa de moda…” normal, não tava pedindo nada a ela não, aí ela disse “então eu pago, procure, passe no vestibular que eu vou pagar sua faculdade”. Aí eu fui pra Nassau [Faculdade Maurício de Nassau] Tecnologia e Design de Moda, passei dois anos e meio lá estudando. Eu me formei em 2013. Aí eu saí da Federal [UFPE], larguei mesmo assim, tchau! Vendi minha régua T, minha coisas, até nunca mais.

A Nassau na época, ela tinha tudo lá, hoje em dia não existe não, esse curso não. Então tinha todas as coisas, todo o maquinário, tinha tear, tinha tudo tudo tudo. As mesas eram gigantescas, ai, nossa era uma delícia, delícia, todo dia eu tava lá, muito bom. Agora eu sofri um mini bullyng que eu nem me importava muito que as mais patricinhas ficavam na frente, que tinham boutique, a maioria, e na minha sala so se formaram duas pessoas: eu e Renata. Ou seja, a maioria da sala não queria estudar moda real mesmo, aí o povo ficava dizendo que eu queria ser professora de moda, aí eu sofria esse mini bullyng assim, até que eu ria, as professoras riam também, porque eu era a única que lia os textos, comprava os livros de moda, que escrevia as coisas…

É uma coisa meio de Paulo Freire

Eu acho que se você sabe uma coisa, se achou aquilo importante, você tem o dever de passar aquilo para o outro, aí isso eu faço com tudo, não é só com moda, física, que eu gosto muito…
É uma coisa meio de Paulo Freire, que tinha uma coisa assim…

Aí não é por que eu quero ser uma acadêmica, é porque eu acho que é assim que a gente deve viver a vida da gente, o que eu sei eu tenho que passar por outro.

Eu gosto de estudar, aí eu passo [ou acho] um negócio legal, aí eu escrevo e quero que o povo saiba também. E eu vi que funcionava. Eu comecei a viajar por conta de artigo, eu sem dinheiro, quase todas as viagens que eu fiz foi por coisa que eu escrevi, pra Brasília, pra Salvador, pro Paraná, pra Noruega, tudo foi coisa que eu escrevi

Bando de Robbit aqui em casa

Eu gosto muito de terror, Alan poe, Junji Ito, de truecrime, sou apaixonada, aí quando em alguém que gosta e eu falo também, meio dificil, mas tem.
Eu digo a Mainha que aqui é um bando de Robbit aqui em casa, você já viu como é a casa de um Robbit? Uma das casas mais acolhedoras que tem, tá sempre de porta aberta, sempre uma comida no fogo, e um chá quente. Eles são de festas e de reuniões e são muito ligados a família.

Eu não tenho uma rotina, depende muito. De ontem pra hoje eu passei acordada, fazendo freelance. Eu tenho insônia diagnosticada também, eu durmo profundamente uma hora, acordo de 15 em 15 minutos. Aí eu fico deitada em torno de 5 horas…

Eu não sei nada decorado, RG, CPF, senhas…

Eu prefiro trabalhar à noite. Eu percebo que de manhã eu rendo mais, porque eu consigo preencher o dia inteiro e a noite é curta… eu percebo que eu consigo fazer mais coisas, se eu começar às 7 da manhã e ir até 22h, pausa pra comer às vezes.

Eu gosto do último banho do dia ser “O Banho”, se eu tomei um banho, de cabeça, eu não quero mais sair na porta, atender telefone eu não quero.

O que o pessoal pede pra eu fazer eu faço, outro dia eu tava fazendo uma transcrição, eu nunca fiz na vida, mas eu faço… pagando, mesmo que pouco eu faço o que me pedirem.

O trabalho com artesanal/ manual com os têxteis]ele se paga. Eu consigo falar com uma costureira pra me ajudar, às vezes, os tecidos, linhas, ele se sustenta. Dá pra continuar fazendo ele, mas não paga meu tempo de trabalho. Hoje em dia eu que faço tudo, modelagem, corte, costura e bordado.

"Oluyiá, faz um vestido bordado pra mim?"

Mainha já faz isso [trabalhos com bordados] e eu sabia que ia ser difícil como está sendo, entendeu? Essa história do povo entender que o meu é diferente. Quando eu olho eu vejo claramente quem fez o quê.
Pra eu começar a bordar real nos vestidos foi na pandemia em 2020, porque Alice… porque Mainha já faz isso e eu sabia que ia ser difícil como está sendo, entendeu? Essa história do povo entender que o meu é diferente. Quando eu olho eu vejo claramente quem fez o quê.

Foi em 2020 que as pessoas começaram a dar valor a esse trabalho, entendeu? Porque uma amiga pediu, Alice, ela chegou e disse: “Oluyiá faz um vestido bordado pra mim?” Alice é uma professora do Capibaribe também. Aí eu disse “faço”. Porque geralmente ela pedia sem bordado, até por que eu não fazia na época. Eu fazia a modelagem, aí dava muito trabalho… Quase todas as lojas que tem aqui já me chamaram e é 50%, enfim, é bizarro. Aí sempre fui de vender nos bares, restaurantes, galerias e afins, então hoje eu faço do mesmo jeito, desde que eu comecei a vender eu vou num bar, num restaurante, arrumo um canto e vendo, chama loja itinerante, né?
Aí ela pediu pra eu bordar e eu bordei. À partir daí fui fazendo e colocando no Instagram, porque de rede social eu nunca coloquei muita coisa não, eu nunca tive uma rede ativa, aí eu “ah, eu vou começar a postar realmente assim”, aí eu comecei a fazer outros sem ninguém ter pedido, por exemplo. Aí comecei a vender, aí comprei minha máquina, que tava quebrada, eu não tava conseguindo costurar. Ai primeiro em fui numa costureira, fazendo bata assim… Porque várias costureiras daqui que trabalham pras lojas daqui que vocês conhecem todas, eu já peguei contato de várias delas e elas não fazem do mesmo jeito quando é pra mim. Tirem suas próprias conclusoẽs…

Pra eu começar a bordar real nos vestidos foi na pandemia, em 2020. Foi em 2020 que as pessoas começaram a dar valor a esse trabalho, entendeu? Porque uma amiga pediu, Alice, ela chegou e disse: “Oluyiá faz um vestido bordado pra mim?” Alice é uma professora do Capibaribe também [como Teresa, sua mãe]. Aí eu disse “faço”. Porque geralmente ela pedia sem [o bordado]. Eu fazia a modelagem, aí dava muito trabalho…
Quase todas as lojas que tem aqui já me chamaram e é 50%, enfim, é bizarro. Aí sempre fui de vender nos bares, restaurantes, galerias e afins, então hoje eu faço do mesmo jeito, desde que eu comecei a vender eu vou num bar, num restaurante, arrumo um canto e vendo, chama loja itinerante, né?
Aí ela pediu pra eu bordar e eu bordei. À partir daí fui fazendo e colocando no Instagram, porque de rede social eu nunca coloquei muita coisa não, eu nunca tive uma rede ativa, aí eu “ah, eu vou começar a postar realmente assim”, aí eu comecei a fazer outros sem ninguém ter pedido, por exemplo. Aí comecei a vender, aí comprei minha máquina, que tava quebrada, eu não tava conseguindo costurar. Ai primeiro em fui numa costureira, fazendo bata assim… Porque várias costureiras daqui que trabalham pras lojas daqui que vocês conhecem todas, eu já peguei contato de várias delas e elas não fazem do mesmo jeito quando é pra mim. Tirem suas próprias conclusoẽs…

Oficina de block printing

Eu faço acessório carnavalesco, né? Muita coisa.

Fiz estamparia, comecei lá em 2008, 2009, eu criava os símbolos e tal e fazia em almofadas, sobreposto, sabe? de cores, tintas, que fica muito mais rico e interessante de se olhar. Por conta desse trabalho já dei muita oficina de block printing, faz muitos anos. Mas sempre voluntária, por sinal. Eu levo muitos livros. Eu tenho muitos livros de África real oficial que tia Luísa me deu e nele tem fotos do pessoal fazendo carimbo de madeira… Eu sempre sento no chão e explico porque a gente tá sentando no chão e mostro as imagens, a gente conversa… Eu gosto muito dessa oficina e o povo gosta muito, ficam satisfeitos, rapaz! ficam “fui eu que fiz!”, ai saem todos felizes, com os carimbos.

Todo trabalho que eu faço eu vou estudar “Caminhos”

Todo trabalho que eu faço eu vou estudar aquele negócio. Aí vai acumulando, né? Um curso Todo trabalho que eu faço eu vou estudar aquele negócio. Aí vai acumulando, né? Um curso que eu fiz vira não sei o quê… O da exposição, por exemplo, eu fui muito por aí… porque essa coleção teve um trabalho maior, por exemplo? Porque na pandemia eu fiz um curso com essa menina que eu tava falando, de Minas… online, durante a pandemia, aí eu peguei um vestido inteiro e paguei o curso. E o curso era perfeito, maravilhoso e no final a gente tem que fazer um painel, e o painel que fiz foi esse [mostra]. “Saberes Manuais”, falando né? porque foram os negros que trouxeram né, porque tem os ourives, tem o pessoal do tingimento, o pessoal da alfaiataria, o pessoal que borda, tudo isso foram os negros e o pessoal bota lá que foi Portugal. E aí você fica “meu filho, vocês estão muito perdidos no mundo”, mas enfim… E aí a gente vem desse caminho todinho até chegar no painel imagético que a gente ia fazer. Aí eu fiz um vestido que foi o “Caminhos”, da exposição, foi o resultado disso aí.
Aí tem pedaços de tecido que foi de painho, do Afoxé, que painho que fundou um Afoxé Alafin Oyó, foi meu pai que fez aquilo ali. Aí em 1986, foi a fundação. [Mostra alguns tecidos].

Processo de trabalho

Eu não faço no tecido direto geralmente, eu faço fora, porque aí junto, e depois eu bordo. Tens uns que eu bordo uma corda, e dali eu fico olhando um tempão, né? as vezes eu tiro uma folhinha, ou é uma folhinha que está faltando. Depois que eu fiz o que eu acho que eu quero eu alinhavo e depois eu começo a bordar de novo.
Como a gente tem clientes fieis que entendem o processo de trabalho, então é uma coisa muito fluída. Eu converso “Você está pensando o quê?” Quais as cores que você tá na sua mente?”. Já teve “músicas que cantavam quando eu era pequena”, e “se inspira aqui nessa música”, entendeu? Cada pessoa um negócio, aí vai perguntando, aí dali eu tiro o que eu acho. A pessoa me dá um pouquinho dela, em geral eu passo uma semana com essa coisa na cabeça, e eu vou fazendo.

Exposição

Foi de 2021 a 2022 foi fazendo [a exposição], para poder lançar. Fazendo outras coisas e junto as coisas da exposição. Bem difícil, bem difícil. Não sabia nem quem eu era aqui, mas deu certo. Tava faltando uma peça e eu olhava “tá muito feio isso aqui, tá faltando um negócio”, aí uns três dias antes [da abertura] que eu fiz um vestido que tava faltando aí eu botei, minha amiga Cibele, que é modelo, botei ela no meio assim com o vestido, tava faltando alguma coisa, era Cibele vestida.(ri). Foi um ano de produção.
Isso era intencional, por isso que desde o começo, a gente sempre chamou de “exposição”, o nome sempre foi esse, a gente nunca disse que ia ser “um dia de venda”, é exposição, sempre foi assim. Começou com Mainha desse jeito e eu continuei fazendo assim. Então aquela foi uma exposição grande, mas foi mais uma exposição.

Eu passei uma semana pensando nisso, né? Porque a pessoa ansiosa fica com isso na cabeça, mas pensava “vai chegar uma hora e eu sei” Aí pensei, pensei, pensei que teria que ser uma coisa simples, tinha uma história de galhos, mas pensei que não. Então pensei “pinta a parede” a coisa mais simples e os próprios cabides, que eu só tirei a parte de cima. Aí eu disse “não Raoni, sabe o que a gente vai fazer? a gente vai só tirar o gancho e botar o próprio cabide na parede”. Então eu pensei como a gente ia montar e como poderia montar em outro lugar também, porque eu sou dessas, entendeu (ri)?.

eu quero pensar no caminho e as cores que eu vou contar junto com aquilo ali

Porque eu digo, não é bordado exatamente, porque se você for ver eu uso dois pontos. Porque eu pego muito também os retalhos que é já de um tecido, entendeu? Então eu bordo por cima de outro bordado, entendeu? Mas se você for ver é o ponto corrente, que é o que eu mais uso. Eu uso o bordado pra me ajudar a contar a história que eu quero contar, sabe? Então assim, eu aprendi a fazer os pontos depois, eu fiz um curso. Fiz bordado digital também, um curso, foi bem legal, mas na hora do fazer realente eu não fico pensando nessas coisas, eu quero pensar no caminho e as cores que eu vou contar junto com aquilo ali.

Já Mainha trabalha mais, ela tem 70 anos de idade, então não vou comparar o meu trabalho com o dela, em questão de como ela faz a criação né? A conexão dela com a linha é diferente. A minha se eu pudesse piscar o olho assim [e tá pronto] ia ser mais fácil. Ela tem muito a história do fazer, né? De passar aquele tempo fazendo… Pra mim é uma relação diferente, pra mim é uma relação muito mais de trabalho. Essa hora do gostoso é quando eu tô conversando, quando eu tô montando, quando eu tô pensando nas cores, mas na hora que eu tenho que fazer eu “Meu Deus do céu, eu to nesse amarelo aqui, mas eu queria o vermelho dali, mas pra eu não esquecer, às vezes eu boto um vermelhinho aqui pra lembrar que depois eu quero botar o vermelho ali. Por isso eu passo muito tempo olhando pra roupa, porque eu sei que tem coisa que vai faltar…

Mainha nunca trabalhou com aplicação, por exemplo, ela sempre foi direto no tecido. Como eu gosto muito de tecido, pra colocar alguma coisa nele, tem que pensar muito. Então eu faço antes, pra poder botar lá [no tecido].

O que eu mais gostei foi o de Iemanjá, ficou muito bonito. Ele é branco e é azul. Foi o que eu mais gostei e eu achei que até agora não tem nenhum que… e eu passei uma semana fazendo o bordado, aí eu usei aquele bastidores grandão, que foi muito difícil, eu não gosto de bastidor, é um negócio que me incomoda bastante.

o têxtil de uma forma mais contemporânea

Eu sempre tive esse apego com o tecido, e como a pessoa está vestida, o que a pessoa escolhe pra vestir, então eu tenho muito esse negócio, não comigo exatamente assim, já tive na minha adolescência, tanto que eu já tive várias fases: a gótica, a emo, a clubber, muitas expressões diferentes esteticamente falando assim, que se for ver tudo é meio igual, no final das contas, mas esteticamente são diferentes. Aí quando eu fiquei mais velha eu gosto das coisas assim “o quanto maior melhor”, mas que o problema é que eu tô crescendo junto com as minhas roupas. Eu sempre usei roupas grandes, eu gosto do tecido, eu gosto de ver, muito pano.

E tem essas coisas dos estudos que você gosta de uma coisa sem nem saber exatamente [o porquê], que quando você tem vários países lá na África, que são muitas composições, são muitas camadas, muitas coisas, então esse negócio é como esse povo, eu gosto de pano.

É a minha vida, então tem muito disso no meu trabalho, quem eu sou, assim, né?

Eu acabo indo pro lado das pessoas que trabalham com o têxtil de uma forma mais contemporânea. É difícil eu me conectar com quem trabalha com esse tipo de bordado e aí, por exemplo, quando eu fui fazer o curso da Urdume, da Revista, e ali eu me conectei também mais com o pessoal que trabalha o têxtil de uma outra forma, sabe? Aí eu acabo dialogando mais com quem não trabalha com roupa.

Nesse curso da Urdume a gente leu muitos textos falando sobre gênero… eu li bastante, a gente discutiu bastante e aí eu percebi o porquê também da dificuldade das pessoas entenderem a imposição do têxtil. Porque não tem muito, mas quando tem são aqueles panos enormes, tapeçarias, aí na hora que a pessoa pensa em “têxtil” a pessoa já [pensa] tapeçaria, porque é o que a gente vê mais, colocam e tal. Por isso que eu fiquei no meio do caminho, assim, porque você tem exposição de moda, geralmente você tem exposição de Moda mas não são com peças novas, são exposições de coisas passadas.

palestra de moda e memória

Na última palestra que me chamaram pra dar, uma professora da Federal [UFPE] Simone Barros, ela tava, uma professora chamada Anete Sales, que é minha professora também agora [ Na Pós de Modelagem e Criação, no SENAC] e eu lá no meio. Fui fazer uma palestra de moda e memória. Só que o pessoal queria que eu falasse de mim, só que eu não gosto de começar a falar as coisas de mim, aí eu sempre procuro uma coisa muito legal de moda e memória que alguém fez, então eu citei alguém… Aí eu comecei a ver as fotografias… Porque ora mim ter memória tem aquele apego das fotografias, que eu não tenho, e das pessoas negras que não têm fotografia, né?

Com essa história da memória, as pessoas negras não têm muitas fotos, eu tenho uma ou duas fotos, uma coisa muito difícil. Eu tenho várias fotos de Mainha dos anos 1970, eu fiz um trabalho inteiro só com fotos dela, então é muito difícil. E aí, eu coloquei isso [na palestra] citei no comecinho e onde eu queria chegar de modo de memória, aí eu fui pras fotos de pessoas reais oficiais que não eu, no período da escravidão né? então você em lá elas [as mulheres negras] segurando as crianças, porque era elas que tinham que segurar pras crianças terem as fotos, porque crianças não ficam paradas, aí você pode ver, ou elas ficam dormindo ou paradinhas, ou tão abraçadas, e aí depois elas vão sumindo das fotos. Porque ter escrava passou a ser muito feio, porque a França lá disse que era uma coisa muito feia, né? Aí a princesa teve que assinar lá o papel. Aí, começou a aparecer só as mãos, começou real a aparecer só as mãos. Então vem esse apagamento e eu fiz essa ligação… e aí chegamos que nossas roupas não são pessoas negras usam não estão no museu de roupas. Eles colocam muito de artistas, mas de movimento cultural é muito difícil… aí nos Estados Unidos você encontra alguns, aqui mesmo [no brasil] , você vai nos museus daqui você não vê nada, zero.

Então eu tô muito assim com essa história de museu, isso não me entra, estou lendo muito sobre isso… ainda estou com essa história de museu na cabeça.

O que eu sou

Eu sempre digo que não tem resposta errada, tem quando é agressiva. Eu pergunto o que é ser uma mulher afro latino americana aí quase todo mundo tem muita dificuldade pra responder, né? O que é ser mulher? O que é mulher? é muita coisa, o que eu sou, tem muita coisa pra se dizer, então é muito difícil, então pra responder ela você tem que falar de você, do que você gosta…

Trabalho

O que é trabalho? Eu acho que é normalmente o que a gente tava falando desde o começo, né? o trabalho é tudo isso que eu faço. Nessa visão assim, eu não vejo trabalho como um salário… o trabalho é uma coisa que eu acordo e tenho que fazer. Eu acho que é isso, não necessariamente é ligado ao dinheiro.

Legado

A maioria das linhas eram de Mainha, eu comecei a comprar material depois, elas já estavam em casa, disponível. Eu tenho uma geração na minha família de costureiras, porque eu sou, minhas tias eram, minha vó era, e eu costuro, então Mainha fiou empolgada quando eu comecei moda porque ela achou que eu ia costurar pra ela bordar (ri). Mas é geracional, tanto com ela quanto com a minha vó também. Tem uma tia também que ela fez um curso de modelagem, então eu meio que juntei uma galera que veio atrás de mim. Essa paixão por literatura veio tudo do meu pai, ele tinha mais de 3.000 livros… então eu juntei todo mundo aqui na minha cabeça, os meus irmãos não têm esse gosto, nenhum deles. Nem pela literatura, nem pelo bordado.

Painho morreu ele tinha 51 anos, era jovem. Aí às vezes eu fico querendo carregar o legado da família toda assim, e somos poucos, né? É complicado essa história de identidade, de legado, de sabe… Hoje tem mainha, eu, Onilê e Ayodê, e tem Narinha [sobrinha, filha de Ayodê] agora, a família da gente real e oficial é isso e falta painho, é uma família pequenininha. Eu vivo dizendo que eu tenho um monte de tio, tia, é porque eu não conto muito com a família de sangue de painho. O povo tudo se acha branco. Minha avó era indigenaI, aí nasceu o povo com a pele branca e o cabelo liso preto, aí é tudo branco lá, na cabeça deles. É muito difícil a conversa.

A família de sangue só tem a gente e todos os tios e tias são amigos de Mainha. Aí eu acho que eu tenho essa história assim de fazer tudo que os outros fizeram numa pessoa só, porque eu acho que eu tenho essa coisa com o legado, eu acho, não sei… Eu fico meio preocupada com o depois, com o que vai acontecer com tudo isso [se referindo as coisas que ela têm de seus parentes], doação? dá pra alguém? Porque só tem Nara agora e eu não sei se ela vai gostar…