Rudivânia aprendeu ainda menina com sua mãe a fazer rede. No sítio, sua mãe tem um tear de pau de fazer rede e outro de tapete. Hoje ela costura em Caraibeiras, trabalha pra ela. É formada em Pedagogia e sonha dar aulas. Conversou conosco ao lado de sua grande família, na casa de sua mãe – no Sítio Olho D’água do Bruno.
Por Luiza Maretto
Chegando a primeira vez em Caraibeiras, um pouco antes do Sítio olhos d’água, alguém fala: “imagina se a gente vê alguém fazendo rede no caminho”. Já passando pelo sítio, avistamos um senhor na frente de sua casa, amarrando as franjas de redes. Paramos?” Paramos.
O pai de Rudivânia nos mostra o que faz: manta, rede, prifila, faz cadilho e tem um pequeno tear manual pra fazer o punho. “E vocês tem o tear manual de fazer a rede toda?”. “Tem sim”. “O manual é mais certo, mais confiável”. E lá foi Rudivânia mostrar atrás da casa. A professora nos leva. Passamos por um mato pequeno e embaixo de uma casinha de madeiras estão um tear manual de tecer tapete e outro de tecer rede. Valor. Valor? Sabedoria de longe, de outro tempo, ali, na nossa frente. Naquele instante, naquele lugar, parece que escutamos um pouco de um grande silêncio do sertão.
Encontramos Rudivânia e seu pai, de novo, na feira de Caraibeiras, vendendo suas mercadorias. Ela pergunta o valor da venda de artesanato na capital, em Recife.
Ela mora nas ruas de Caraibeiras, mas prefere que conversemos novamente na casa da família, no sítio. Lá tem também a casinha que ela alfabetizou boa parte da família. E, no dia combinado de mais conversa nossa, senta ela e umas dez mulheres em volta, nos olhando, observando, prontas pra ouvir. Sobrinha, prima, irmã, mãe…
Tomamos todas café juntas e o sol vai se pondo no sertão. “As pessoas podem não acreditar”, então vamos registrar com fotografias: ela só, ela e a mãe, e chama todo mundo da família pra fazer um retrato grande, no banco da casa.
Narrativa
Mãe só tecia desses tear
Nasci aqui no Olho D’água. (A infância) Foi boa, só que era muito difícil, assim, por causa que era, a gente era pobre, e pra criar foi muita dificuldade, causa que mãe só tecia desses tear. Mas a renda que tinha era de fiar, ou então a roça. Aí eu me lembro que era bom, era até melhor, mas lembro que não era de ter, era só do tear mesmo que sustentava.
Mãe tecia mais no artesanato. Aí a gente foi aprendendo com ela. Ela foi, tece desde criança, a gente via ela tecer, aí a gente foi crescendo e aprendendo e vivendo disso. Até hoje. Até hoje trabalha no artesanato.
Mulher, eu era pequena. Acho que era do tamanho de Alice, da minha menina.Dez anos. Era pequenininha.
Era difícil que só
Tenho muita lembrança. Me lembro quando comecei a tecer mesmo, eu botava um pau pra poder alcançar isso. Aí daí a gente foi crescendo e teve muitas lembranças. Mãe fazia antigamente, não era como hoje em dia já vem os fio, a moldura de fio, né?, colorida, e antes não era assim.
Era só o fio branco que comprava, aí comprava uns quilo de tinta e a gente ia fazer aquelas meada, pra poder tingir os fio. Aí a gente batia primeiro, molhava, deixava de um dia pra outro pra pode pegar aquela água, molhar bem o fio, que é difícil de molhar o algodão. Aí a gente ficava batendo numa pedra, carregava água, depois batia numa pedra, pra poder botar fogo no arguidá bem grandão, aí botava fogo, lenha, pra poder, quando tava fervendo, a gente jogava tinta e jogava meada dentro pra poder a tinta pegar bem.
É, era difícil que só. Hoje em dia não. Hoje em dia é mais fácil porque já vem a cor que você quer, você vai no armazém e compra. Se você quiser amarelo, vermelho, preto, branco, cru, o que você quiser, lá já tem os saco tudo separadinho. Não precisa tinta. É tanto que hoje em dia acho que nem vende mais tinta. A gente já compra tingida as cor. É bem mais fácil. Hoje em dia é tudo bem mais fácil. Tem tear elétrico. Antigamente não tinha tear elétrico. Era tudo assim desses manual. Muito difícil. Porque demora muito. Por isso que os pessoal deixa mais de tecer, tanto que a rede manual é mais seguro que a do tear elétrico, que a gente te mostrou ali como é a diferença, né? Um tear manual não tem a emenda. E esse emenda, mas é porque a facilidade é maior, porque tece de muito de uma vez. Aí tem as pessoas que enche aquele rolão grande, fica bem assim. Aí dali você desmancha tudinho em rede, dá mais de quase duzentas rede. Num rolo só. E antes não.
Só que é mais segura a rede manual
Você, nesses tear aí, a gente tece de um em um. Aí é mais difícil porque demora mais. Aí o pessoal não quer mais por causa disso. Só que é mais segura a rede manual, é mais segura, porque ela não tem a emenda. Aí papai ainda tem umas, porque papai compra a uns pessoal aqui do olho d’água que tece, que vende a papai, essas mulher. Papai pega, apronta e vende em Caraibeiras, mas elas são mais caras, porque as pessoa quer, só pra tecer uma rede daquelas, elas quer dez reais hoje. E tem muitas que nem querem mais dez reais, porque é muito trabalho. Tu já viu alguém fazer? Não é difícil? É ali naquele pente, de uma em uma…
É muita (vezes indo e vindo pra urdir). Não tem como contar, não. Nunca nós fizemos, assim, por quantidade de fio, a gente não sabia, a gente tem uma marca. Naquele pente todinho lá a gente deixava uma marca, assim, o tamanho da rede. Aí eu olho de canto a canto. Aí não conta as viagem.
Eu terminei a faculdade agora
Eu terminei a faculdade agora, no ano passado. Só não teve a formatura porque a mulher que tá corrigindo nossos tcc’s é muito lerda, e ainda não entregou. É muita gente pra corrigir. Mandemo pra lá… Aí até agora, enfim, ela não mandou a resposta, mas já era pra nós ter feito a formatura. De Pedagogia.
Aí, agora, nós fizemos, era muito difícil quando nós, papai, era muito filho, aí pra terminava aqui a quarta série, aí pra nós ir pra Tacaratu estudar era muito, papai não podia pagar um carro pra nós tudo. Aí depois de grande que os prefeito que entrou aí começou dar uns carro pra ir os estudante que nós terminemo.
IRMÃ FALA: Mas a gente ainda passou um ano indo todo dia à pé pra Caraibeiras. Dormia na casa de uma tia nossa e no outro dia, quatro horas da manhã, a gente saía pra cá de pé, pra descer, quatro horas da tarde parava de descer pra voltar de novo à pé pra lá.
Pra terminar foi muito sacrifício. Aí, agora, depois de, uns quatro anos atrás, foi que eu comecei a fazer. Teve a oportunidade dessa escola que é à distância. Aí nós fizemos, mas era difícil estudar aqui. Eu queria ter terminado muitos anos atrás… mas não deu.
Eu faço jogo de banheiro, faço cortina, faço tapete
Lá em Caraibeiras (costura). Em casa mesmo. Pra mim. Eu vendo na feira, eu faço jogo de banheiro, faço cortina, faço tapete: eu tenho um tear elétrico. Aí dali eu fabrico os tecido, e eu corto e faço os jogos de banheiro e cortina.
Eu tenho um tecedor que tece pra mim. Porque eles são muito pesados, assim, pra mulher, é difícil. Tem mulher lá em Caraibeiras que tece. Se tiver, entre tanta gente, acho que umas dez. Pronto, que eu conheço mesmo, eu só conheço mesmo umas duas mulher que tece. Acho que até com a ajuda dos marido que tá lá, porque tem um negócio pra ligar lá o tear que puxa muito, assim, com força. Aí a chave do tear, eu acho que tem que ser com a ajuda de um homem, que é pesado. E os rolo também é muito pesado, quando eles vão botar, é tudo de ferro. Eles vão botar um no outro, tem que ter ajuda de alguém pra poder botar, que um só não bota.
Mas você tá escutando que tá em barulho a cidade
Quando falta energia, mesmo, que de repente eu ouço, nem que você não tenha um tear perto de você, você escutando, mas você tá escutando que tá em barulho a cidade. Quando para, aí você vê aquele silêncio. Aquele silêncio total. Aí eu acho bom. De madrugada tem uns tear vizinho meu que começa a tecer umas quatro hora da manhã. Aí eu não me incomodo, não. Mas tem gente que incomoda. Já vi até gente ir pra justiça pra mandar vizinho para, só começar sete horas. Aí eu não me incomodo, não.
É todo mundo
Casei. Doze anos que eu casei. Só tenho um (filha). Só tenho Alícia, que é essa daqui. Só moro com meu esposo e com minha menina. Ele é professor. Só que ele tece também, quando ele tem folga. Ele ensina (aos adultos) lá em Caraibeiras. Ensinava aqui no sítio. Só que quando o prefeito entrou tirou ele.
Meu pai tem um salão lá (em Caraibeiras). Aí tem o tear dele e tem os nossos. Tem o de Micael, que é o tear que meu esposo tá com rolo de manta é do meu irmão. E tem o meu tear, mas tá tudo no salão de papai, porque pra botar tem que mudar a energia todinha. Aí como ele já botou energia no salão a gente botou os tear lá, pra não mudar de casa.
É todo mundo (da família tece). Só meu irmão que tá em… dois: que tá em Curitiba, tem um em Curitiba em e um em São Paulo, que eles, Isaque foi esse mês passado e Isaías tá com uns sete anos que tá lá. Mas tudinho sabe fazer. Tudinho trabalhava nisso. Eles que ensinaram (o pai e a mãe).
Tem aquele tear lá que eu te mostrei, que tem um rolinho, de vez em quando ele se inventa de tecer, mas ela nem pode tecer, que coisa muito as costas dela. Mas de vez em quando tá lá o rolo cheio, de vez em quando ela… Porque ela gosta. Não é nem que precisa, mas ela gosta.
Todo dia eu corto o tecido, passo no overloque e depois boto franja
Vixe, todo dia eu corto o tecido, passo no averloque e depois boto franja, aí tanto faz o jogo de banheiro como cortina. Aí outros dias eu corto as cortinas, passo e depois vou fazer na máquina. Tudo costurando.
Eu passo o dia todinho trabalhando. É. Eu trabalho em casa, só paro pra fazer almoço e depois e só de noite que eu não trabalho lá, que é lá atrás, mas pelo dia o dia todo que eu teço. Tando em casa. Teço não: costuro.
Lá em Caraibeiras nas, foi quando começou a surgir muito tear, aí o pessoal começaram a inventar muitas coisa: bolsa. O que nós fazia antes era bolsa. Lá em Caraibeiras tu viu que na feira muita gente vende bolsa. Só que eu não faço por causa do tempo, que eu não tenho tempo de fazer, mas vende. Aí o pessoal começaram a inventar bolsa, primeiro fazia canga. Aquelas canga de ir pra praia, aí foi depois que fracassou, que não deu mais as canga, aí começaram a fazer rede, manta, bolsa, aí deu certo o pessoal faz, mas eu comecei lá na fábrica. Fui fazer bolsa, aí comecei a aprender a costurar. Costurar, que as bolsa a gente fazia ganhava por produção, que o que você fazia você ganhava, e costurar não. Aí costurar ganhava por mês. Aí a gente achava melhor ganhar por mês. Aí eu aprendi e peguei as máquina.
Eu trabalhei cinco anos de carteira assinada, aí depois dei baixa na carteira, quando eu saí. Mas minhas irmã mesmo, tem uma que vai começar nessa que eu trabalhava. Trabalhava duas irmã minha, aí uma também saiu quando casou e a outra continuou. Aí o ano passado ela saiu, que foi essa que casou antes de ontem, aí ela vai, aí ela parou, ano passado. Aí quando é agora, dia dez, ela vai começar de novo, nessa mesma fábrica de novo. Só costurando, todo mundo costurando, que é melhor. Que o artesanato pra trabalhar, assim, por produção ganha muito pouco, pouco mesmo.
Foi porque eu ganhei a minha menina, aí pra ir pra lá com ela não dava, aí eu comecei a trabalhar em casa. Aí decidi vender na feira. Trabalhar pra vender na feira.
Ele conseguiu fazer o nome dele e ficou tão feliz
Até que tenho (vontade de ser professora), mas aqui pra a gente é difícil, por conta desse negócio de política. Só querem… se tiver sorte de seu prefeito ganhar, bem. Se não… é difícil.
(Fez o Trabalho de Conclusão de Curso) Sobre educação no campo. Por conta da minha dificuldade, assim, que a gente se deslocava pra lá, aí eu quis botar alguma coisa assim.
É difícil aqui, a educação nossa, por conta dessa dificuldade da gente se deslocar pros canto, que não termina aqui. E hoje em dia ainda faz até a oitava aqui, e antes que não fazia. Chegava na quarta série a gente tinha que ir pra Caraibeiras ou pra Tacaratu. Aí era difícil por causa disso.
(Rudivânia ensinou a mãe a assinar) Eu gostava de ver eles (aprendendo), assim, que meu sogro mesmo aprendeu a fazer o nome. Aí eu achava tão bom quando ele ficava feliz, que ele conseguia ler uma palavra, que ele conseguiu fazer o nome dele e ficou tão feliz, que ele tinha muita vergonha porque ele não sabia assinar o nome dele. Aí ele aprendeu. Aí é bom por causa disso. Mas também só dei aula nesse ano.
Se as pessoas todas valorizassem assim, né?
Tem, mulher, que muitas pessoas tão dando valor agora. A gente chegando com um tapete manual na feira é mais caro do que o outro. Por exemplo, é trinta reais um jogo de tapete manual, e do outro é dez. Se as pessoas todas valorizassem assim, né?, era bom, mas muita gente não valoriza, não quer dar o valor que ele tem por ser manual.
Mulher, é bom, mas só se tiver emprego (ser professora). Se não tiver… Eu só ensinei uma vez. Esse projeto e outro ano, que eu ensinei numa creche. Toda minha vida foi trabalhando no artesanato assim. Se dessem valor, era bom. Mas, assim, a renda é melhor agora costurando, mas manual, assim, não.