Narrativa
[Sou de] Goiana [PE]. [Morei em Goiana] Até quatro anos e meio. Aí minha mãe [Zefinha] morreu e eu vim morar com a tia Amélia [irmã da mãe] aqui em Recife. Era em Casa Amarela. Rua Bezerros. Nº 136, Casa Amarela. [morei] Acho que uns vinte e cinco anos.
"Deixa Cristina mais tempo”
Tenho dois irmãos (Um mais velho e um mais novo, a diferença é dois anos. O mais velho Paulo José e o mais novo Fernando Luiz), mas eles ficaram com tia Chiquinha [em Recife] e depois voltaram pra Goiana. Tia Amélia não tinha filhos e aí desde que eu nasci que ela… ela [a mãe] era próximo dessa irmã, ela [tia Amélia] colocou o nome dos três [sobrinhos] e aí… ela queria uma menina, sempre quis uma menina, ela sempre ficava de olho em mim, né? Aí, minha mãe veio trazer o mais velho que estava com uns problemas [de saúde], daí passou quinze dias lá na casa dela. No médico em Casa Amarela que resolvia tudo. Aí passamos quinze dias lá e quando foi embora meu tio disse: “deixa Cristina mais tempo”, e tia Amélia: “não deixa ela levar a filha dela”, ai minha mãe tá, né? Não sei se é agradável e tal disse assim, né? Aí ela disse: “tá certo se eu morrer ela é sua”. Aí um mês depois ela morreu. De colapso, né? Cardíaco e já era de família, já tinha morrido outras dessa forma.
Teresa Cristina
Essa minha tia [Amélia] quando morava aqui na cidade, né? Nessa época era chique… ela já juntava os dois nomes, tanto que minha mãe tinha escolhido meu nome ia ser Zilda , ai tia Amélia disse: “Zilda? não, bote Teresa Cristina” não sei se era Zilda , Zilca mas era era uma coisa com Z eu acho que lá é em Goiânia devia ser bonito, né? Esse… esse nome acho que nome com Z tava sendo na moda e bonito, né? Aí agora a cidade diz que nada, oxe esse nome de matuto.
Eu vim pra meu pai se organizar [depois da morte da mãe], né? Que ele se assustou. Aí vieram os dois [irmãos] pra cá que ele não tinha como ficar com os três, apesar da família dele também ser grande, mas eu quando ele casou ele ficou mais com a família de cá, a família da mulher do que a família dele. Meus irmãos ficaram com Tia Chiquinha que morava aqui no Recife.
Aí tia Amélia perguntou: “olhe, você vai levar a Cristina?” Porque disseram que iam levar os outros. “Porque eu quero colocar lá na escola”. Ai ele disse: “Não, ela tão bem aí, deixa ela aí.” Aí tinha um pequeno detalhe. Era mais difícil na época se educar menina do que menino, porque tem ainda a questão da virgindade, a questão de ter filho cedo, acho que de abuso de muita coisa né?. Então, teve uma época que isso, eu me senti abandonada, mas como ele protegia né? Ai fui ficando, ficando…
E outros [familiares] já tinham vindo pra cidade, pra trabalhar como doméstica. E aí [Tia] Amélia casou aqui, conheceu Tio Nestor aqui já na cidade. E aí, tio Nestor era motorista, também doméstico né? Motorista de uma casa e aí depois Tio Nestor foi ser motorista do armazém.
Costureiras
[Quando cheguei] A tia Amélia já estava casada, costurava… Pra meninas. Só meninas, porque aí nessa época tinha só uma especialidade. Tia Chiquinha era só pra homens e meninos e Tia Creusa costurava pra menino e adulto. [Todas as tias eram] Costureiras. Quando elas saíram dos empregos domésticos elas casaram e foram ser costureiras.
Quando estava nos estudos eu sempre estava nesse ambiente né? Meu ambiente era de costura e nessa época não tinha máquina Overlock que faz o acabamento, então o acabamento era a aproximação da gente, que era fazer esse abanhado à mão que era com agulha.
E tinha dona Severina que morava perto e aí como a demanda era grande as pessoas vinham né? Pra chulear aí todo mundo da casa tem que aprender a fazer isso. A máquina era de cada uma, a gente não pegava em máquina. Depois tinha uma outra máquina ou comprava máquina de segunda mão pra eu aprender mas nem se usava na máquina.
Aí demorei muito, aprendi a costurar a máquina, não consegui dominar a máquina e aí eu só fazia chulear. Eu tinha dez anos. Só fazia os acabamentos, o abanhado e o chuleado, só depois que eu tava muito refinada eu lembro que eu já podia fazer o volitê, que era aquele o viés bem fininho, porque roupa de criança era tudo muito delicado. Como minha tia costurava, as minhas roupas ela modelava e a estética, né?
Nessa época também todo mundo tinha que aprender a bordar
Nessa época também todo mundo tinha que aprender a bordar. Só que se rebelava mesmo que dizia “não quero isso não, não quero bordar”. Porque não ia casar? tinha que saber pregar um botão… e também saber para mandar, e saber para consumir.
Lá em casa também tem essa história de aprender, tia Creuza era solteirona, nessa época toda casa tinha um solteirona, e aí tia Creuza era das aprendizagens, fez curso de tudo. [tia Creuza] chegou a costurar nos cursos, depois que a criança aprendeu a bordar na mão, aí aprendeu o bordado da máquina, nessas lojas de aviamentos [que davam cursos]. Tinha os cursos e tinha formatura e tudo de bordado. Tia Creuza aprendeu, aprendeu a confeitar bolo, aí confeita o bolo da gente de aniversário. Agora Dona Perpétua também fazer, veio uma onda de bicho de pelúcia. Aí dona Perpetua aprendeu bicho de pelúcia, depois aprendeu a confeitar bolo. Nessa época [aprendia] ou com o vizinho… fazia parte dessa história do comércio também… começou a produzir lã, então todo mundo tinha que aprender a fazer tricô, entendeu?
Minha tia tinha um projeto
Aí, pronto, começa a minha história aí, começa a minha história de estudo, né? Que vem até hoje. Ano passado fiz especialização em arteterapia, sou apaixonada pelo conhecimento, eu digo que do charme, dos encantos da burguesia o que me encantou foi escolas, estudos. Tinha que ser feito para a burguesia, não foi feito para pobre, mas me encantou. Uma palestra, assistir um teatro, cinema, pronto, aí minha tia hoje vivo encantada por isso o sonho dela era ser uma professora, então desde pequena eu já frequentava esses espaços, não assiduamente, mas vai ter um teatro, um cinema assim, aí, tia “tenho que levar Cristina para assistir”.
Tio Nestor
Lembro [das escolas que estudou] porque só foram duas [escolas], diferente dos meus filhos, que é um tour. Eu estudei na escola da rua, que era a escola onde todo mundo estudava, era a escola de Dona Dodô. Ela era minha madrinha, aí o pessoal da rua me mimava muito. Que tio Nestor era que tomava conta das casas, né? Era a pessoa que…que tomava conta das casas, recebia aluguel e tudo pra prestar contas ao patrão. Era uma vila, uma vila assim comprida. Não tem um espaço Ariano Suassuna? Ali? Pronto era aquela casa . Naquela casa de seu Augusto, com os filhos moravam lá e aí o terreno ia até a Avenida Norte, tinha um canal , um riacho. Aí, depois do riacho ele fez um ¨correr¨ de casas. Isso era uma prática dos Portugueses. Aí moravam os trabalhadores e as outras eles alugavam.
O pessoal ia pagar para ele, né? [tio Nestor], ele era analfabeto, mas ele sabia fazer conta. Até um dia desse eu tinha os cadernos [de] como ele fazia esse negócio. História da lógica né? Tinha uma matemática que dava tudo certinho, ia chegando e ia fazendo assim era só só usava soma somente adição, por isso também que a gente diz que é o mais importante é a adição né? Não escrevia e nem lia. Todo dia quando vinha do trabalho, do armazém, trazia o pão e o diário da noite, o jornal, seis horas da noite ele chegava.
Tio Biu que é marido de tia Chiquinha, trabalhava na fábrica. Tio Nestor trabalhava no armazém e de portugueses então o preço deles fazerem uma feira por mês e o preço era mais barato era tão bom se os portugueses voltassem aqui as padarias era um negócio deles todo trabalhador e parece ainda existe até hoje. Todo trabalhador quando ia pra casa levava um quilo de pão pra casa.
Essa discriminação por conta dessas coisas não tinha não. Era um grupo também reduzido que todo mundo conhecia, então assim né a filha de Amélia, Nestor era o… exemplo, né? [quem se relacionava com eles] é um exemplo de que “a gente não é racista, seboso” então a gente tava em todos os ambientes.
Colégio Vera Cruz
[Estudei no] Colégio Vera Cruz, era bolsista.
Nessa história dessas casas [da Vila, que o tio Nestor era responsável] eles começaram a vender as casas da vila. Aí, a irmã del Pilar, que era diretora desse hospital que hoje é do Servidor na época era o Hospital Centenário, aí o Colégio Vera Cruz era das mesmas freiras do Hospital Centenário. Tinha uma moça que trabalhava com ela, era afilhada dela, aí resolveu comprar uma casa pra ela, aí foram ver essa casa lá e era minha tia, né? as chaves e os controles tudo era lá em casa, aí chegou a gente estava por lá e perguntou, né? “Essa menina está estudando?”, “tá estudando, terminando a quarta série” aí perguntaram “pra onde ela vai?”, aí minha tia disse “eu não sei porque a escola que aqui todo mundo vai que é perto é o Santa Catarina, mas a gente não tem condição de botar no Santa Catarina”.
Aí ela “se fosse mais perto eu conseguia pra escola da gente, o Vera Cruz”. Aí minha tia “se a senhora conseguir não tem problema que meu marido todo dia leva Marlucia e Luiza”, que eram os filhos do gerente pra essa escola.
Daí Tia Amélia falou com a Irmã Maria das Neves que é a diretora da escola. E a gente sabe o nome [por]que elas gostavam muito de tia Amélia. Até hoje eu digo que eu não sei porquê. Eu acho que é pouco por esse projeto, sabe? E aí, levou lá e irmã Maria das Neves falou assim “olhe, a gente dá os cinquenta por cento da bolsa. Mas os outros cinquenta, a senhora inscreva ela e tal, que aí tem um teste pra ela passar fica gratuito.”
Aí, a mãe de Luiza, Dona Ida, também gostava muito de [tia] Amélia e costurava, né? Essa relação vem também porque os maridos delas trabalhavam no armazém e Tia Amélia já costurava pra esse pessoal. Aí ela batia os papéis tudinho e ela disse “o que precisar eu ajudo pra preparar a documentação”. E, eu fiz a prova, parece que a média era seis, mas a maior parte não conseguiu, aí baixou, eu tinha tirado cinco e não sei quanto, e peguei e entrei e fiquei lá até… mas não podia ser reprovado, se fosse reprovado perdia [a bolsa].
Estudava com Luiza, com Mônica foi lá que eu conheci Mônica, que hoje é minha diretora né? [Diretora do Instituto Capibaribe], e Marlúcia. Fui criada nesse ambiente.
As minhas tias e meus tios não queriam que eu fosse doméstica
As minhas tias e meus tios não queriam que eu fosse doméstica, e nessa época é que estão começando as escolas públicas. O que eu quero dizer é que o projeto [de educação que a Tia tinha para ela] ele não vem do nada. Entendeu? [Nessa implantação das escolas públicas, o que diziam era] que todo mundo só ia mudar pelo estudo. Nós seríamos os “trabalhadores letrados”, né? Isso era o que o Brasil queria e que estava precisando de gente, né? Só que a escola pública ela não veio pra cá pra todos, né? A gente tem essa brincadeira mas o Brasil de Todos veio no Governo petista. Antes o Estado dizia que era muito caro manter o povo [na escola], então eles tinham a verba e colocavam nas escolas confeccionais. Então, essas escolas que cresceram, vejam todas grandes: Maristas, Nóbrega, ou seja as congregações, Jesuítas, Maristas, nesse sistema de bolsa. As escolas eram separadas, Vera Cruz era só de meninas.
Minha tia costurava, passava noites viradas porque a gente não pagava,mas tinha o material escolar, fardamento. Aí, dona Aida me dava de presente de Natal eu ganhava uma farda nova e ganhava as duas velhas de Luiza. E os patrões, né? Eram todo mundo muito ligado, e diziam que eu era muito bem educada e com essa história das escolas eu passei a ser, vamos dizer assim… o que hoje a gente chama meritocracia né? A referência da meritocracia, ou seja, todo mundo pobre, né? Tinha uma rede de apoio pra acontecer essa história. A começar pelo meu pai que disse “não, ela tá bem deixa ela aí” [com a tia]. E aí e eles [os patrões] ajudaram… “E aí Cristina passou?” “passou”. Nessa época ninguém de chamava Teresa. Só quando chega no Magistério porque aí Teresa era o nome da moda, né?
No magistério
No magistério, aí todo mundo tem a era fulano de não sei o que: Conceição Brennand, que era da minha turma, Vera Longman e eu fiquei Teresa França. Ou seja, a gente só se conhecia assim, no sentido profissional, porque da minha turma toda trabalharam, todas foram professora.
O magistério eram três anos. Era um ensino técnico. Era contabilidade e magistério que ofereciam. Depois vinha clássico e científico. Científico pra quem fosse áreas exatas, engenharia, matemática e clássico pra quem quiser ser áreas de humanas, aí esses cursos prepararam para né? E magistério pra quem quisesse encerrar a carreira, né?
No Movimento [Negro Unificado], eu já tinha trabalhado em muitas escolas, cada escola com o viés político diferente né? E aí depois que eu me formei em pedagogia em 1975, eu comecei a ter aproximação com Bernadete Antunes, que era irmã de Mônica. Mônica casou, Luiza foi morar na casa de Bernadete, eu muito amiga de Luiza, aí Bernadee também se aproximou da família da gente. A mãe de Bernadete já conhecia Tia Amélia da escola.
Nessa época eu só estudava, não saia, não tinha amigos, de passeio e essas coisas, aí Bernadete começa a me levar pro pessoal. Nessa época a turma dela era de medicina, era a turma dos comunistas [ri], Luciano Siqueira…
Nessa época eu já estava na feira hippie. Nessa época não tinha o curso de educação artística, então a formação era feita pela Escolinha de Artes e outros grupos. Aí eu fiz uma formação na Escolinha de Artes, e aí depois minha primeira viagem foi pra Rio de Janeiro, como Coordenadora do do curso magistério, Cleomar, o pessoal investiu muito em mim, sabe? Aí Cleomar o primeiro emprego ela pediu pra ser coordenadora da escola. a vaga era pra Doris Rodrigues, aí Dóris ficou no Vera Cruz, conseguiu outro, aí passou meu nome pra lá, aí Cleomar ia ser a coordenadora, aí agarrou o nome, aí eu fiquei trabalhando na escola que a mãe dela fez, fez uma escola pras filhas, aí eu fui pra lá pra essa escola. Ai com essa história de artes, todo ano eu viajava pra fazer um curso em algum lugar, porque trazia o diploma e validava na Secretaria de Educação, aí eu podia ensinar artes.
Eu saí do Magistério em 1968, aí em 1969 eu já fui pra Escolinha de Artes.
O Vera Cruz era considerado uma das melhores escolas porque pela manhã a gente tinha as matérias e à tarde elas tinham uma escola em Nova Descoberta e aí a gente ia pra essa escola, a escola era da gente, era um laboratório, aí tinha um rodízio que passava pela Direção, pela Gestão… Agora eu fiquei só professora, não fiquei pra gestão.
Na Escolinha de Arte eu fiz uma [formação], depois ensinei lá. Aí quando me chamaram pra trabalhar lá teve uma outra oferta que foi uma outra escola. Se eu não me lembro agora qual foi.
Depois fui fazer faculdade, eu fiz pedagogia.
Pedagogia
Em 1970 entrei em Pedagogia. Porque as meninas foram logo [quando saíram do Vera Cruz], mas o meu projeto, ou seja, da minha família pra minha classe social, terminava aqui: professora[com o Magistério]. Fizeram uma festa linda, minha tia [Amélia] juntou, juntou, juntou dinheiro e fez a festa de formatura na rua. O pessoal da rua veio pra festa de formatura [ri]. O álbum foi presente de Dona Aida. Esses meus protetores fizeram barba, cabelo e bigode [ri] foi do início até o fim. Teve um que eu gostava muito dele Dr. Nilton Maia. Era professor da federal [UFPE] que era sogro de uma das filhas do patrão. Esse pessoal morava tudo perto. Hoje a gente diz quilombo, mas [na época] era coisa dos portugueses. Dr. Nilton quando passava [pagava] pra aula particular pra Luiza já dizia que ia ser uma outra pessoa [Teresa]. Aí, o professor também bem que não gostasse já não ia perder mais uma né? Engraçado que a gente nessa época não era amiga não [eu e Luiza], aí depois os pais separaram, e depois que ela casou, a gente se aproximou. E, depois que todo mundo morreu a gente assumiu que era irmã mesmo.
Festival de Inverno, em Ouro Preto
Quando eu fui pra faculdade eu fazia roupa pintada. Eu acho que já fazia antes, mas pra amigos.
Quando eu fui fazer um curso no Festival de Inverno, na primeira vez que eu fui pra o Festival de Inverno, em Ouro Preto [MG]. O CECOSNE tinha sido fundado e eu fui fazer um curso lá, Dóris pagou m curso pra mim no CECOSNE, né? No CECOSNE eu conheci Daniel Santiago, que tava formando um grupo para ir pro Festival de Inverno, foi nesse curso que eu conheci Tereza Barros, e aí fui com eles. Quando eu voltei, tinha Carlinha Oliveira, que estava montando, já havia a Feira de São Paulo de Artes, que tinha a ver com o Movimento Hippie, que tinha a ver com a questão negra, acho que em São Paulo são os negros que invocam essa Feira. Aí Pernambuco tava querendo, lá em Boa Viagem, aí a primeira era um grupinho de uns 12, nas primeiras a gente não vendia nada, só fazia trocar.
Daí a gente acompanhou o trabalho de Carlinha nessa Feira durante muito tempo. Mas eu não bordava. Eu já fiz a opção por vestuário.
Quando veio essa história toda, com a história de arte e abriu também o leque, né? E aí eu não quis ir pra pintura. Porque já era outro caminho, né? Era o caminho das galerias, era o caminho do pessoal que fez Belas Artes, aí eu fui e trouxe esse aprendizado para o vestuário. Aí me expressava através das toalhas, depois vem a moda indiana.
Artes
Não sei bem quando é que o bordado entra. Mas sempre numa linha mais de criação, mais de invenção, de ir juntando as coisas. Porque uma época que eu botava um cordão, fazia um movimento bordava em volta sempre misturando com isso sabe?
Aí trabalhei muito nessa história e o bordado veio com encantamento das cores das linhas. Na Escolinha de Artes, a gente aprendeu a fazer com um a fazer com um artista dos Estados Unidos, que eu não me lembro o nome dela, mas que fazia o bordado criador. Aí bordado criador também abriu uma possibilidade, né? E aí depois dessa história eu me encantei pelas linhas, aí deixei a tinta de lado e fiquei só com a linha.
Essa história [de bordar em roupa] vem quando eu começo a ver os vestidos mexicanos, com a internet, aí você começa a ver os bordados, aí, eu descubro também as cooperativas de bordadeiras. Essa história da exploração da mão-de-obra, e aí eu começo a ver o quanto isso era uma forma de explorar a mulher, a questão da colonização, quando vem mais essa questão política, e aí eu me encanto pelas bordados mexicanos e aí começo a bordar. Aí eu começo a fazer uns vestidos no estilo mexicano. Acho que em 2005. Eu passei uma época que eu fiz só toalha de mesa.
[o Festival de Inverno] Era época da ditadura. Era de formação pra libertação, para um novo olhar que só viria através das artes, da criatividade das artes. Nessa época se discutia muito a questão da criatividade, era o conceito do momento que era pra gente sair desse lugar de dominado, de obediência, de dominação pra outro lugar era mais um projeto informação pessoal. Eu agora não sei se qualquer pessoa podia participar, eu sei que eu fui para um curso de professores. E eles fizeram esse curso para artista, dança música, aí eles fizeram um curso de professores ou seja, os professores que precisavam abrir a cabeça também que eles deram os formadores.
Eu lembro de Ana Mae conversando com Noêmia, lá na Escolinha de Arte e Maria Luiza, que era diretora pedagógica. E já era essa conversa que a gente lá, fazendo outras coisas, mas já era essa conversa da ação, reflexão, de arte enquanto conhecimento, ela já tava se libertando da livre expressão indo pra esse outro lado. E o pessoal da Escolinha defendia a livre expressão, com base de Nise da Silveira, Jung, todo aquele movimento… no viagem já ela já estava se libertando da linha de expressão pra entrar esse outro lado.
No Vera Cruz, que eu fico amiga de Dóris aí já entra no circuito das artes. Vera Cruz é que me leva pras artes. Porque nas aulas de artes eu ficava enlouquecida. Nunca tinha visto aquilo em casa, né? A filha de Brennand, a filha de Abelardo Rodrigues, o povo que convivia com Ariano Suassuna, a filha de Osman Lins, que era da minha turma, essa é a minha coleguinha mesmo, as duas, eu fiquei mais próxima de Letícia, mas quem estudava comigo era… uma pessoa tão do coração, esqueci o nome dela agora. Aí Letícia namorava com Tarcísio, aí entro nos circuitos da poesia… e vou aprendendo coisas e misturando e misturando.
E aí, depois da orientação educacional, eu conheci Eliete, que o povo estava organizando acadêmicos, o pessoal tudo se organizando pra fazer mestrado. Mas nesse circuito eu conheci Ferreira que era da turma de Maurício, Eliana, que eram educadores do Colégio de Aplicação… e o povo querendo me levar pra mestrado.
Movimento Negro
Aí eu conheci Silvio, aí Silvio me leva pra Movimento Negro e eu já entro em outra história, né? Aí esse mesmo grupo me levou pra Escola Parque que era Eliana e tal que eram amigos… foram me arrastando. Aí pra encurtar a história, onde eu fiquei nesse arrastão? Cada lugar eu aprendi uma coisa, aí a convivência toda política me deixou no na luta antiracial e no Movimento Negro Unificado.
Aí fiquei andando com esse povo todinho, na gestão de Luciana Santos, eu trabalho na educação, mas sempre enfoque racial. Sempre com enfoque alfabetização para todos. O pessoal que estava lidando com as questões de Paulo Freire, que era esse pessoal que pensava socialismo, nessa época o foco era alfabetização e que foi marco pra mim e fundamental até hoje… eu trabalhei com alfabetização tecnológica, alfabetização que eu faço hoje, né? que é a alfabetização estética, alfabetização das artes visuais, sempre trabalhando no “abrir os olhos”.
Saltimbancos ZAB
No movimento de escola alternativa, com as questões que tavam na discussão nesse movimento de organização política, aí eu fui pra Saltimbancos . Tereza Barros me leva pra Saltimbancos [escola].Tereza Barros fazia uma assessoria na época do Recanto Infantil, aí conheceu esses professores… aí trabalhava lá Carminha, Riva (?), Cristina, Maria Teresa, Maninha, aí tiveram lá, pra umas questões políticas dissidências com Fátima. Aí tinham uns pais de Olinda, que se juntaram pra fazer uma escola alternativa em Olinda, aí os pais: Sônia Coutinho e Valdevan, Bernadete Antunes, que conheci lá atrás, Ximenes, Abel escritor, eu sei que juntou um monte de gente, pagaram antecipado e montou o Saltimbancos, uma cooperativa de professores. Graça Arraes.
[o Saltimbancos] Era ao lado da Igreja Nossa Senhora de Fátima [Bairro Novo], depois a escola quis crescer e foi ali pra onde hoje é o Colégio 2001, ali foi que a gente encerrou. Aí a escola Centro de Cultura Saltimbancos foi pra perto da Caixa [Banco Caixa Econômica Federal] na Rua Cândido Mendes. Depois de lá a gente teve uma dissidência, e a gente sai de lá e funda o ZAB, e volta pra rua de início, que é a rua da Igreja só que na casa de Celerino. Eles foram fazer um projeto, ele e Diana, mulher dele, que ela era Argentina aí foram fazer um projeto no interior, e aí alugaram a casa pra gente. Aí eles alugaram pra gente e depois voltaram e a gente saiu, aí tinha uma pousada perto da Praça e ela era mãe da escola, aí disse “Lucinha vai fechar a pousada, vocês querem alugar? ” aí a gente foi, meteu a cara e foi, se encantou… Nessa época a gente queria comprar um terreno pra fazer a escola…
Nessa época eu morava em Peixinhos
Nessa época eu morava em Peixinhos. Iam vender essa casa que a gente morava lá [em Casa Amarela] e a gente não podia comprar. Eles queriam vender por 45 mil cruzeiros e a gente só tinha 35 mil, já tinha juntado com artesanato. Nessa época eu trabalhava em três horários, de manhã de tarde e de noite e aí juntava, um salário era pra juntar, o outro era pra mim, pra meus filhos e pras minhas coisas e o outro era pra casa, se precisassem. Mas meus tios sempre bancavam a casa. A gente procurou procurou procurou e achamos essa casa em Peixinhos, e era o preço que a gente queria. Quando a gente foi ver a casa, você não passava na rua que tinha uma lagoa, aí você entrava por outra rua e dobrava. Lama. Só que a casa era dos sonhos, o lugar que era… Tinha um terraço em “L” circundando toda a casa, um oitão livre, um lugar pra fazer oficina do couro, três quartos, um meu, um dos meus tios e outro da costura, uma cozinha, um banheiro com uma pia pra lavar as mãos, na outra casa não tinha. Quintal com fruteira… Mas o lugar…
A gente tinha clientes e os clientes nunca deixavam de ir por conta da lama, quando chegava lá tinha que lavar os pés. Mas quando chegavam lá se deslumbravam com a casa. Meus tios sempre acolhedor, né? com um suquinho pra receber as pessoas, a cocada de dona Amélia. A casa era dos sonhos porque tinha lugar pra tudo, pra costura, pra pintura, pro carro, pra receber amigos.
Eu fui pra lá, passei um tempo, aí casei [em 1980], quando casei eu saí. Quando eu saí fui fazer um “tour” fui pra Boa Viagem, Piedade, Imbiribeira, morei na escola, depois saí da escola, e fui pra casa na Cidade Alta [em Olinda], na Coronel Joaquim Cavalcanti e de lá me separei e voltei pra Peixinhos, aí de lá eu vim pra cá [Recife], já estou há nove anos aqui [em Recife, na Encruzilhada]. Vim com um medo que não ia poder pagar, mas era pra ficar mais próximo da escola e mais próximo da clientela…
Bordado
[em 2005] O primeiro vestido [mexicano] que eu vi foi num casamento de uma prima de Bernadete, Silk Weber (?). Depois eu vi outras vezes e me encantei.
O bordado entra antes com roupa africana. Eu sempre trabalhei com assimetria. Começam a chegar umas coisas da América Latina, que antes eu tava mais na India, mais nessa historia, aí os bordados começam a chegar… com essa história de exílio, o pessoal depois começa a chegar, e quando eles voltam eles trazem essas coisas, roupas, bolsas, essa estética chega pra gente, com panô. E quem ficou aqui também de movimento popular quando começa chegar. Essas imagens que vão chegando, entendesse?
Quando eu me casei, eu casei em oitenta [nos anos 1980], e eu já bordava, porque o vestido de tia Amélia que eu bordei o meu vestido. Eu fiz um bordado. Eu bordei a túnica de Jorge [o marido]. Já tinha uma estética africana, e essa que era mais do Peru. Fiz um negocinho pra botar na minha casa, o México chega depois.
[Para o enxoval de] Onilê eu fiz os lençoizinhos de xixi. Onilê nasceu em outubro, o primeiro verão, então o peso do enxoval é nas fraldas. Johnson duplo de luxo, porque era dupla, aí o xixi não passava direto. Então, conclusão, a gente juntava o dinheiro todinho pra comprar fralda.
Eu já andava com esse pessoal da Saltimbancos que a gente vinha com essa história que agora tá na moda, né? de reciclar, de reutilizar, contra o consumismo, então era o básico do básico. Então na gestação foi sempre assim eu, Bernadete e Ana, a gente sempre trocava as roupas. Aí voltava pro dono. Usava mas, cuidava porque tinha que retornar, circular.
Onilê [nasceu] em 82 [1982], Ayodê em 84 [1984], e Oluyiá em 86 [1986], pense num arroxo com esses meninos pequenos pra trabalhar.
[Nos separamos] A mulher querendo ir pra um caminho, o marido [Jorge] pro outro.Eu tendo que botar o pé no chão, o menino pra dar comida, pra dar escola, pra socializar, né?
O modelo dele era de uma família mais cigana. A família dele com 17 [irmãos?] eu filha única. A gente passou nove anos.
Conheci [Jorge] no Movimento Negro [Unificado], a gente foi do grupo fundador, do primeiro grupo, o grupo do micro mesmo.
Eu era muito pé no chão, mas a cabeça nas nuvens
Eu era um pouco de um jeito que as pessoas não entendiam muito, né? Eu era muito pé no chão, mas a cabeça nas nuvens, eu topava qualquer reforma. Nunca me encaixei em escola conservadora, nem eles nunca me quiseram também. Eu trabalhei no Santa Maria, porque Dóris foi trabalhar lá e me levou. Dóris chega em fevereiro e eu em março, aí quando Dóris sai eu fui demitida. Mas ficou o trabalho da gente no Santa Maria, um trabalho respeitado. Porque a gente tava levando na bagagem a Escolinha de Artes.
Aí quando chegou o Movimento Negro eu disse "oxe, é aqui!".
Meu vinculo político foi só com o Movimento Negro, que foi onde eu me encontrei, mas foi nesse contato com as pessoas que eu senti vontade, né? e tem uns estudos aí sobre desenvolvimento humano que tem um momento que chega a hora de a gente querer participar da vida política, de você fazer parte desse contexto, que chamam de cidadãos e cidadãs.E eu já me sentia deslocada, sabe? Aí quando chegou o Movimento Negro eu disse “oxe, é aqui!”.
Aonde quer que eu vá [milito]. Aonde quer que eu vá… aí as pessoas me reconhecem, agora teve o Congresso do MNU, aí o pessoal fez lá um “salamaleco” pra gente em homenagem aos fundadores, mas é um luga onde a gente se sente muito bem. Eu, Marcos, Adelaide, onde a gente se encontra é alegre e isso não quer dizer ue todos tenham uma mesma compreensão de luta, mas o fato de tá junto pra gente discutir nossas idiossincrasias, né? Aí a gente se sente muito bem.
Me reconhecer artista
Eu trabalhei muito tempo com vestuário, né? Aí, no momento que Oluyiá começa a trabalhar com vestuário e se firmar e eu envelhecer, eu não sinto mais muita vontade de trabalhar com vestuário. Aí, ela [Oluyiá] abriu pra mim a conta de eu me identificar como artista, eu sempre fiquei nessas história, porque acham que artista acham que é artesão, outro acha que é não sei o quê, outro não sei que lá. Apesar de que quando a gente vê, né? A biografia do artista nenhum artista tá preocupado em rótulo, nem modernista, nem cubista, nem… isso é coisa dos estudiosos, dos críticos, né? que depois juntam tudo… Ninguém tá muito preocupado com isso não. Estão preocupados em expressar seus desejos, suas loucuras, seus desencontros, com o mundo, seus encontros. Acho que quem faz arte tá mais pensando nisso.
Aí eu fiquei muito muito feliz comigo, com essa primeira exposição, meu primeiro momento de artista, de me reconhecer artista, mas eu já tinha me reconhecido artista num trabalho que eu fiz com a Camila Sobreira, no Atelier Expressivo que a gente fez uma vivência e eu me reconheci como, né? Aí, depois, Oluyiá junto com Bia e Raoni me colocou no lugar de me apresentar como artista, né? Quando eu fiz a obra que traz um pouco do México, que traz o bordado, que foi Memória de Caminhante (?), que foi uns corações bordados.
Arteterapia
Terminei meu curso de arteterapia e ainda tô sem saber onde é que eu vou botar o pé, mas acho que o bordado vai ser um trabalho, assim, de me firmar nessa, de explorar os pontos para autoconhecimento, mas não está muito firme ainda não. Mas enquanto eu não chego no próximo passo, eu fico trabalhando no passo anterior ou eu volto para o início, entendeu?
E aí eu atualmente tô fazendo isso aqui de novo [mostra], olha, gostei muito disso aqui, que é pegar uma estampa, e às vezes borda dentro, às vezes borda fora.
[Bordo] com todas as linhas, de seda, de algodão, de qualidade, sem qualidade. Todas pra mim são uns amores, mas é muito pela cor, sabe? o que vem no momento. Agora sempre que eu vou iniciar alguma coisa eu compro duas ou três, porquê? não sei. Eu compro na Rua do Rangel [as linhas].
Gosto de criança, gosto de ensinar
E trabalho? Eita, menina, trabalho é… olhe, vou fazer uma comparação: dos povos primitivos e esse tempo de trabalho que foi meu, né? Que começo a vivenciar em 68 [1968]. Veja, nos povos primitivos você trabalha para sua manutenção e a manutenção da sua vida. A gente trabalha pra ter comida, a gente trabalha e pensa para criar algo para compensar o frio, então a gente vai construir casa para se proteger. E aí o trabalho no meu tempo é o quê? um trabalho para algo, para alguém, para alguma meta que querem cumprir.
[Eu] Gosto de criança, gosto de ensinar, mas não gosto da burocracia do ensino. Você trabalha às 8h, se chega 8h05 já está atrasada. Você tem liberdade [pra trabalhar], aí vem alguém e diz “não pode fazer isso, não”. Aí tem a hierarquia, tem o chefe do chefe do chefe… chefe imediato, subchefe… aí isso me irrita e isso termina caindo na coisa que você vai fazer… Toda a burocracia que a revolução industrial trouxe passa a ser maior.
cada momento cria um modelo de mulher
Eu que já estou no primeiro ano da década de 70, ou seja, já percorreu muito tempo, é interessante como cada momento cria um modelo [de mulher] pra gente, de como a gente deve ser. E aí, tem as mulheres que se enquadram e tem as que, como diz a novela do Clone, “o vento vai jogar e vai levar e você vai arder no fogo do inferno”, né? Há dois séculos depois e você vê ser aclamada, né? Rosa Luxemburgo, Simone Beauvoir, na lista não cabe se você for botar o nome dessas mulheres, aí as negras, a gente tem Lélia, Gonzalez, Nina Simone, tem Ângela Davis, que é a minha musa, e… ainda tem o poder local né?
Aí quando muda uma proposta também vem modelo pra gente, porque tem a globalização, aí tem… a mulher isso, a mulher aquilo. Cada época tem sua modelo. Tem a da sua casa também, aquele modelo de mulher que o povo acha que aquele [modelo] vai formar você. E aí a gente fica se perguntando “como é que vai ser?” “como é que eu vou construir o meu modelo de mulher?” e aí… tem outro negócio que você precisa ter dinheiro, aí vai fazer psicanálise, autoconhecimento, aí vem toda uma psicologia, vem a ciência pra dizer “não, você passa por esse caminho aqui pra construir, seu modelo de mulher e ser feliz” (ri). Acho que isso é que é ser mulher. Acho que mulher é esse ser que todo mundo tem um modelo pra ela.