Metodologia

Metodologia

Metodologia: alinhavando a História Oral e a Cartografia Afetiva

História Oral

por Clara Nogueira

Quem melhor que você para falar sobre sua história? A História Oral é uma metodologia alternativa à história “oficial”. A união das narrativas de vida das mulheres foram ajudando a construir o entendimento sobre o contexto que abrange suas práticas culturais. Com as narrativas de vida, entendemos e confeccionamos a pesquisa. A história oral consiste em trazer as narrativas de vida, e vê-las de outra perspectiva, a perspectiva que comporta suas realidades imediatas. Esta pode ser, então, uma outra maneira de “construir” a história.

A memória se distingue da temporalidade histórica, mas cria uma possibilidade de trazer para o plano do historiador o registro da própria reação vivida dos acontecimentos e fatos históricos. Ouvir, para nós, portanto, se tornou um privilégio, pois os acontecimentos antes somente lidos na precariedade da literatura existente, na “história oficial”, ganharam vida, ao mesmo tempo que formaram redes ainda mais complexas. As mulheres abriram suas casas para nos receber e contar suas versões. A sabedoria de vida delas é responsável pela fagulha que acende os textos da pesquisa.

As narrativas de vida das mulheres aparecem na pesquisa, primordialmente, como forma de localizar nelas o protagonismo de suas vivências. Tentamos fazer com que o ponto de vista sobre as histórias se aproximasse o máximo possível daquele que pertence a elas. O lugar de fala é das mulheres. O processo de produção opera na dimensão partindo do real, do acontecido, da memória – como um elemento permanente do vivido1. A escuta da conversa das histórias de vida contadas pelas mulheres procura resgatar a memória e as diferentes nuances entre o que se viveu e as reverberações, impactos, afetos que tiveram com o que instigamos como o roteiro de preocupações 2. Foi uma tentativa de unir experiências pessoas com o contexto geral da produção têxtil em suas repercussões culturais. Isso dá a cada narrativa características próprias, como a marca única de cada mulher. Contadas a seu modo, no seu tempo, por elas mesmas, são assim deixadas à vista.

Por ter havido muitas horas de gravação, fizemos, ancorada na metodologia, uma edição desse conteúdo. Nessa edição das narrativas foram retirados trechos que durante a conversa foram aparecendo, como palavras ou fatos que as mulheres pedissem para desconsiderar… A construção foi bordada com cuidado para que as letras dessem a forma das palavras por elas ditas. Foram em média duas horas de conversa norteada por um roteiro de perguntas com cada mulher.

Enquanto a memória resgata as reações ou o que está submerso no desejo e na vontade individual e coletiva, a história opera com o que se torna público, ou vem à tona da sociedade, recebendo todo um recorte cultural, temático, metodológico a partir do trabalho do historiador, que se projeta sobre a história escolhendo, selecionando o conteúdo, o plano das reações vividas nos acontecimentos e fatos históricos.

1 Antonio Torres Montenegro.
2 Preferimos chamar roteiro de preocupações a questionário, ler sobre a cartografia afetiva e a construção do roteiro.

Cartografia Afetiva

por Luíza Maretto

Mais muitos outros encontros, trocas, olhares, que ampliaram as bordas da rota já planejada.

Assim, utilizamos também de um outro guia, que chamamos de Cartografia Afetiva. Traçamos pontos com a Cartografia de autoras(es) como Suely Rolnik, Regina Benevides, Gilles Deleuze, entre outros. A “afetiva” no nome foi acrescentada por nós para deixar mais evidente o que nos conduz ao pesquisar. Dessa forma, atravessando os mapas representativos, a essa cartografia interessa acompanhar o movimento que acontece nos territórios, a cultura viva que se constrói. Interessa mapear cenários que se movem, como são as vidas das pessoas e as histórias que contam. Cultura que se faz, desfaz e refaz através de sentimentos, encontros, desencontros, desejos, aprendizados, tristezas, alegrias, contextos políticos e econômicos vividos pelas pessoas… e por aí seguimos, as movimentações… da vida e sua(s) história(s).

Para buscarmos aprender através desse mapeamento foi necessário ter o afeto como guia, como norte. A abertura de afetar e ser afetado; de estar presente no que acontece quando acontece. Afeto tem a ver com o acontecimento, não com o que planejamos a priori. É permitir encontro entre as histórias que escutamos e as nossas próprias histórias. Aqui, anuncia-se a não-neutralidade do pesquisar: é o que sentimentos, o que vivemos, o nosso modo de ver, o que acreditamos, nossa história e, ainda mais, o encontro com cada mulher que fez com que tenhamos escolhido um caminho do que outro. Uma pergunta, do que outra. Um determinado local de entrevista. Cada mulher que também sente, vive, tem história e vê as coisas de uma forma singular. Afetar é também intervir, trocar, saber que existe o sentimento em nós e na(o) outra(o). Como disseram as autoras Gislei Lazzarotto e Julia de Carvalho, no livro Pesquisar na diferença, um abecedário (2012), “Afetar denuncia que algo está acontecendo e que nosso saber é mínimo nesse acontecer. (…) nossas questões são feitas de vida.” E vida tem movimento, diferença.

Assim, a cartografia como método exige de nós rever e recontar nossa própria história. Inclusive nosso jeito de pesquisar, (re)feito tantas vezes na caminhada. Assim, nossos encontros foram de escuta: das mulheres e do que nos afetava com elas, entre nós.

Estávamos presentes com o nosso olhar ali e um princípio base da cartografia: o da ampliação da potência da vida. De quem pergunta, de quem recebe. Assim, importa nosso corpo e afetos, mas tudo isso no encontro com a outra, o outro. Nada disso é só. Afeto é entre, em relação. Afetar com, por. Reparar em como estamos pesquisando, intervindo, caminhando,

Compromissos

Por isso mesmo, essa pesquisa só foi possível pois as mulheres estiveram dispostas a nos receber, a abrir suas casas, escutar-nos e se deixarem escutar. E como estamos falando de gente que encontra com gente, gente que faz cultura, de vida que deve ser protegida e valorizada a todo custo, fomos norteadas por compromissos. A cartografia traz compromissos éticos, estéticos e políticos. Compromisso de sempre refletir sobre o nosso fazer e nossos valores em prática, de permitir passagem à sensibilidade e suas formas de expressão criativa, de procurar fortalecer o processo de luta do artesanato, e de conferir respeito às diferentes formas de viver das pessoas. Compromisso com a produção de cultura através das perguntas que fazemos, dos olhares lançados, das imagens produzidas, da intervenção feita na vida de mulheres que são reais. Compromisso de dar passagem a vozes de diferentes mulheres, entrelaçadas em seu fazer. Compromisso de carregar a sensibilidade como lente para o encontro.

Afinal, como bem aprendemos nessa caminhada é preciso saber entrar e sair da casa das pessoas.

O Roteiro de Preocupações

Para as entrevistas com as mulheres, utilizamos um roteiro de preocupações único, que norteou o enlace entre todas as diferentes mulheres, das diferentes cidades. Linhas para se percorrer, mas que a todo momento estavam abertas para irmos por outros caminhos. Cada encontro chamava uma pergunta diferente, uma curiosidade única que só era lançada através de cada mulher. Cada encontro e afetos puxavam uma linha para seguirmos.

Mesmo assim, podemos dizer que as principais linhas mapeadas pelo roteiro foram: Nascimento e infância; Família; Escola; Cotidiano; Aprendizado com o artesanato; Sobre o trabalho (seu cotidiano de fazer, sentimentos e valores de “fora” e de “dentro”); O artesanato em si; A cidade e o trabalho; Como é ser mulher; Relação mulher artesã; Desejos, sonhos.

As produções da pesquisa

por Clara Nogueira e Luiza Maretto

O material aqui apresentado foi produzido e guiado por um mapa afetivo e criativo, pela perspectiva da cartografia e da história oral. Como expressão dessa cartografia dos encontros com as mulheres, suas cidades e seus trabalhos, produzimos textos, imagens, vídeos e bordados. Escrever, refletir, fotografar, bordar fazem parte do processo da pesquisa de transformar, dar mais um passo de encontro à(s) pergunta(s) que move(m), mapeiam. As diferentes linguagens são usadas para tentar trazer para vista os aprendizados com essa pesquisa, que vêm de diferentes saberes e sensibilidades. Ou seja, os aprendizados com as histórias de vida dessas mulheres, seu trabalho e o local que vivem são expressos de diferentes formas, ampliando as formas de ver e sentir. O site procura, dessa forma, compartilhar com outras pessoas o que se aprendeu, o que se viveu, das mais diferentes formas.

Os produtos do site tecidos na caminhada

Os textos cartografia dos encontros

Antes de cada narrativa de vida trazemos textos escritos, apresentando cada cenário onde pousamos para as conversas: o encontro com cada mulher através do nosso olhar, expresso com nossas palavras. Um pouco do que ela faz e refaz, o que elas nos trouxeram, o que vimos, o que nos afetou, o que sentimos, nossos questionamentos, a caminhada da pesquisa. São 18 mulheres que tecem de sentido a vida, são 18 encontros.

As narrativas de vida das mulheres

Na apresentação da narrativa de vida das mulheres, há títulos as enfatizando e norteando a(o) leitora(o). São frases delas, que no meio da conversa surgiram com/dando grande força ao que estávamos ouvindo. Viraram títulos anunciando o que estava por vir. Toda a narrativa está transcrita, nós enquanto pesquisadoras trouxemos o roteiro de preocupações que norteou a conversa e conformamos ele a cada mulher. Aparecemos aqui entre parênteses para dar fluidez ao texto. São 18 mulheres e cada uma com muitas histórias.

Os vídeos tecendo as relações entre mulheres, trabalho e território

Os vídeos trazem imagens da cidade, das mulheres e das suas práticas. O objetivo é compartilhar o cenário em que fomos recebidas e onde vocês podem mergulhar, visualizar, sentir, como queiram, nos seus territórios afetivos. São três vídeos (um de cada cidade), três especificidades têxteis e 18 mulheres.

Os textos que contam cidades

Como a pesquisa não propôs ser uma georreferência entre mulheres x cidades, trazemos aqui o mapeamento afetivo dos territórios, contados a partir da história oral e da cartografia. Cruzamos, mais uma vez, esses dois métodos para que vocês conheçam a história do lugar numa perspectiva diferente. Somando os nossos olhares ao das mulheres enquanto fazedoras de cidades. São três cidades, três textos, três formas diferentes de contar.

Os textos que contam artesanatos

Cada linha de cada texto é tramada diferente. São texturas, formatos, tempos e realidades tão diversas quanto complexas. Pretendemos aqui compartilhar os saberes sobre as práticas têxteis, bordando a história, através da memória das mulheres, sobre a tapeçaria, a Renda Renascença e a tecelagem. Mostrando ponto a ponto suas etapas, processos, formas de fazer.