Tacaratu

Tacaratu

por Clara Nogueira

Habitantes 25.368
Área 1.248,5 Km²
Sertão Itaparica
453 Km de Recife
Localizada entre: Inajá, Floresta, Petrolândia e Estado da Bahia

O lugar chamado “Brejo dos Padres” para os nativos era “Tacaratu”, palavra que significa “serra de muitas pontas ou cabeças”, interpretação da paisagem do entorno do lugar margeado por serras altas. Os povos nativos das tribos Pankararus, Umaús, Vouvêa e Geriticó, todos do grupo linguístico Kariri, coabitavam a terra que hoje conhecemos como Tacaratu.

O atual município de Tacaratu possui dois distritos, sendo o distrito-sede Tacaratu e o outro, Caraibeiras. Possui noventa povoados rurais como o Sítio Olho D’Água do Bruno.

Sítio Olho D’Água do Bruno

A dez quilômetros do distrito de Caraibeiras, o povoado rural é a casa das mulheres que ainda resistem tecendo em seus teares de pau1 as redes de dormir. A região foi visitada em 1938, pela missão de Mário de Andrade2, que registrou cantigas que já falavam das redes de dormir. Gilson, morador do Sítio, e atualmente secretário de cultura de Tacaratu, nos contou a história de como surgiu a comunidade Sítio do Olho D’Água do Bruno: “Esse senhor, né? Ele era um forasteiro de fora. Aí, ele carregou uma Dona, se apaixonou por essa Dona chamada de Dona Ana Teresa, ela. Aqui na cidade próxima de Água Branca, que é em Alagoas aqui. Aí colocou ela no cavalo e saiu com ela no meio de mundo aí. Aí, eles passaram justamente por esse meio aqui, mas aqui era tudo bruto, não tinha ninguém, não morava ninguém ainda. Passaram por aqui, aí, lá em cima tinha uma fontezinha que hoje a gente chama de ‘Fonte Ruim’, aí, ele com ela no cavalo caminhando várias horas, várias horas, cansados resolveram parar um pouco pra descansar. Batendo uma sede, estavam sem água. Naquilo que estavam descansando ali se preocuparam com a sede ‘eita, e agora? o que a gente vai beber?’, aí, procura de um lado, procura de outro, vê se encontrava uma água em algum local e não conseguiram encontrar. Aí, de repente o Bruno, ele viu assim entre as pedras umas gotas pequenininhas, minúsculas, de água descendo e foi o nome que ele surgiu na hora ‘Olha, um pequeno olho D’Água ali surgindo’. Aí, ele conseguiu pegar com uma cuiazinha, né?, a água e bebeu. E ali ele começou, se arranchou por ali mesmo e por ali ele ficou e foi onde ele fez a comunidade. Foi um dos primeiros moradores e por aqui mesmo ele ficou.”

O Coco do Tebêi é uma dança começada no Sítio. A dança acontecia enquanto os moradores tapavam de barro a casa de algum vizinho que casava. As mulheres traziam água pra molhar o barro para fazer a taipa, e os casais dançavam com o ritmo, marcado pela pisada dos pés, e a Toada das cantoras. O “Tebêi” é o nome dado ao barulho que a pisada do pé faz contra o chão. Contou-nos L.3 que “Aprendi com meus pais, os mais velhos de primeiro, no caso. Quando minha mãe namorava com meu pai era nesse tempo, não tinha casa de tijolo, tinha de taipa. Os homens casava, aí armava as casa como se fosse essa casinha minha aí, aí eles tapava de vara as casa, ia pro mato tirava as varas, aí tapava a casa, aí naquela tapação que eles botavam o barro mode tapar a casa, aí eles ajuntavam muito homem e era muita mulher pra tapar casa naquele dia. Era as mulher botando água, botando água nos pote carregando dos açude e aí, por aí era uma coisa muito… eles cantando Toada, aqueles que sabia cantar Toada, meu pais mesmo era duns que cantava, e ajuntava aqueles montão de mulher e de homem aí tapava a casa e de noite arrumava os Tebêi, tinha as Feitosa que elas ficaram famosas no Tebêi aí, por aí vai, daí que depois surgiram as casa de tijolo, mas quando era casa de taipa era assim, aí de noite, minha filha, era Têbei de manhecer o dia. Hoje em dia a gente dança pro pessoal de longe vê. Pra olhar aquela tradição.”

No Olho D’Água, como o chamam, não se ouve som de tear como em Caraibeiras. Uma casa aqui e outra acolá, ligadas por estradinhas de barro, onde cada um conhece o outro. Em meio aos roçados, plantações, casas de taipa e de tijolo, os teares se movimentam cada vez menos. A produção é por encomenda, hoje em dia. E muita gente está deixando de fazer. A agricultura é a fonte de renda e da vida da maioria por aqui. A seca na região durava 6 anos, e em nossa chegada, em julho/ 2017, pudemos observar a mudança na paisagem que um pouco de chuva causou por aqui. As pessoas são muito pacatas, e muita gente prefere a calmaria do lugar ao barulho das cidades. Falou-nos L. que “Ave Maria, quando eu chego lá (em Caraibeiras) eu fico doidinha pra vim mimbora. Eu não aguento ali, ó. Por isso que eu digo ‘eu não moro ali’ já por aquilo, eu não aguento, fico doidinha lá quando eu chego na casa de uma cunhada minha, ave Maria, eu sempre fico lá pra cozinha lá, mas perto dos tear (elétrico) eu não fico um segundo, já por isso daí aquelas zoada é muito forte (do tear elétrico). E aqui (no Olho D’Água) não, o barulho é devagarzinho. A gente não faz zuada, que a gente tece com espaço, é espaçoso assim o espaço e lá é muito corrido, é a força. Por isso aquela zuada.”

Caraibeiras

Caraibeiro é como se chama aos ipês amarelos na região. Tinham tantos por ali que o nome do vilarejo se tornou Caraibeiras. O distrito de Tacaratu tem um som que guia o dia. A batida frenética dos teares elétricos não cessa. Na hora do almoço, encoraja-se a diminuir um pouco o volume, mas os teares tímidos de algumas casas já marcam o tempo da volta. O som é o que permeia a produção da rede de dormir feita por 85% de seus habitantes.

Em cada casa, calçada e rua que se passa percebe-se a presença das redes. Difícil achar uma pessoa que não trabalhe com isso. Disse-nos R.4: “Aqui não todas casa mas uma sim e uma não tem um tear pra tecer. Quem não tem mais desse tem um elétrico, e quem não tem nem elétrico nem esse manda pras pessoas tecer.” A capital da rede é a extensão do nome da cidade, mas é nesse distrito e nos Sítios que as redes se fazem, é onde o trabalho-vida se faz.

“Aqui um tece, o outro faz isso, outro dá nó de tapete, aqui não tem, se tiver algum mendigo é que vem de fora, mas aqui graças a Deus que todo mundo trabalha, quem não trabalha aqui é porque é preguiçoso. Mas aqui é um lugar que chama terra da rede. É um lugar que dá mais trabalho. Tem um povo que tem aqui e é tudo de fora, que nem Tacaratu, Tacaratu é um lugar pequeno e é bem estreitinho e aqui é um lugar grande. Aqui era pra ser a cidade e aqui já é o município, aqui era pra ter o banco e não é lá. Em Tacaratu não, o emprego de lá é prefeitura e essas coisa assim sabe? E aqui não, é só artesanato. Graças a Deus todo mundo ganha dinheiro, ninguém anda pedindo esmola.”

Caraibeiras é lugar de gente simples e honesta. São seus 7.0155 habitantes. Distante 12 km da sede do município – Tacaratu –, as compras ainda se fazem olho no olho, com dinheiro vivo. Os bancos ficam no distrito-sede Tacaratu, além da prefeitura, igreja, pousadas e serviços. Cada moradora e morador conhece o outro e não titubeiam ao indicar o caminho mais perto de se chegar a algum deles. As ruas são de paralelo, e à noite as poucas árvores viram abrigo de multidões de passarinhos. Conta-se nos dedos os casos de violência urbana que aconteceram aqui. Comenta R.6: “Bem, aqui é mais sossegado. Você mora aqui não tem muita violência aqui, e você conhece todo mundo”. É um lugar pacato que à noite vai ganhando pessoas, cadeiras na calçada, conversa boa.

Em Caraibeiras acontece semanalmente A Feira de rede de dormir, num galpão aberto ao lado da feira livre, onde são vendidos animais pra criação, frutas, verduras, utensílios para casa, e onde se come também.

Hoje as redes manuais e as feitas no tear elétrico se misturam na feira. As fábricas grandes e os teares elétricos de alguns moradores tecem a maioria da produção. Existem teares manuais em Caraibeiras, mas os de canela só tem nos Sítios. Os teares estão sendo trocados aos poucos pelos teares elétricos. É comum ver pelas ruas teares de madeira desmontados e ruínas de maquinários que foram substituídos por novos. A batida leve dos teares manuais está quase silenciando em Caraibeiras.

“Lá em Tacaratu não é todo mundo de porta fechada? E aqui não, é todo mundo com as portas abertas, porque graça a Deus aqui não tem coisa errada. Aqui você pode dormir na calçada que não acontece nada… Já em outro canto… Aqui é um lugar abençoado pra tudo. A única coisa que aqui é ruim é pra médico. Se o caba cair numa doença só Deus.

Por causa que aqui o povo só trabalha com isso, só trabalha com rede, com tapete e bolsa, é a renda da gente é esse, do artesanato, aí é por isso que chamam ‘Terra da Rede.’”

Além da Feira de rede, há lojas espalhadas por toda cidade, que vendem uma diversidade enorme de produtos. Bolsas, jogos americanos, passadeiras e cadeiras vão dividindo espaço com as redes e mantas. É destino de gente de vários lugares que compra pra si ou que revende Brasil afora. A cidade fica arrodeada de caminhões que são abastecidos nas fábricas, ou que carregam as compras em lojas maiores. As lojas menores são destinadas aos interessados em deixar a casa mais bonita e ter uma rede pra deitar.

Caraibeiras é morada de quatro das cinco mulheres que conversamos no município de Tacaratu. Não ouvimos nenhuma queixa, senão a de que o acesso a saúde e a educação superior deixa a desejar. “Aqui é um lugar abençoado pra tudo. A única coisa que aqui é ruim é pra médico. Se o caba cair numa doença só Deus.”7

Além disso, algumas acham que Caraibeiras deveria ser emancipada de Tacaratu, e, vendo com nossos olhos, percebemos que autonomia econômica a cidade possui pra isso. “Gosto [de Caraibeiras]. Adoro aqui meu lugar. Eita, nem fale, eu chorava tanto com saudade da minha família, longe de todo mundo. Não conhecia ninguém lá em São Paulo”. Conta-nos S.8, que foi morar um tempo em São Paulo, mas adora ter voltado pro seu lugar.

Tacaratu (distrito-sede)

No distrito-sede não se faz rede. Tacaratu tem o Santuário, a Igreja Nossa Senhora da Sáude e um casario colonial que a rodeia. Bares, comércios, escolas, bancos, museu e a sede da Prefeitura da cidade diversificam o uso dos casarios que se misturam às casas conjugadas, morada de gente simples.

Somente nos anos 1990, os Pankararus, povo nativo da região tiveram sua identidade e território protegidos pelo Estado, mas até hoje sentem os resquícios de décadas de lutas para ter seu território. Em janeiro, mês que se começa a Novena pra Nossa Senhora da Saúde, por tradição a várias gerações, os Pankararus abrem a Novena entrando na Igreja para a missa e dançando o Toré do lado de fora. A celebração religiosa atrai cerca de 150 mil pessoas todos os anos durante o período da Novena (janeiro e fevereiro). Os Pankararus possuem rituais como o Menino do Rancho, a Festa do Umbu, e a Dança dos Bichos, mas, devido à catequização dos povos nativos pela ação dos missionários, a maioria dos Pankararus é católico9.

Uma cachoeira no meio do Sertão, com cem metros de altura e sete quedas d’água, assim é a Cachoeira do Salobro, ponto de encontro dos moradores e de visitantes. A água tem o gosto um pouco salgado, por isso o nome Cachoeira. Para se chegar nela é preciso adentrar no distrito-sede, passando por vilas que fazem parte do território do vasto município de Tacaratu.

Caminho estreito por uma estrada de barro também se faz pra ir no Cruzeiro de Tacaratu. Lá de cima, vemos o distrito-sede e Caraibeiras. Além do vento gélido que passa sobre nós, uma paisagem exuberante nos toca e nos leva ao silêncio. O local é destino de turistas, mas principalmente de fiéis, que para pagar promessas às vezes sobem o percurso a pé. Há uma cruz (o Cruzeiro) onde estes fazem suas preces mais perto do céu. Lá, depositam seus ex-votos e acendem velas. No caminho de volta vemos também o Rio São Francisco e suas curvas sinuosas. Outro recanto de visitação é a Fonte Grande, uma bica de dois metros de altura, que é destino de vários moradores nos fins de semana.

1 Ver texto Tecelagem em Tacaratu.
2 Em 1938, o escritor Mário de Andrade, enviou uma equipe ao Nordeste e ao Norte para registrar cantos, danças e rituais que considerava ameaçados de extinção.
3 Ver narrativa completa de L.
4 Ver narrativa completa de R.
5 Fonte IBGE, 2015.
6 Idem nota 4.
7 Ver narrativa completa de C.
8 Ver narrativa completa de S.
9 Lúcia Gaspar – FUNDAJ.